Uma aventura cara
Uma coisa são as manifestações de entusiasmo do ministro da Defesa, Nelson Jobim, pela assinatura do acordo entre o Brasil e a França para a construção de submarinos, um dos resultados da visita do presidente Nicolas Sarkozy. Outra é o frio texto do documento – que é o que vale. Pelos cálculos do ministro, “no vigésimo ano (de vigência do acordo), vamos terminar recebendo o submarino nuclear. Tudo isso com transferência total de tecnologia, inclusive treinamento de engenheiros brasileiros junto a fábricas francesas”. Essa previsão, contudo, é um mero exercício de wishful thinking.
É política do governo brasileiro, nos últimos anos, só comprar equipamento militar acompanhado de transferência de tecnologia. Essa exigência cria graves limitações para o reequipamento das Forças Armadas de um país que não tem contenciosos internacionais que exijam meios militares abundantes e de última geração. Nenhum fornecedor se dispõe a transferir tecnologia em troca de uma venda relativamente pequena. É esse o caso dos 16 aviões de caça que a Força Aérea tenta comprar há mais de uma década.
No máximo, dependendo do tamanho e valor da encomenda, o fornecedor aceita produzir o armamento no país comprador, sob licença. Nesses casos, a transferência de tecnologia é limitada e o vendedor se beneficia com o prolongamento da vida útil de um produto que já entrou em fase de obsolescência ou enfrenta no mercado a concorrência de equipamentos mais modernos. É o caso dos 50 helicópteros franceses que serão montados pela Helibrás, ao custo de 1,899 bilhão.
O acordo para a construção de quatro submarinos convencionais Scorpéne e do casco de um outro, que poderá receber propulsão nuclear, num estaleiro a ser erguido no litoral do Rio de Janeiro, prevê, de fato, a transferência de tecnologia. Mas limita essa transferência à tecnologia de construção do estaleiro, de uma base de submarinos e do casco do submersível. Ou seja, refere-se a produtos e serviços que poderiam ser feitos pela engenharia nacional.
E como o quinto casco poderá acomodar um reator nuclear, o acordo está repleto de salvaguardas. A principal delas é que a França não repassará para o Brasil qualquer tipo de conhecimento que envolva a produção ou o uso de equipamentos nucleares. Isso começa com o estaleiro e a base. “A concepção, a construção e a manutenção das infra-estruturas e dos equipamentos necessários às operações de construção e manutenção da parte nuclear do submarino nuclear estão excluídas do âmbito do presente acordo” – esclarece o documento.
Além disso, “a parte brasileira não receberá assistência da parte francesa para a concepção, a construção e a colocação em operação do reator nuclear embarcado, das instalações do compartimento do reator nuclear e dos equipamentos e instalações cuja função seja destinada principalmente ao funcionamento do reator ou à segurança nuclear”.
Da mesma forma, a França não fornecerá “equipamentos e instalações que contribuam de forma acessória ao funcionamento do reator ou à segurança nuclear” – e com isso a construção do estaleiro e da base de submarinos fica praticamente reduzida a uma questão de engenharia civil.
O Brasil, ao assinar o acordo, ainda aceitou condicionantes políticas. A tecnologia e os equipamentos fornecidos pela França não poderão ser repassados a terceiros e só poderão ser usados para os fins definidos no acordo. Além dessa cláusula de usuário final, a França – que se eximiu explicitamente de colaboração na parte nuclear – exigiu que o Brasil assumisse a responsabilidade exclusiva, em relação a terceiros, por danos nucleares causados pelo submarino ou instalações nucleares associadas ao apoio terrestre.
O acordo estabelece as bases da cooperação. A partir de agora, o governo brasileiro terá de negociar com empresas francesas os custos de construção do estaleiro, da base e dos submarinos – afinal, o acordo prevê que equipamentos, serviços e tecnologia serão vendidos. E, como o ministro Jobim pretende que em 20 anos o submarino nuclear esteja navegando, o Tesouro terá de providenciar recursos para o desenvolvimento da tecnologia de propulsão nuclear, ainda não dominada pela Marinha. Haja dinheiro!
FONTE: Estadão, 28/12/2008