‘Compre Ford, não Ferrari’
Devido ao alto custo e à vulnerabilidade a submarinos, os dias do Carrier Strike Group como pontos centrais do planejamento de forças navais deveriam estar contados
Por Comandante Henry J. Hendrix, U. S. Navy
Se a Marinha repensar o papel dos Carrier Strike Groups (Ferrari) e implantar novas e mais enxutas estruturas de Influency Squadrons (Ford), o resultado será 320 cascos na água por três quartos do preço.
Um dos fatores de força da US Navy é sua tradição e sua forte ligação com forma e estrutura. É também um dos seus pontos fracos, porque, na sua dedicação ao que se sabe, tende a ignorar a possibilidade de outras opções, outros futuros. Se pretende reconhecer a realidade ou não, a Marinha de hoje se encontra em um ponto de inflexão estratégico e tem que se preocupar com a idéia de que cada pressuposto no qual se baseou para chegar onde está pode não levar aonde precisa ir.
Os problemas que terão o maior impacto sobre a futura estrutura de força da Marinha são grandes e podem ser classificados em dois grupos. O primeiro é o aumento das despesas de construção de novos navios. Os custos envolvidos na pesquisa, desenvolvimento e produção de destróieres, cruzadores, e NAes, incluídas tecnologias novas e de ponta, têm colocado o preço da futura força fora de alcance, mesmo com quatro por cento do PIB destinados ao Departamento de Defesa.
O segundo é a crescente disparidade entre a visão estratégica da Marinha e seu plano de aquisições. A nova estratégia marítima, com pouco mais de um ano de idade, afirmou que a Marinha seria uma força de engajamento, adaptada tanto para evitar guerras como para vencê-las. A nova estratégia sugere uma força maior no futuro em termos de cascos na água, e que esta força seria mais ágil e mais adaptada para missões de apoio nas fases 0-1 da escala de engajamento. Em vez disso, o plano de longo prazo de construção de navios da Marinha continua a enfatizar o Carrier Strike Group (CSG).
O CSG serviu como o ponto central de planejamento da força naval nos últimos 60 anos. Composto por um NAe acompanhado de cruzadores, destróieres, fragatas, submarinos e navios de apoio, este elemento básico da Marinha incorpora poder ofensivo e defensivo de forma espantosa. Tem sido uma ferramenta extremamente eficiente do arsenal militar e diplomático de nossa nação. Mas nos últimos anos, o leque de suas capacidades tem diminuído, e a Marinha corre o risco de cair naquela situação onde, quando tudo que você tem é um martelo, invariavelmente tudo começa a parecer com um prego.
Atualmente, a USNavy tem onze CSG (embora esteja temporariamente buscando permissão do Congresso para operar abaixo do legislativamente mandatórios onze NAe devido à desincorporação do USS Enterprise [CVN-65] antes da incorporação do USS George HW Bush [CVN-77]). A um preço de construção conservadoramente estimado em US $ 30 bilhões para a construção e um custo diário de operação de mais de um milhão de dólares, os CSG estão se tornando, de forma bem rápida, proibitivamente caros tanto para construir quanto para operar. Quando essas características são consideradas juntamente com ameaças crescentes e com ambientes operacionais cada vez mais desafiantes, mais perguntas surgem.
Novo Ambiente
Os submarinos se tornaram o “prato do dia” internacional no que diz respeito à segurança do Estado-nação. Os submarinos a diesel da Europa e da Austrália destinados à exportação são relativamente baratos e fornecem uma confiável capacidade defensiva a qualquer país com litoral oceânico. Torpedos lançados a partir desses barcos e navios e mísseis lançados de terra ou de navios podem afundar muitas unidades de combate de superfície e poderiam, pelo menos, diminuir significativamente a eficiência de NAes americanos.
O aumento destas ameaças ao longo das três últimas décadas obrigou a Marinha a enfatizar a capacidade defensiva da força de NAe, dando origem aos comandantes de guerra “anti” (anti-submarino, anti-superfície, e antiaérea). Esta ênfase na capacidade defensiva ocorreu mesmo com a visível diminuição da eficiência ofensiva dos NAe. O venerável Intruder A-6 e o F-14 foram para o cemitério e seus spots nos CONVOO estão ocupados pelas variantes do F/A-18 Hornet, substitutos para o A-4 e A-7, aeronaves de ataque de curto e médio alcance.
As decisões que levaram à atual condição estratégica nos deixaram com uma força que deve operar a maior distância de nossos adversários, a fim de estar segura (e preservar nossas caras plataformas), ao mesmo tempo em que o alcance de nosso poder ofensivo diminuiu ao longo do tempo. Assim, encontramo-nos na situação do falecido Almirante Hyman Rickover, que disse “Eu devo defender a minha força, Senhor, para que eu possa defender a minha força.” A CSG é, curiosamente, uma construção que só pode funcionar eficientemente em um ambiente permissivo, ou ser comprometida em ambiente anti-acesso apenas sob condições mais extremas, quando os interesses nacionais obrigarem os líderes a porem em o risco uma percentagem significativa do orçamento anual da Marinha em um único engajamento.
