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Tenho observado, nos últimos meses, uma série de artigos em diversos órgãos da mídia, em matérias veiculadas pela internet, e até em pronunciamentos feitos por parlamentares no Congresso Nacional, todos manifestando preocupações sobre o tema “submarinos”, que podem ser resumidas, basicamente, nos seguintes tópicos:
– por que a Marinha do Brasil (MB) interrompeu o projeto de construção de um submarino movido a propulsão nuclear?
– por que a opção da MB pelo projeto alemão IKL-214, em detrimento de projetos de outras origens?
– por que não partir logo para a construção de um nuclear, ao invés de um convencional?
– por que a MB insiste com o projeto IKL-214, que estaria apresentando sérios problemas na marinha grega?

O tema é cativante, e a MB não se recusa a discuti-lo. Mas, devemos ter cuidado, pois, se por um lado essas dúvidas podem ser normais e até esperadas para aqueles que não estão familiarizados com todas as variáveis envolvidas no problema, por outro, elas podem estar sendo motivadas por opiniões ou até por interesses comerciais contrariados.
Vamos por partes.
A MB não interrompeu nenhum projeto de construção de um submarino movido a propulsão nuclear, até porque esse projeto infelizmente ainda não existe, e nem cogita da hipótese de, ao invés da construção de um convencional, partir para a construção de um nuclear, pelo menos, na próxima década.
O Programa Nuclear da Marinha, que, com enorme sacrifícios, a Força vem executando desde 1979, visa capacitar o País a dominar o ciclo do combustível nuclear – o que já se conseguiu – e desenvolver e construir uma planta nuclear de geração de energia elétrica, inclusive o reator, o que ainda não está pronto. Desenvolvidos e concluídos esses dois projetos e logrado êxito na operação dessa planta nuclear, estarão criadas as condições para que, no futuro, havendo uma decisão de governo para tal, possa ser dado início à elaboração do projeto e a posterior construção de um submarino nuclear de ataque (SNA), que terá de ser antecedido pelo projeto, construção e avaliação de um submarino convencional nacional. Esse foi o caminho percorrido por todos os países que possuem submarinos nucleares nas suas marinhas.
Do início, em 1979, até por volta do princípio da década de 1990, o Programa Nuclear da Marinha contou com o aporte de recursos adicionais ao orçamento da Força, provenientes de outras fontes governamentais, que possibilitaram o domínio do ciclo do combustível, alcançado ao final da década de 1980. A partir daí, o programa passou a ser custeado, praticamente, com recursos apenas do orçamento da MB, que, além de declinante, tem de atender a todas as demais demandas da Força. A solução visualizada para a conclusão desse Programa é a sua transformação em um Programa Nacional, e não apenas da Marinha, garantindo o aporte adicional, regular e continuado dos recursos capazes de fazer face às necessidades de um empreendimento dessa natureza.
Na concepção estratégica da MB, a disponibilidade desses meios significaria acrescentar nova dimensão ao nosso Poder Naval, garantindo-lhe invejável capacidade de dissuasão e colocando-o à altura das necessidades resultantes da missão constitucional da Força Naval.
Graças à sua virtualmente inesgotável fonte de energia, o SNA pode permanecer submerso por tempo indefinido, limitado, apenas, pelo fator humano, em total independência da atmosfera, o que lhe garante mobilidade, velocidade e absoluta identidade com as profundezas que o abrigam, dificultando sua detecção e transformando-o numa das mais formidáveis plataformas navais jamais construídas.
Entretanto, para uma unidade de combate, não basta ser uma plataforma capaz de deslocar-se indefinidamente, oculta e em alta velocidade. É necessário que ela disponha de sensores adequados, sistema de navegação inercial e de armamento condizente com suas potencialidades.
