Plano de Defesa prevê elevar gastos para 2,5% do PIB

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Cristiano Romero (Colaboraram Juliano Basile e Mônica Izaguirre)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve fechar amanhã, em reunião no Palácio do Planalto, o “Plano Estratégico Nacional de Defesa”, um ambicioso projeto de reequipamento das forças Armadas e de mudança radical da cultura militar do país. O plano prevê, entre outras iniciativas, a fabricação de caças e outros equipamentos militares no Brasil, a concessão de incentivos fiscais para a indústria bélica nacional, a dispensa de licitação na compra de armas e a exigência de que o serviço militar passe a ser efetivamente obrigatório. O projeto estima que, em cinco anos, os gastos militares saltarão de 1,5% para 2,5% PIB (cerca de R$ 69 bilhões).
O plano foi feito por comitê presidido pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e coordenado pelo ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Seria divulgado ontem, durante as festividades do Dia da Independência, mas a visita da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, fez o presidente Lula adiar o anúncio. Para elaborar o plano, Jobim e Mangabeira debateram o tema com ministros e lideranças militares.
Um dos aspectos mais importantes do plano é “reconstruir” a indústria bélica nacional. Jobim e Mangabeira estão propondo ao presidente a adoção de um regime jurídico e tributário especial para as empresas, livrando-as, inclusive, da necessidade de participar de licitações na venda de equipamentos às forças Armadas. “Empresas privadas de defesa não podem ser tratadas como empresas quaisquer, mas no Brasil elas são”, disse Mangabeira ao Valor.
Em contrapartida, o governo passaria a exercer um “poder estratégico” sobre essas empresas. A idéia é fazer isso por meio de “golden share”, ação especial que dá ao acionista o poder de veto numa companhia, ou de licenciamentos regulatórios, um sistema muito usado nos EUA. No caso dos licenciamentos, o governo apresenta uma longa lista de exigências à empresa interessada em se beneficiar dos incentivos. “Essa dependência de aprovações é tão abrangente que, no fundo, é como se houvesse uma superdiretoria lá no governo dizendo “faça isso” ou “faça aquilo”, disse Mangabeira.
Com o plano de defesa, Mangabeira quer que o Brasil deixe de ser um mero comprador de aviões militares. A ambição é, além de exigir a transferência de tecnologia, negociar a criação de joint ventures de empresas estrangeiras com nacionais para produzir caças no país. O ministro reconhece que o governo vive um dilema, na medida em que a força aérea Brasileira necessita renovar a frota entre 2015 e 2025.
Há negociações, neste momento, para a compra de aviões produzidos na França e na Rússia. Jobim e Mangabeira querem aproveitar a compra para negociar parcerias. O ministro de Assuntos Estratégicos assegura que o Brasil não comprará de quem não aceitar, já neste momento, a transferência de tecnologia. “Não vamos entrar numa relação em que penda sobre nossas cabeças a espada de Dâmocles de uma grande potência que use a nossa dependência tecnológica para induzir uma tutela política”, afirmou, em uma crítica velada aos americanos, que rejeitam transferir tecnologia bélica.
Outro ponto do pacote diz respeito ao serviço militar. O plano prevê dois caminhos. O primeiro é manter o serviço como está. A única diferença é que, ao longo do serviço militar, as forças Armadas ofereceriam educação regular aos soldados, além da militar. A segunda opção é que todos os brasileiros em idade para se alistar passem a se apresentar obrigatoriamente, cabendo às forças Armadas escolher os mais aptos a servir. Numa segunda etapa, os que não fossem aproveitados prestariam o serviço social obrigatório, de preferência numa região do país diferente da sua. Nesse serviço, receberiam treinamento militar “rudimentar” e comporiam a força de reserva.
Mangabeira acredita que essa é a parte mais controvertida do projeto. A decisão caberá ao presidente Lula. “Queremos cuidar para que as forças Armadas continuem a ser a própria nação em armas e não uma parte da nação paga pelas outras partes para defendê-las. Sobretudo numa sociedade tão desigual como a nossa, elas são um nivelador republicano, o espaço no qual a nação pode se encontrar acima das classes”, diz.
Um ponto polêmico da proposta é a integração das ações das forças Armadas, acostumadas a atuar de forma segmentada no Brasil. Mesmo elogiando as lideranças militares, especialmente as escolas dos oficiais, Mangabeira admitiu que não há consenso, mas assinalou que a implementação do projeto não depende do presidente, mas do país.
“Não é fácil para nenhuma força armada enfrentar uma proposta de grande transformação”, assinalou. “O centro do debate da defesa é, de um lado, o alcance das nossas ambições, se nos levamos a sério ou não. De outro lado, é o nível de nossa disposição para o sacrifício. A moeda da defesa é o sacrifício. Em última instância, é a disposição para morrer, mas, antes disso, é a disposição para comprometer os nossos recursos e nosso tempo, o tempo da nossa juventude.”
Segundo Mangabeira, com o plano, haverá um “triplo imperativo” para as três forças armadas. O primeiro é o monitoramento. A preocupação, nesse caso, é assegurar que, dentre as tecnologias utilizadas para monitorar o país, os militares não dependam apenas de tecnologias estrangeiras. O ministro afirma que o Brasil não tem nenhum controle sobre os sistemas de localização, como o GPS (sigla em inglês para sistema de posicionamento global).
A idéia é que o país desenvolva satélites, veículos lançadores, sistemas de localização, um complexo de tecnologias espacial e cibernética. “É intolerável que, numa situação de conflagração mundial, percamos a possibilidade de visualizar o país e de guiar os nossos veículos aéreos e marítimos porque o sistema de localização pode ser desconectado a qualquer momento.”
O segundo imperativo é a mobilidade. A avaliação é que um país de dimensões continentais como o Brasil, que faz fronteira com dez nações e tem uma fronteira marítima de 8 mil km, as forças armadas não têm como estar presentes em toda a região de fronteira. Por isso, a eficácia da ação militar depende de tecnologias e capacitações de mobilidade. O plano é que a vigilância do território nacional e do mar territorial, especialmente das plataformas de petróleo, passe a ser feita por um sistema integrado de monitoramento a partir da terra, do ar e do espaço.
“O horizonte do projeto, e isso se aplica a todas as forças, é uma cultura militar pautada pela flexibilidade, a audácia, a imaginação e a capacidade de surpreender e de desbordar [ultrapassar os limites]. Não seremos os mais poderosos. Sejamos, então, os mais audaciosos e imaginativos”.
Mangabeira disse que o objetivo do projeto não é “apenas” reequipar as forças Armadas, mas “transformá-las”. “Uma das premissas da integridade do regime republicano e das forças Armadas é a primazia do poder civil sobre o militar, que só se completa quando os civis lideram as discussões sobre defesa”, disse. “A discussão não poderia ser delegada aos militares, senão se transformaria num pleito por dinheiro. Apareceria aos olhos do país como mais um lobby, como é, aliás, a situação de todas as corporações no Brasil.”
Ontem, após o desfile do Dia da Independência, Mangabeira afirmou que, como o plano exigirá sacrifícios financeiros, será atacado. “Quando o plano for lançado, será atacado por formadores de opinião. Vão acusá-lo de desperdício de dinheiro e de ser instrumento armamentício”. Mas ele acredita que vencerá a “batalha” contra os críticos. “Não são ataques previsíveis, mas também indispensáveis porque a resposta vai propiciar uma dialética de esclarecimento, vai construir condições para um grande debate nacional. É a nação que terá de decidir até onde vão as suas ambições e o seu sacrifício”.

FONTE: Valor Online 8/9/2008

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