Teremos a massa crítica necessária para projetar nosso submarino nuclear?

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Talvez o maior desafio do Programa Nuclear da Marinha, depois da questão orçamentária, seja a formação de um núcleo de engenheiros apto a projetar submarinos e, na segunda fase, projetar o primeiro submarino nuclear brasileiro.
A RAND Corporation (www.rand.org) publicou dois estudos sobre projetos de submarinos nucleares: “Sustaining Design and Production ResourcesThe UK Nuclear Submarine Industrial Base”, de 2005, descrevendo a situação na Inglaterra e “Sustaining U.S. Nuclear Submarine Design Capabilities”, de 2007, descrevendo a situação nos Estados Unidos.
O objetivo principal destes estudos era analisar as formas de manter disponíveis as capacidades e o conhecimento, nos períodos entre um projeto de uma classe de submarino nuclear e a próxima. Os estudos contém informações valiosas sobre os projetos propriamente ditos, em termos de prazos e número de pessoas necessárias e mostram como está cada vez mais difícil para os EUA e o Reino Unido conseguirem manter sua capacidade técnica e industrial para a produção de submarinos.

Tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra o projeto dos submarinos nucleares é feito através de um esforço conjunto entre as marinhas e os estaleiros especializados. Assim por exemplo, o estudo da RAND relativo aos Estados Unidos cita a necessidade de aproximadamente 170 especialistas da Marinha e aproximadamente 800 a 1.050 especialistas do estaleiro, apenas para manter a capacidade de projeto. Este número cresce para 350 homens da Marinha e cerca de 15.000 homens/ano ou 35 milhões de homens/hora do estaleiro, para fazer o projeto completo de um novo submarino nuclear semelhante ao “Virginia”. O prazo citado é de cerca de 15 anos, o que inclui o período de construção do primeiro submarino.

O estudo da RAND relativo à Inglaterra, publicado em 2005, cita o prazo estimado de 16 anos para o primeiro submarino da classe “Astute”, mas o “Astute” sofreu um atraso de vários anos. O mesmo estudo cita que o projeto do submarino da classe “Astute” está estimado em 8,5 milhões de homens/hora, não especificando a divisão entre Royal Navy e estaleiro. Para um novo projeto, o estudo RAND inglês indica a necessidade de uma equipe de 750 engenheiros e técnicos, a ser formada em torno de um núcleo de 200 especialistas num prazo de cerca de 6 anos. Esta equipe permanece com sua capacidade máxima por 2 anos e, nos próximos 3 anos se reduz para cerca de 250 engenheiros e técnicos. A partir daí, até a entrega do primeiro submarino, a equipe fica constante, reduzindo-se após esta data para aproximadamente 150 engenheiros, que novamente permanece constante até o final do programa que, no caso da Inglaterra, coincide com o início do projeto de uma nova série de submarinos nucleares.
Já se comentou que o submarino nuclear brasileiro deverá ser mais simples que os da classe “Astute”. Mesmo assim, o estudo da Rand permite que se faça algumas estimativas. É razoável se assumir que a equipe de projeto brasileiro necessite de um pico de aproximadamente 700 pessoas, entre engenheiros, técnicos e administradores por um prazo igual ou superior ao demandado pela classe “Astute”. Um prazo total de 15 a 20 anos de construção, desde que se parta de um núcleo de engenheiros com experiência e qualificação já comprovada em projeto de submarinos parece razoável. Este núcleo de engenheiros, de no mínimo 200 especialistas, terá que ser formado, o que nas condições atuais de fortíssima demanda do mercado nacional de engenharia levará, no mínimo, de 5 a 7 anos.

Ainda de acordo com o estudo da RAND relativo à Inglaterra, as disciplinas técnicas requeridas para projetos de submarinos nucleares incluem no mínimo:

  • Arquitetura naval
  • Engenharia mecânica
  • Engenharia elétrica
  • Engenharia de estruturas
  • Som e vibrações
  • Dinâmica de sistemas
  • Engenharia de pesos
  • Metalurgia e engenharia de solda
  • Física de radiações nucleares e proteção
  • Engenharia de sistemas
  • Propulsão nuclear
  • Engenharia de Sistemas de Controle
  • Engenharia de segurança e operações
  • Testes e comissionamento
  • Gerenciamento de projeto
  • Engenharia de aplicações
  • Projeto detalhado: (elétrico, máquinas, casco)
  • Gerenciamento de detalhamento

Com estas considerações é possível estimar uma equipe técnica para projeto do primeiro submarino nuclear brasileiro, em 5 fases:

Fase 1: Formação do Núcleo: Evolui de 0 para uma composição de 200 pessoas em 5 anos, com alta especialização.
Fase 2: Evolui de 200 para 700 pessoas em 6 anos, com alta e média especialização.
Fase 3: Permanecem no máximo 700 pessoas durante 3 anos
Fase 4: Reduz, em 4 anos, de 700 pessoas para 250 pessoas, com alta e média especialização
Fase 5: Permanece constante, com 250 pessoas, com alta e média especialização, até a entrega do submarino.

Os custos para a formação do pessoal nos primeiros 5 anos (Fase 1), onde se forma o núcleo de projeto do submarino, devem alcançar facilmente os R$ 300 milhões.

Nos 15 a 20 anos seguintes, período em que se projeta e constrói o primeiro submarino nuclear nacional, a estimativa de investimento necessário em pessoal (folha salarial, equipamentos, softwares, consultoria etc) giraria em torno de R$ 2 bilhões (aplicando-se a estes valores o desvio padrão de +/- 20% no custo do projeto).

NOTA DO BLOG: Os leitores que acompanham o Poder Naval Online sabem que as promessas feitas pelas nossas autoridades de que o primeiro submarino nuclear brasileiro estará na água em 2020 são ilusórias.
Estimativas realistas têm que levar em conta a experiência do Brasil na construção de submarinos e a formação do pessoal técnico. Embora o País tenha absorvido tecnologia alemã na construção local de quatro submarinos Type 209/1400, não houve prosseguimento no projeto de um submarino convencional nacional, que foi duas vezes cancelado e serviria de base para o submarino nuclear.
O submarino que a França oferece agora ao Brasil não possui o diâmetro necessário para receber o reator nuclear que a MB está desenvolvendo. Sendo assim, a Marinha terá que projetar um novo casco, que levará no mínimo 15 anos, depois que todo o pessoal necessário estiver formado.

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