Surcouf: o faz-tudo que não fez praticamente nada
De boas intenções, o fundo do mar está cheio – Parte 2
Foi talvez o mais impressionante submarino de seu tempo. Poderosos canhões de cruzador para luta de superfície, canhões antiaéreos para derrubar agressores alados, hidroplano para reconhecimento, alojado em um hangar cilíndrico, 12 tubos de torpedo no total para afundar navios de vários portes, tudo num deslocamento de mais de 4.000 toneladas submerso.
Ele foi o maior de todos os submarinos até a chegada dos gigantes japoneses de 1944. Mas, por essa época, isso pouco importava: o Surcouf já estava no fundo, após escrever uma história repleta de problemas, algumas aventuras e, quanto a sucessos bélicos, nada.
Tratava-se do conceito de “submarino cruzador”, apto a operar como um incursor a longas distâncias – vale lembrar que, nesse conceito, o emprego de canhões de superfície de calibres mais respeitáveis faziam sentido, dado que os submarinos eram mais navios submersíveis do que autênticas armas submersas.
Até aí, os submarinos da marinha norte-americana, que operaram nas vastidões do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, provaram a validade do conceito de submarinos “cruzadores” de longo alcance, e chegaram a empregar canhões de 5 polegadas, embora o principal armamento fosse o torpedo. Mas daí a instalar armas de cruzadores pesados em um submarino, vai uma distância igualmente grande.
O aspecto duvidoso desse conceito não estava restrito à mentalidade naval francesa, tanto que o tratado de Washington procurou limitar o calibre máximo de canhões, para submarinos, em 8 polegadas. Mas os franceses foram os únicos a instalar armas desse porte em um submarino, o Surcouf. Ele deveria ser o primeiro de uma série. Mas provavelmente a única decisão realmente sábia em relação ao seu desenvolvimento, é que nenhum outro exemplar do tipo foi construído.
O Surcouf exigia uma tripulação de quase 120 homens: bem mais do que o dobro da maioria dos submarinos menores e mais abundantes nas marinhas do mundo, incluindo a francesa. E não só isso, ele também exigia muito dessa tripulação, dada a sua complexidade. Exigia também estômagos fortes, dado que suas qualidades marinheiras na superfície deixavam bastante a desejar (especula-se que devido ao peso excessivo do armamento). O tempo de mergulho era lento, e o equilíbrio era difícil de ajustar. Seus 110 metros de comprimento, 8 de boca, 3.304 toneladas de deslocamento na superfície e 4.218 toneladas submerso eram abrigo certo para inesgotáveis problemas.
Mas nem tudo era ruim: como arma de propaganda, impressionava. O alcance de 10.000 milhas náuticas e a autonomia de 90 dias eram adequados. A proa abrigava apenas quatro tubos de torpedos pesados (21 polegadas), mas outros quatro tubos do mesmo calibre estavam em um reparo conteirável à ré da superestrutura, num conceito inovador para submarinos, além de outro reparo também conteirável com quatro tubos para torpedos leves, de 15,7 polegadas, para emprego contra navios mercantes menores. Eram artefatos rápidos, porém de curto alcance.
Impressionante mesmo era a torre dupla à prova d’água, com dois canhões de 8 polegadas (203mm e 50 calibres), M1929. Eram basicamente as mesmas armas que equipavam os cruzadores pesados franceses classe Dupleix, recém desenvolvidas (1924), que disparavam projéteis de 134 quilos (dos quais o Surcouf, segundo algumas fontes, podia carregar até 300). Como diferença em relação a suas contrapartes que equipavam as unidades de superfície, dispositivos especiais fechavam as saídas dos tubos para os mergulhos, evitando a entrada de água nos canhões. Podiam entrar em ação em menos de três minutos após o Surcouf emergir. A cadência de tiro era um pouco menor em relação à dos cruzadores(provavelmente para não afetar a estrutura da embarcação): de até 5 tiros por minuto, caiu para 3. Mas havia limitações um pouco mais sérias.
Um submarino tem perfil baixo, comparado a um cruzador pesado. Uma arma de longo alcance como um canhão de 8 polegadas necessita de um pesado equipamento de direção de tiro instalado o mais alto possível, para poder enquadrar alvos mais distantes. No Surcouf, a diretora ficava logo atrás da torre, em posição mais baixa do que a vela. Instalá-la mais alto traria problemas técnicos ainda maiores que os já vivenciados pela embarcação.
Além disso, a elevação máxima dos canhões estava limitada a 30 graus (ao invés de 45 graus nas torretas dos cruzadores). Se essa diferença no ângulo já fazia o alcance máximo cair de 31.400 metros para 28.000 metros, a pouca altura da diretora de tiro limitava seu alcance para enquadrar os alvos. Assim, o alcance efetivo da arma caía pela metade, equiparando-a nesse sentido a armas de menor calibre (apesar da notável diferença em peso de fogo). O submarino também tinha que manobrar para apontar efetivamente os canhões, pois estes conteiravam parcos 11 graus.
O Surcouf teve sua construção iniciada em 1927 e só foi comissionado 7 anos depois, em 1934. Outros 5 anos foram gastos realizando modificações para resolver problemas técnicos, e ele só entrou em operação em 1939, ao custo de importantes recursos orçamentários, industriais e humanos. No imediato pré-guerra, mostrou a bandeira por vários portos. Quando chegou a vez da ação de fato, estava nas Antilhas, e aproveitou a viagem de volta à França para escoltar um comboio, antes de ser docado para reparos urgentes. Quando escapou de Brest para a Grã-Bretanha em junho de 1940, foi arrastando-se com apenas um motor.
