USS Lexington: uma ‘Lady’ com 8 polegadas a mais
O Blog do Poder Naval tem estado numa fase “NAe”, então nada mais apropriado do que tratar de algumas particularidades da história desses navios.
Ampliando a foto acima, tirada no Canal do Panamá nos anos 30, ficam bem visíveis as torres dos canhões de 8 polegadas que equipavam o CV2 USS Lexington, conhecido também como “Lady Lex”. Juntamente com seu irmão USS Saratoga (CV3), constituiu a primeira força de “porta-aviões de esquadra” (fleet carriers) da marinha norte-americana – o primeiro NAe da US Navy, o CV1 Langley, convertido a partir de um carvoeiro, era pequeno e não tinha velocidade suficiente para acompanhar a esquadra, embora tenha sido imprescindível para as primeiras experiências com a operação de aviões embarcados, no início dos anos 20, chegando a cumprir serviço de transporte de aeronaves na II Guerra Mundial até ser afundado em fevereiro de 1942.
Voltando aos canhões de 8 polegadas, o fato de equiparem os dois primeiros “fleet carriers” da US Navy, no caso em quatro torres duplas, deve-se à doutrina da época em que foram comissionados, o final dos anos 20.
Uma doutrina que perdurou pela década seguinte na mentalidade naval até que os próprios exercícios com a frota a contestassem e a realidade da Guerra, na década de 40, a derrubasse: a idéia de que os porta-aviões eram meros auxiliares da esquadra de batalha e que deveriam ter a capacidade de, quando operando sozinhos, poderem se defender de cruzadores inimigos – e o calibre dos canhões dos cruzadores havia sido limitado, por tratado, justamente em 8 polegadas (os famosos “Treaty Cruisers”).
O próprio CV3 Saratoga incumbiu-se de iniciar a contestação a essa doutrina no primeiro exercício que os novos porta-aviões realizaram com a frota, em janeiro de 1929. Numa manobra noturna em que contornou a “Força Azul” que defendia o Canal do Panamá, e que incluía “Lady Lex”, o Saratoga explorou sua velocidade acima de 30 nós para estar em posição de lançar, antes dos primeiros raios de sol, um ataque devastador que na simulação destruiu o canal. Começava um longo processo de se perceber que, de auxiliar capacitado a se defender sozinho, o porta-aviões deveria ser encarado como o centro da frota, defendido por todos os demais navios.
Mas “Lady Lex” e seu irmão não foram os únicos navios-aeródromo com “8 polegadas a mais” a entrarem para a história. Suas contrapartes japonesas, o Akagi e o Kaga, o primeiro resultante de conversão a partir de um cruzador de batalha, como era o caso dos dois norte-americanos, e o segundo completado a partir de um casco de couraçado, também empregavam canhões do mesmo calibre. Os primeiros planos para o alemão Graf Zeppelin, que nunca chegou a ser completado, também pressupunham o emprego de armamento de tubo de 203 milímetros (8 polegadas), depois reduzido para canhões de 150mm, calibre similar ao empregado no único porta-aviões francês da época, o relativamente pequeno (182 metros de comprimento) e lento (21,5 nós) Béarn, que era equipado com 8 canhões de 155mm.
Calibre similar ao empregado em dois dos primeiros navios-aeródromo ingleses: o Eagle, convertido a partir do casco incompleto do couraçado Almirante Cochrane, encomendado pelo Chile, e o Hermes, primeiro NAe de convés corrido a ser planejado desde o início para a função. Ambos eram equipados com canhões de 6 polegadas (152 mm), em número de 12 e de 10 respectivamente. O armamento de tubo de 6 polegadas equiparava esses vasos à maioria dos cruzadores leves contemporâneos e da II Guerra Mundial, e superava o calibre empregado nos contratorpedeiros. Já o porta-aviões britânico Furious, que em sua primeira versão portava um canhão de nada menos que 18 polegadas, é uma outra história (contada aqui neste Blog, assim como a de seus irmãos Courageous e Glorious – clique aqui para acessá-la).
Tanto o Lexington quanto o Saratoga iniciaram a II Guerra Mundial ainda portando suas torres de canhões de 8 polegadas (cujos tubos tinham 55 calibres de comprimento) instaladas duas à vante e duas à ré da superestrutura. Nos anos imediatamente antes da guerra, estava planejada uma ampla reforma em ambos, que visava principalmente resolver problemas de estabilidade criados pelo peso da volumosa superestrutura e das quatro torres a boreste, acrescentando uma saliência a bombordo.
Mas a iminência das hostilidades permitiu que apenas o “Lady Lex” recebesse alguns importantes acréscimos como o novo radar CXAM-1 e artilharia antiaérea de pequeno e médio calibre. Mesmo assim, em Abril de 1942, encontraram tempo para remover as quatro pesadas torres do Lexington e instalar no espaço disponibilizado montagens quádruplas adicionais de canhões anti-aéreos de 1,1 polegadas.
E foi nessa configuração que ele encontrou seu destino no Mar de Coral, indo ao fundo no mês seguinte, em 8 de maio de 1942. Já o Saratoga, torpedeado alguns meses antes (janeiro de 1942) também teve suas torres pesadas retiradas na consequente reforma “forçada”, mas em seu lugar foram instaladas torretas duplas de canhões de 5 polegadas, em uma configuração similar à da nova classe Essex, recebendo também a tão adiada saliência a bombordo e grande quantidade de armamento AAe, ampliado ainda mais no decorrer da guerra.
E assim termina a história do emprego dos canhões de 8 polegadas em porta-aviões da marinha norte-americana, um armamento que podia chegar ao respeitável alcance de 27.000 metros com munição perfuradora de blindagem de 118 quilos (porém com uma cadência de apenas 4 tiros por minuto, em média). Mas tudo isso tinha o custo de equacionar no projeto um peso, por torre, de 190 toneladas localizadas muito mais acima da linha d’água do que o desejável, fora a munição. Quilo por quilo, a aviação embarcada provou ser muito mais efetiva, assim como muito mais necessários eram o peso e espaço disponibilizados, com a remoção das torres, para armamento anti-aéreo adicional.
Especificações do CV2 USS Lexington – Comprimento: 270m. Boca: 32,1m. Calado: 10,2 m. Deslocamento carregado: 43.055 toneladas. Propulsão: turbinas a vapor, 4 eixos, 180.000 shp. Desempenho: 33,3 nós de velocidade máxima. Alcance de 10.500 milhas náuticas a 15 nós.
Fotos: navsource (exceto a segunda de cima para baixo: navweaps)