Mario Cesar Flores
Almirante-de-esquadra (reformado)

A criação da IV Frota da Marinha dos EUA – IV Esquadra, à semelhança da II Esquadra (Atlântico), III Esquadra (Pacífico), VI Esquadra (Mediterrâneo) etc. – tem freqüentado nossa mídia com notícias mais ou menos especulativas ou sensacionalistas. O que realmente significa?

De conformidade com sua visão da segurança global, a condução estratégica dos EUA dividiu o mundo em regiões estratégicas (grandes comandos) – uma divisão antipática e arrogante, é claro, mas inerente à condição de superpotência global. Uma delas é o Comando Sul, que abrange o Caribe, as Américas Central e do Sul e seus entornos marítimos.

Esse comando (com sede em Miami) é de diminuta expressão quanto às forças militares que, ademais, lhe são alocadas em caráter conjuntural porque não existem razões que as justifiquem permanentes e ponderáveis, como justifica o Oriente Médio. Cabe essencialmente ao Comando Sul acompanhar a situação da segurança regional, promover o relacionamento com as Forças Armadas regionais (intercâmbio e exercícios, apoio como ocorre na Colômbia) e planejar/executar ações eventuais.

O Comando Sul sempre contou com força naval formada por navios destacados transitoriamente das Esquadras do Atlântico ou do Pacífico, irrelevante senão simbólica, mas satisfatória para os exercícios conjuntos (é o caso da Unitas realizada há 50 anos) e “demonstração de bandeira”, atividade tradicional de qualquer potência naval.

A criação da IV Esquadra padronizou a organização do Comando Sul, que passou a ter um Comando Naval, mas sua IV Esquadra continua pendente do destaque conjuntural de navios das esquadras do Atlântico e do Pacífico. O que mudou, portanto, é o fato de que o Comando Sul tem agora uma estrutura naval apta a acompanhar os acontecimentos regionais que digam respeito ao mar, a planejar e conduzir o relacionamento com as Marinhas regionais (que os EUA desejariam focar hoje no combate ao tráfico de drogas pelo mar, exercícios conjuntos que até recentemente enfatizavam a defesa do tráfico marítimo – herança da II Guerra Mundial esticada na Guerra Fria, e hoje perdendo relevância dada a improbabilidade da ameaça).

E apta também a planejar/executar convincente “demonstração de bandeira” onde os fatos a sugiram conveniente (como seria, por exemplo, a que indicasse atenção ao reaparelhamento naval venezuelano e ao relacionamento naval Venezuela-Rússia); e eventuais ações efetivas, cuja necessidade por ora não se vislumbra. Em suma, o Comando Sul passou a estar organizacionalmente equipado com a “inteligência” e o know-how naval que não dispunha de forma estável. Mas quanto à força naval em si, nada mudou significativamente.

A associação da criação da IV Esquadra com o petróleo no mar sob jurisdição econômica brasileira aparenta um tanto inflada. Aos EUA parece convir que a complicada hipótese pré-sal tenha sucesso e não seja um “pré-sal olímpico” sensacionalista, mas frustrante: comprar-nos-ão o petróleo, quem sabe assim reduzindo a dependência do venezuelano.

Além do que, convenhamos: não existem hoje razões que as justifiquem, mas se vierem a existir preocupações norte-americanas relevantes no entorno marítimo centro e sul-americano, os EUA têm como formar rapidamente uma esquadra à altura.

Têm feito isso mundo afora (como fazia a Grã-Bretanha no seu tempo) e não haveria de ser a inexistência da IV Esquadra formal que os impediria de fazê-lo.

Finalizando: a criação formal da IV Esquadra, além do recado “estamos atentos também ao mar”, tem mais a ver com a organização do Comando Sul e sua capacidade de acompanhamento/avaliação (Inteligência) e planejamento no que tange ao mar, do que com a constituição de força estável e significativa, que pode ser formada rapidamente, se e como necessário.

Como disse uma autoridade naval brasileira, devemos nos preocupar mais com a situação de nossa “única” esquadra, do que com a IV, norte-americana.

FONTE: O Globo

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