O Brasil na WWII: ‘Arará’, o Catalina que destruiu o U-199
Houve um tempo em que o Brasil também batizava suas armas que enfrentavam o inimigo, homenageando seus mortos em guerra.
O Catalina (modelo PBY-5) que atacou e afundou o submarino alemão U-199, no dia 31 de julho de 1943, foi batizado como Arará, em 28 de agosto de 1943, numa cerimônia realizada no aeroporto Santos Dumont, e ganhou na fuselagem uma silhueta de submarino para marcar o feito.
O nome Arará foi dado em homenagem a um dos navios afundados pelo submarino alemão U-507. O avião também recebeu na cauda a inscrição: “Doado à FAB pelo povo carioca”.
Refletindo bem o espírito da época, a cerimônia teve canções patrióticas e discursos inflamados. Entre os presentes estava o comandante do navio mercante Arará, José Coelho Gomes, e a tripulação do Catalina. O hidroavião foi batizado com água do mar por uma menina – Miriam Santos – órfã de seu pai, o Segundo-Comissário Durval Batista dos Santos, morto na ocasião em que o Arará (o mercante teve 20 mortos) foi afundado, no momento em que prestava socorro às vítimas do Itagiba, no dia 17 de agosto de 1942.
Outra cerimônia seria repetida um mês depois no Rio Grande do Sul, com o batismo de outro Catalina, com o nome de Itagiba, navio mercante afundado em 17 de agosto de 1942, com 38 mortos, entre tripulantes e passageiros. Entre os sobreviventes, estavam os soldados dos Sétimo Grupo de Artilharia de Dorso, alguns dos quais foram lutar na Campanha da Itália em 1944.
A guarnição do Catalina na ocasião do afundamento do submarino U-199: Comandante José Maria Mendes Coutinho Marques, Piloto Luiz Gomes Ribeiro, Co-piloto José Carlos de Miranda Corrêa. Tripulantes: o Aspirante Aviador Alberto Martins Torres e os Sargentos Sebastião Domingues, Gelson Albernaz Muniz, Manuel Catarino dos Santos, Raimundo Henrique Freitas e Enísio Silva.
O afundamento do U-199
Por Alberto Martins Torres, veterano do 1o. Grupo de Caça da FAB (10.12.1919-30.12.2001)
Do livro: Overnight Tapachula
“…Após a decolagem, no sábado, fui efetivamente para o beliche onde me estendi. Passada menos de meia hora, o Miranda pediu que eu fosse pilotar porque desejava completar com o major Coutinho marque a plotagem de nossa rota após Cabo Frio. Fui para o posto de plotagem. Nem bem se passaram uns 10 minutos após eu haver assumido os comandos, chegou um cifrado da base:
Atividade submarina inimiga, coordenadas tal e tal…Miranda plotou o ponto na carta e traçou o rumo(…). Coloquei o Arará no piloto automático e no rumo indicado, em regimen de cruzeiro forçado, com 2.350 rotações e 35 polegadas de compressão. Eram aproximadamente 08:35 da manhã.
Havia alguma névoa e o sol de inverno ficava a três quartos da cauda, por bombordo, portanto em posição favorável a nós na hora do ataque. Foram testadas todas as metralhadores e, das quatro cargas de profundidade que levávamos, armamos três, no intervalômetro, para uma distância de 20 metros entre cada bomba, após ser acionada a primeira.
O intervalômetro é graduado em função da velocidade no mergulho, para ser verdadeiro o escapamento escolhido. As cargas de profundidade já eram reguladas para detonarem a 21 pés de profundidade, ou seja, aproximadamente 7 metros da superfície. Essa regulagem era considerada ideal porque mantinha as bombas para detonarem dentro da faixa em que a experiência já demonstrara ser eficiente o ataque a submarino por aeronave, isto é, desde o momento em que está navegando na superfície até no máximo 40 segundos após o início do mergulho. Com o submarino na superfície, as bombas detonariam logo abaixo de seu casco perfeitamente dentro de seu raio letal.
Minutos antes das nove horas avistamos o nosso objetivo, bem a nossa proa. Navegava a toda velocidade em rumo que cruzava o nosso. Assim o víamos em seu perfil completo, levantando grande vaga de espuma com sua proa afilada. Seguia num rumo aproximado de leste par oeste, enquanto nós vínhamos de norte para sul, em ângulo reto. Estávamos a uns 600 metros de altitude.
Iniciamos o mergulho raso, eu nos comandos e Miranda como comando das bombas. Foram reiteradas as instruções para que, quando fosse dada a ordem, todas as metralhadoras deveriam atirar, mesmo as sem ângulo, segundo a doutrina, para efeito moral. Já a uns 300 metros de altitude e as menos de um quilômetro do submarino podíamos ver nitidamente as suas peças de artilharia e o traçado poligônico de sua camuflagem que variava do cinza claro ao azul cobalto. Para acompanhar sua marcha havíamos guinado um pouco para boreste, ficando situados, por coincidência, exatamente entre o submarino e o sol às nossas costas. Até então nenhuma reação das peças do submarino.
Quando acentuamos um pouco o mergulho para o início efetivo do ataque, o U-199 guinou fortemente para boreste completando uma curva de 90 graus e se alinhou exatamente com o eixo da nossa trajetória, com a proa voltada para nós. Percebi uma única chama alaranjada da peça do convés de vante, e, por isso, efetuei alguma ação evasiva até atingir uns cem metros de altitude, quando o avião foi estabilizado para permitir o perfeito lançamento das bombas. Com todas as metralhadoras atirando nos últimos duzentos metros, frente a frente com o objetivo, soltamos a fieira de cargas de profundidade pouco à proa do submarino.
Elas detonaram no momento exato em que o U-199 passava sobre as três, uma na proa, uma a meia-nau e outra na popa. A proa do submersível foi lançada fora d’água e, ali mesmo ele parou, dentro dos três círculos de espuma branca deixadas pelas explosões. A descrição completa sobre a forma por que as cargas de profundidade atingiram o submarinos me foi fornecida em conversa que tive com o piloto do PBM, tenente Smith, que a tudo assistiu, de camarote, e que inclusive me presenteou com uma fotografia do U-199 que, lastimavelmente não consigo encontrar.
Nós abaixáramos para pouco menos de 50 metros e, colados n’água para menor risco da eventual reação da antiaérea, iniciamos a curva de retorno para a última carga que foi lançada perto da popa do submarino que já então afundava lentamente, parado.
Nesta passagem já começavam a saltar de bordo alguns tripulantes. Ao completarmos esta segunda passagem é que vimos um PBM americano mergulhado em direção ao objetivo. Depois saberíamos de onde viera. Transmitimos com emoção o tradicional SSSS – SIGHTED SUB SANK SAME – em inglês, usado pelos Aliados para dizer: submarino avistado e afundado – e ficamos aguardando ordens, sobre o local. Em poucos segundos o submarino afundou, permanecendo alguns dos seus tripulantes nadando no mar agitado. Atiramos um barco inflável e o PBM lançou dois. Assistimos aos sobreviventes embarcarem nos três botes de borracha, presos entre si, em comboio. Eram doze. Saberíamos depois que eram o comandante, mais três oficiais e oito marinheiros”.