Os dois anos seguintes foram gastos em eventuais escoltas de comboios, treinamentos, reparos e alguns quase-desastres, a partir da Inglaterra, Bermudas e Estados Unidos. Por fim, foi decidido enviá-lo ao Taiti, apesar de suas más condições. Mas antes de atravessar o canal do Panamá, o Surcouf (que não era equipado com radar) foi provavelmente abalroado numa noite escura por um cargueiro. Seu casco nunca foi achado, e muitas teorias “conspiratórias” surgiram a respeito de sua perda. O certo é que está no fundo do mar, em companhia de muitas boas intenções e uma quantidade ainda maior de esforços desperdiçados.
Esta série do Blog do Poder Naval é dedicada a projetos de submarinos que tiveram a intenção de inovar, quebrar tradições, testar novos limites, ou simplesmente resolver desafios táticos e estratégicos com a melhor das intenções. Mas que no fim deram com os burros n´água, literalmente.
Veja o primeiro artigo da série:
Nossa, que mostrengo, rsrsrs… Nada admirável que a França tenha sido conquistada na WWII, com soluções mirabolantes como essa coisa e a Linha Maginot, rsrs…
Sds.
Depois da revolução industrial, houve muita experimentação na indústria militar. Algumas soluções deram certo, como o tanque com canhão pesado como arma principal e o porta aviões. Outras soluções não se mostraram práticas e foram abandonadas. Esses dois casos mostrados no Blog são só a ponta do iceberg, tem muito mais tosqueiras que não deram em nada.
Muito boa a matéria. Esse eu nunca tinha visto. Parabéns!!!!
Realmente merecem todos um parabéns, pois eu duvido que em vida eu chegasse a saber de algo tão tosco e hilário como esse narrado nesse série. Fiquei realmente impressionado com a ousadia dos que conceberam a idéia. Uma pena que ele não tenha entrado em combate, imaginem a cara do inimigo ao ver surgir um sub com um baita tiro de 200mm 🙂
Caramba, ninguem conhecia o Surcouf (que coisa ….)
Entao quando virem os (…….) diferentes … os (…..) picketes …
MO
MO, seu bocudo (rsrsrsrs) tive que editar seu comentário para não entregar o ouro, hehe…
Apesar de que, entre aquilo que você citou, só estão alguns dos “quilates” projetados no século passado que vão frequentar essas páginas…
Abraço!!!
PS – você pode, é claro, ver desde já as surpresas agendadas para as próximas semanas – privilégio de editor, é claro.
Yluss, O engraçado (ou trágico) é que se ele entrasse em uma luta de superfície, coisas inusitadas poderiam acontecer. Com a limitação do alcance em uns 15.000 metros (devido à menor elevação do canhão e à pouca altura da diretora de tiro), poderia acontecer o seguinte: o Surcoulf descobre uma embarcação ligeira (uma corvetinha antisubmarino) alemã armada com um canhão de 88mm, como o 8.8 cm/45 SK C/30. Ou até mesmo um submarino Type VII com seu 8.8 cm/45 SK C/35, de alcance um pouco menor. Como seu porte na superfície não é dos mais discretos com aquela torre gigantesca… Read more »
Nunão.. nao precisa imaginar mto…
Seria só a corvetinha sair um pouco “da frente” do Sub… ele nao teria manobrabilidade e nem campo de tiro, ja q as torres so viravam 11″…
Ele teria q usar a Golden Gun… ja q so poderia dar alguns poucos tiros!
ihhhh, desculpe Fernadinho
iskeci do fato, de possivelment nao conhecerem os (….) e os (…..), quero ver qdo vc publicar os “ohhhhh” heheheheheheh
Depois eu acesso o stand by e vejo
Abs
MO
Nunão,
ótima matéria. Caso vc queira publicar alguma coisa sobre os japoneses, tenho alguns livros sobre a série do I-400 e I401, submarinos japoneses, verdadeiros monstros do mar.
Tem menos de 2 semanas que o NatGeo passou um épisodio sobre eles.
Como o seu primo francês, um polêmico projeto e que nunca foi utilizado em combate.
Abs
MT
Parabéns pela matéria!!
mas…. como que esses bichões pré-históricos conseguiam guiar-se submersos???
durmam com esse barulho!
Marcos, Valeu pelo oferecimento, se eu precisar ou tiver alguma dúvida atroz, peço alguma informação adicional pra você (quando chegar a hora dos japoneses na série, é claro). Mas a princípio tenho bastante material dos japoneses por aqui – posso também deixar pontos para você e outros leitores complementarem nos comentários, se quiserem, o que é bem mais interessante porque promove o debate. Cordeiro, A navegação submersa se dava de maneira convencional, plotando dados de velocidade, distância, bússola, correntes marinhas etc. De tempos em tempos, subir o periscópio para verificar a posição das estrelas e uma antena de rádio para… Read more »
Nunão…
há uma certa “confusão” quanto ao nr de tubos de torpedos…
além dos 4 de proa, vc citou duas plataformas quadruplas no convés conteiráveis, mas há aqueles que acreditam serem quatro plataformas duplas ou uma quadrupla e uma dupla, totalizando 6 tubos conteiraveis e não oito.
Mas acho que vc baseou-se nas fontes mais corretas mesmo.
sds
Pois é, Dalton, achei algumas variações, mas fui nas fontes que considerei mais confiáveis (notadamente as de livros, e conferindo as de internet), levando em conta também as que tratavam dos submarinos tipo Casabianca, que também usavam reparos conteiráveis.
Saudações!