É também indispensável, para empregar um SNA, explorando adequadamente todas as suas características, que se disponha de meios de comunicação capazes de permitir o seu controle, no mar, sem obrigá-lo a quebrar a sua notável capacidade de ocultação. Isso implica na existência de pelo menos uma estação transmissora em terra, que opere na faixa de “muito baixa freqüência” (VLF), garantindo que o submarino possa receber mensagens sem se expor. Entretanto, para que ele as possa transmitir, com risco mínimo de ser detectado, é necessário um sistema militar de comunicações por satélite.
Todas as marinhas do mundo que operam submarinos nucleares dispõem desses recursos, todos de elevado custo de obtenção e de manutenção, mas que, infelizmente, ainda não temos.
Em acréscimo, não há, na Marinha ou no País, uma massa crítica de engenheiros plenamente capacitados a projetar um SNA. Para elaborar os respectivos Projeto de Concepção, Projeto Preliminar, Projeto de Contrato e Projeto de Construção (detalhamento para o estaleiro construtor), é necessário um longo aprendizado em projetos de submarinos. A construção de unidades convencionais (propulsão diesel-elétrica), no País, é o caminho que vem sendo trilhado pela MB para qualificar seu quadro de engenheiros navais para, no futuro, alcançar a meta pretendida.
Também, no Brasil, não há um único estaleiro dimensionado para esse empreendimento; teríamos de construir ou adaptar um, para essa finalidade, com custos difíceis de imaginar, mas certamente bem elevados, até porque a escala das “encomendas” será pequena.
A base de submarinos existente, situada na Baía de Guanabara, não possui calado (profundidade local) suficiente para receber um SNA, nem capacidade de expansão para o atendimento de suas necessidades. Será necessário, então, selecionar área litorânea apropriada para se investir na construção de sofisticada base naval, capaz de lhe garantir todo o apoio necessário, ocasião em que, certamente, surgirá a questão ambiental.
Enfim, é preciso compreender que um SNA não pode existir isoladamente, mas como parte de um complexo e dispendioso conjunto; também, para a obtenção de um meio, não se pode considerar apenas seu custo de aquisição, mas, principalmente, o custo de posse, que, no caso de um SNA, com os requisitos de segurança e controle de qualidade requeridos para a manutenção de seus sistemas nucleares, excedem as possibilidades dos orçamentos alocados à Marinha ao longo dos últimos vinte anos. Na verdade, para se ter um SNA – e não poderíamos ficar em apenas um – é preciso não apenas capacitar-se a construí-lo, mas criar, antes, uma fantástica estrutura capaz de abrigá-lo, mantê-lo e apoiá-lo, juntamente com aquela capaz de operá-lo.
Em síntese, o sonho existe, mas devemos ter a perfeita consciência das enormes dificuldades e do longo caminho ainda a percorrer para concretizá-lo. Ademais, isso não pode ser apenas um sonho da Marinha. É necessário uma vontade do Estado Brasileiro, para que o sonho possa, no futuro, transformar-se em realidade.
Deve-se destacar, entretanto, que, ao longo de todo o processo de desenvolvimento do seu Programa Nuclear, cujos projetos integrantes já foram citados, a Marinha jamais deixou de investir na construção e operação de submarinos convencionais, não só por necessitar de meios capazes de cumprir as tarefas do Poder Naval que lhes são inerentes, como por reconhecer seu valor dissuasório. Releva notar que, com o fim da Guerra Fria, a importância estratégica desses meios – diferentemente do apregoado por alguns – só fez crescer, haja vista a evolução sofrida na doutrina naval da maior e mais poderosa marinha do mundo, a dos Estados Unidos da América, que hoje reconhece os submarinos convencionais como uma das principais ameaças que poderá ter de enfrentar em águas litorâneas – as denominadas águas marrons – graças ao seu reduzido “nível de ruídos irradiados” e a sua natural manobrabilidade em águas rasas.
Se o submarino convencional fosse tão inútil, como alguns pensam, a Marinha dos Estados Unidos não teria passado a patrocinar, a partir de 2001, um programa denominado “Diesel-Electric Submarines Initiative”, destinado a preparar a esquadra americana para enfrentar submarinos convencionais. Também, não teria, no mesmo programa, arrendado um submarino convencional da Real Marinha da Suécia, o “Gotland”, para ajudá-la naquela preparação.
