Fonte: EXAME

Desde que deixaram o poder, nos anos 80, os militares brasileiros não aguardavam o 7 de Setembro com tanta ansiedade. No próximo Dia da Pátria, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, deverá anunciar uma nova política para equipar as Forças Armadas com a compra e o desenvolvimento de novos equipamentos bélicos — um pacote de gastos estimado em 6 bilhões de reais até o fim de 2010. “Esse é um projeto de Estado, não de governo”, disse Jobim a EXAME. “O Brasil precisa de uma estrutura de defesa compatível com seu novo papel de destaque no cenário internacional.” Longe de ser apenas uma aspiração da caserna, o programa de reaparelhamento das Forças Armadas tem amplo apoio do governo Lula, do Congresso e de uma azeitada engrenagem de lobby pró-indústria nacional. Segundo Jobim, a idéia é favorecer empresas brasileiras e consórcios com parceiros estrangeiros dispostos a transferir tecnologia. Tudo com o suporte de linhas de financiamento do BNDES.

O investimento nas Forças Armadas tem três objetivos imediatos: exibir músculo militar aos países vizinhos, induzir à criação de um parque industrial bélico brasileiro e fomentar a exportação de armas para países da América Latina, da África e da Ásia. “O Brasil tem cerca de 500 empresas em condições de produzir equipamentos modernos, como aviões, tanques, navios, mísseis e sistemas de software para vigilância”, diz Jairo Cândido, diretor do departamento de defesa da Fiesp. A preferência pela produção nacional ficou clara no ano passado, quando a Aeronáutica suspendeu a importação de 36 caças supersônicos, a um custo de 2,2 bilhões de dólares, para fabricá-los no Brasil, num consórcio que deverá juntar a Embraer a um fornecedor estrangeiro a ser definido. “Se tivermos de optar entre uma aeronave supermoderna e outra um pouco menos avançada, mas que proporcione capacitação tecnológica, vamos ficar com esse modelo intermediário”, diz Jobim. O mesmo critério tem norteado as primeiras licitações militares, retomadas graças ao aumento da arrecadação federal. É o caso do contrato de quase 50 milhões de reais conquistado pela Iveco, do grupo Fiat, no ano passado, para desenvolver uma nova geração de tanques Urutu 3.

Várias nações do mundo atuam na área militar com a meta colateral de desenvolver tecnologia que acaba servindo para outras indústrias — como é o caso de Estados Unidos e Reino Unido. Nesse sentido, a opção pela indústria local em detrimento de importações não chega a ser uma invenção do governo Lula. É claro que essa escolha sobrecarrega o contribuinte, que não deve estar lá muito convencido da necessidade de gastar tanto dinheiro em armas — vale lembrar que toda a história do Brasil em guerras pode ser contada em alguns minutos. O maior problema, porém, é que não dá para saber de antemão qual o saldo tecnológico do pacote imaginado por Jobim. Afinal, essa não é a primeira vez que o país alimenta a pretensão de desenvolver uma indústria bélica forte. Durante o regime militar, o Brasil gastou bilhões de dólares a fundo perdido para tentar construir um setor de armamentos. Nos sonhos mais delirantes, estávamos caminhando para ser uma potência nuclear.

O governo, claro, diz que desta vez a história será diferente. A favor do pacote de Jobim está o fato de os investimentos planejados se concentrarem no ainda pouco explorado nicho do mercado de combate a guerrilhas. Na próxima década, o Exército planeja ter 1 200 tanques em áreas de fronteira, como a Amazônia. Outra prioridade do governo — e da Petrobras — é a proteção da megarreserva petrolífera de Tupi, na região sudeste da costa brasileira. Uma das medidas tomadas para reforçar a defesa oceânica foi acelerar o desenvolvimento de um submarino de 6 000 toneladas movido a energia nuclear, um polêmico projeto iniciado em 1979 e que andou engavetado nos últimos anos. Desenvolvido pelo Centro Tecnológico da Marinha, o reator nuclear do submarino custará 1 bilhão de reais e — na hipótese otimista do governo — deverá ser concluído em 2015 (depois, portanto, de 36 anos de trabalho). Para proteger a superfície costeira, Marinha e Aeronáutica contarão com helicópteros Cougar a ser fabricados pela Helibras, uma parceria entre a empresa francesa Eurocopter e o governo mineiro, e também com um lote de 99 caças Super Tucanos encomendados à Embraer. Do lado das empresas, contratos como esses são vistos como oportunidades para valorizar o produto nacional e abrir portas. “O reaparelhamento das Forças Armadas ajudará muito na expansão das nossas exportações”, diz Luiz Carlos Aguiar, vice-presidente do mercado de defesa da Embraer. “No caso do Super Tucano, a venda para a Aeronáutica já facilitou contratos com Colômbia, México, Grécia e Índia.”

Modernização das armas
O reaparelhamento das Forças Armadas já começou com encomendas a diversas empresas brasileiras e estrangeiras…
Exército
270 tanques alemães (KMW)
R$ 270 milhões
Marinha
2 navios-patrulha (Estaleiro Inace, do Ceará)
R$ 140 milhões
Aeronáutica
99 caças Super Tucano (Embraer)
R$ 640 milhões
As três armas
50 helicópteros Super Cougar (Helibras)
R$ 3,2 bilhões
…e deve gerar novos negócios até o final do governo Lula com o desenvolvimento de grandes projetos
Exército
Tanque Urutu 3 (Exército e Iveco)
R$ 49 milhões
Marinha
Reator do submarino nuclear (Consórcio Marinha, USP, INB, Equipamentos Jaraguá)
R$ 390 milhões
Aeronáutica
Caça supersônico (Consórcio Embraer e empresa estrangeira a ser definida)
R$ 3,5 bilhões
Fonte: Ministério da Defesa

É fato que, desprestigiadas com cortes de verbas nas últimas três décadas, as Forças Armadas se encontram em estado de penúria. Hoje, menos de 40% dos caças da Aeronáutica estão aptos a combater, e só metade dos 21 navios de guerra da Marinha pode navegar. “A situação é insustentável para uma potência emergente com tantos vizinhos instáveis”, diz o cientista social Luís Alexandre Fuccille, da Unicamp. Resta saber se o presente do governo aos militares será capaz de fazer tudo o que promete o ministro Jobim.

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