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IV Frota provocará uma mudança radical nas relações da América Latina com os EUA

“Pode-se perguntar por que um estado mais forte desejaria atacar um mais fraco, mas certamente esse não é o ponto. O fato decisivo é que, no nível interestatal, a unidade maior pode atacar os grupos mais fracos. Como não há quem possa impedir esses ataques, os grupos humanos mais fracos vivem em contínuo e inevitável estado de insegurança”
Norbert Elias, Envolvimento e Alienação, Editora Bertrand, Rio de Janeiro, 1990, p: 214

A reativação da IV Frota Naval dos Estados Unidos, na zona do Atlântico Sul, provocará uma mudança radical e permanente nas relações militares dos EUA com a América Latina.

Foi por isso que surpreenderam tanto as primeiras explicações estadunidenses com respeito à reativação de sua Frota ─ criada em 1943 e desmantelada em 1950 ─ que havia sido uma simples decisão “administrativa”, tomada com objetivos “pacíficos, humanitários e ecológicos”.

A mentira não é um pecado grave no campo das relações internacionais. Pelo contrário, mentir ou dizer meias-verdades, com competência, foi sempre uma arte e uma virtude essencial da diplomacia entre as nações. Portanto, não foi isso o que chamou a atenção, na declaração das autoridades estadunidenses, foi sua falta de respeito pela inteligência dos interlocutores e seu menosprezo com respeito à impotência dos governos afetados por sua decisão.

Inclusive se fala também da necessidade de “combater a pirataria, o tráfico de drogas, de pessoas e de armas”, sem explicar, por sua vez, porque que a IV Frota não foi reativada durante a Guerra Fria, ou inclusive, depois da Revolução Cubana e da Crise dos Foguetes, de 1962, quando o “fluxo ilegal de armas e pessoas”, e o “tráfico de drogas” era igual ou maior do que agora.

Por isso, tiveram grande repercussão as declarações “corretivas”, das autoridades navais dos EUA efetuadas na Base Naval Mayport, na Flórida, em 11 de julho de 2008.

Em particular, o discurso inaugural do almirante Gary Roughead, chefe de Operações Navais da Marinha Americana, que redefiniu o objetivo principal da nova Frota, destinada a “proteger os mares da região daqueles que ameaçam o livre fluxo do comércio internacional”, ao mesmo tempo que advertia os incrédulos, de que “ninguém deve enganar-se: porque esta frota estará pronta para qualquer operação, a qualquer hora e lugar, num máximo de 24 a 48 horas”.

Com respeito à proteção do comércio marítimo, todos os especialistas sabem que só tem capacidade de proteger o “livre fluxo do comércio mundial”, aquele que também tem a capacidade de interrompê-lo. Quer dizer, quem tem poder para proteger, também tem o poder de excluir competidores, se for o caso, quando se provoca a competição entre os estados e os capitais privados, como está acontecendo, ao iniciar-se o século XXI.

Depois de quase uma década de crescimento contínuo e acelerado, a economia mundial enfrenta neste momento, uma disparada dos preços, da especulação e da escassez de alguns produtos fundamentais, como é o caso do petróleo, dos alimentos e dos minerais estratégicos.

E, neste momento, já está em curso uma nova “corrida imperialista”, entre as grandes potências, que lutam por sua segurança energética e alimentar, exatamente como aconteceu no final do século XIX e inícios do século XX.

Uma concorrência que já chegou na África e deverá alcançar a América Latina de forma ainda mais intensa, graças a seus recursos energéticos, a suas grandes reservas minerais e hídricas, e a sua imensa capacidade de produção de alimentos, muito superior a da África.

Em particular, no caso do Brasil, que deverá ser – logo – o maior exportador mundial de alimentos e um dos grandes exportadores de petróleo, ademais de ser o principal “proprietário” das águas e da biodiversidade da Amazônia.

Existindo um agravante no caso brasileiro, do ponto de vista das autoridades norte-americanas: o fato de ser o país que está liderando os processos de criação da União de Nações do Sul (Unasul) e o Conselho Sul-americano de Defesa, organizações que excluem os EUA e esvaziam o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca e a Junta Interamericana de Defesa, que são controlados pelos norte-americanos.

Esta história, entretanto, traz uma lição importante para o futuro da América Latina e do Brasil em particular. Faz um século, mais ou menos, o almirante e geopolítico Alfred Mahan se destacou por sua defesa militante da idéia de que os EUA jamais seriam uma “grande potência”, apoiando-se unicamente em seu desenvolvimento econômico.

Para ter estatuto internacional, requereria uma esquadra naval capaz de projetar o poder americano ao redor do mundo, como havia feito Inglaterra, no século XIX.

O almirante Mahan exerceu grande influência pessoal sobre o presidente Theodore Roosevelt, no começo do século XX, e depois se transformou no maior símbolo do poder naval americano de todos os tempos.

Com razão, porque menos de meio século depois de sua morte, os EUA já eram o maior poder naval da história da humanidade, controlando todos os mares e oceanos do mundo, com suas sete Frotas Navais.

Neste momento, os Estados Unidos acabam de reativar sua IV Frota, mas poderão criar muitas outras, se quiserem, sem atentar contra o Direito Internacional, sem necessidade de utilizar as águas soberanas de outros estados e sem necessidade de dar explicações a ninguém.

Obedecendo só a seus cálculos estratégicos e a seu poder de construir e distribuir barcos militares ao redor do mundo, como havia proposto Alfred Mahan.

Segundo o sociólogo alemão Norbert Elias, a dura verdade é que,

“se algum Estado fosse mais forte ou se cresse mais forte que seus vizinhos, sempre haverá a possibilidade de que intente obter vantagens, o que pode ocorrer de diversas formas, hostilizando-os, fazendo exigências ou invadindo-os e anexando-os […].
“Só existe uma possibilidade de que um Estado com maior poder de exercer a violência seja impedido de explorar ao máximo sua porção de poder relativo: ele só pode ser reprimido por outro Estado equivalentemente forte ou por um grupo de estados que consigam controlar as rivalidades entre si em grau suficiente para favorecer seu potencial combinado de poder”.

José Luis Fiori é Professor Titular de Economia Política Internacional do Instituto de Economia da UFRJ.

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