Razões para tanta preocupação parecem sobrar, de fato, aos americanos, haja vista o incidente naval ocorrido no dia 26 de outubro de 2006, quando um submarino convencional chinês, classe “Song”, emergiu ao lado do porta-aviões USS “Kitty Hawk”, que navegava próximo a Okinawa, acompanhado de escolta, que, além das unidades de superfície, normalmente, inclui um ou dois submarinos nucleares de ataque classe “Los Angeles”. A propósito, com bastante embaraço, o Pentágono reconheceu que o submarino chinês não havia sido detectado pela força naval.
E não precisaríamos ir tão distante para buscar exemplos. Os nossos atuais submarinos da classe “Tupi”, em diversos exercícios realizados, inclusive com marinhas da Organização do Tratado do Atlântico Norte, mostraram-se bastante eficazes.
Em face dos fatos apresentados, a Marinha reitera sua determinação de continuar a construir submarinos convencionais, no País, de modo a, por um lado, evitar a perda de capacitação tão duramente adquirida, mantendo a meta de qualificar os nossos engenheiros e, por outro, assegurar a renovação e posse de meios que, na atualidade, ainda se constituem em uma poderosa arma, a despeito da discordância de alguns.
A opção da Marinha, no momento, é a construção de um submarino convencional de origem alemã, do tipo IKL-214, no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), e a modernização dos nossos atuais cinco submarinos, também no nosso Arsenal. Todos os nossos submarinos atuais são de projeto alemão, sendo que o primeiro foi construído na Alemanha, e os demais no AMRJ.
O IKL-214 é um submarino convencional moderno, bastante semelhante aos IKL-212, em uso nas marinhas da Alemanha e da Itália.
Essa opção baseia-se, basicamente, além do fato da Marinha estar satisfeita com o desempenho dos seus atuais submarinos, nas indiscutíveis vantagens decorrentes da manutenção de uma linha logística já existente, tanto na parte relativa ao material (construção e manutenção), como na concernente à formação do nosso pessoal.
A escolha de um outro submarino, além da drástica alteração na linha logística, faria com que a nossa Força de Submarinos passasse a conviver e operar com dois tipos diferentes de meios, experiência pela qual ela já passou, e que não foi boa.
Quanto aos possíveis problemas que estariam ocorrendo com o submarino IKL-214 adquirido pela marinha grega, a MB está acompanhando o assunto com atenção, mas sem se deixar influenciar pelo noticiário da mídia, ou por ações de lobistas. Sabemos que problemas técnicos podem ocorrer quando se constrói qualquer meio. Para isso existem as “provas de mar”. Por exemplo, um submarino da classe “Scorpène” construído na França para uma outra marinha, também apresentou problemas nas suas provas de mar, problemas esses que foram diagnosticados e corrigidos, como é normal. A esse respeito, tranqüiliza-nos, de certa forma, a longa e histórica tradição de qualidade dos estaleiros alemães, no que se refere à construção de submarinos para diversas marinhas do mundo, inclusive a nossa, e informações que recebemos tanto do estaleiro alemão, como da Marinha da Grécia, de que os problemas materiais detectados não foram sérios e estão sendo corrigidos. Mas o assunto continua em avaliação. Persistindo qualquer dúvida sobre a qualidade do projeto IKL-214, poderíamos, por exemplo, substituí-lo por mais um da classe “Tikuna”.
Evidentemente, o sonho de poder um dia contar com alguns SNA no inventário dos meios navais brasileiros permanece. Entretanto, o Comandante da Marinha e o Almirantado, que o assessora, somente podem tomar decisões com base na fria realidade dos fatos. Em meio a um cenário de absoluta escassez orçamentária, devem identificar, entre as opções possíveis, a que melhor atende aos interesses do País e os da sua Força, e apenas esses.

ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO
Almirante-de-Esquadra
Comandante da Marinha

BONO Nº 806 DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006

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