O que é necessário é uma Marinha barata o suficiente para ser construída em grande número ao mesmo tempo suficientemente eficiente para defender interesses americanos no mar. Precisamos de Fords, não de Ferraris. Em consonância com a nova estratégia marítima, a força deve ser concebida com suficiente flexibilidade para responder aos diferentes compromissos, de missões humanitárias a ataques de precisão a longa distância. A estrutura de força da Marinha deve ser organizada para maximizar o potencial dos seus meios durante tempos de paz e também proporcionar uma rápida concentração de poder de combate para responder a qualquer necessidade emergente de vulto. Parece pedir demais, mas há um caminho.
O primeiro passo é abandonar a idéia de uma Marinha construída em torno de onze ou doze CSG. Estes se tornaram demasiado caros para operar e muito vulneráveis para valer o risco em ambientes hostis. Isto não quer dizer que devemos nos livrar dos CSG e sim discutir sobre quantos ter e onde estarão inseridos em uma nova estratégia. Os dólares e o pessoal recuperados a partir de um menor número de CSG devem ser investidos em navios que estão bem adaptados para engajamentos de baixa a média intensidade.
Steady-state force
Um princípio fundamental do pensamento estratégico pós-9/11 é que o terrorismo religioso extremista é evitável. Sociedades com recursos de infra-estrutura tais como eletricidade, água potável, educação pública e algum cuidados médico, em geral, não geram grupos extremistas em seu meio. Forças navais que tenham habilidades básicas para policiar linhas de comunicação marítimas e, ao mesmo tempo, aproveitar as estadias nos portos para apoiar o atendimento destas necessidades básicas devem ser componentes importantes da futura Marinha.
O próximo passo no caminho da Marinha para um novo futuro deve ser a criação de “Esquadrões de Influência” (“Influence Squadrons”), composto de um navio-mãe anfíbio (uma LPD-17 ou um navio comercial mais barato com capacidades semelhantes); um destróier com capacidade defensiva contra ameaças aéreas, de superfície, e submarinas; um Littoral Combat Ship para estender o alcance do esquadrão para o ambiente de águas verdes e capaz de algumas tarefas de guerra de minas; um Joint High Speed Vessel para aumentar a capacidade de carga transportada; um navio-patrulha (NPa); e um M80 Stiletto para velocidade e versatilidade.
O deve empregar fortemente tecnologias não-tripuladas para ampliar o ainda mais o alcance de sensores e armamentos. Plataformas não tripuladas poderiam ser desdobradas e monitoradas pelos vários navios, estendendo o alerta e a presença americanas.
Estas forças, operando todos os dias ao redor do mundo, representariam a preponderância do visível poder naval dos EUA As suas menores capacidades seriam a epítome da América pacífica, de intenções não-agressivas, e seriam consistentes com o propósito declarado de proporcionar influência positiva da nova estratégia marítima. Por outro lado, o poder de fogo do Esquadrão de Influência serviriam para dissuadir ou destruir redes de pirataria que ameaçam linhas de comunicação marítimas cada vez mais vulneráveis.
A criação de dezesseis desses esquadrões, dez na região do Pacífico, seis no Atlântico, permitiria que a Marinha desdobrasse seis a oito deles, em determinado momento, expandindo a influência americana em todo o mundo. Esquadrões baseados no Pacífico rotineiramente se deslocariam para a costa leste da África, o Golfo Pérsico, a Malásia para incluir o Estreito de Málaca, o arquipélago da Indonésia, as Filipinas, o Japão e a Coréia.
Esquadrões baseados no Atlântico visitariam o Caribe, Américas do Sul e do Norte e o litoral ocidental da África, bem como adentrar o Mar Negro para visitar a Geórgia, a Ucrânia e outros parceiros na região. Às vezes, contudo, os Esquadrões de Influência, não importa o quão bem eles estejam dispostos colocados, não terão a necessária concentração de capacidades para responder a desafios emergentes. Seria este o momento de despachar a próxima força da escala de resposta naval.
Força Anti-Terrorismo
Durante os últimos 30 anos, o Amphibious Ready Group-Marine Expeditionary Unit (ARG-MEU) tem servido como a unidade básica da força de reação rápida da América para litorais. Em 2001, porém, com o anúncio do conceito Sea Power 21, esta força sofreu uma mudança evolutiva. Com a adição de um cruzador, um destróier, uma fragata, um submarino de ataque rápido, e um estado-maior de oficial general; a ARG-MEU rapidamente se tornou um Expeditionary Strike Group (ESG).
A característica fundamental da ESG reside no reconhecimento de que seus Fuzileiros e sua capacidade de travar uma guerra de quatro blocos (Four-Block War – de manutenção da paz ao combate casa-a-casa) representam o bem maior de ataque deste arranjo. Assim, a principal vantagem deste grupo reside nos fuzileiros e em sua capacidade de escalar as ações em todo o espectro de engajamento. Tais características fazem da ESG a força ideal do Departamento da Marinha na guerra contra o terrorismo.
A nova estratégia marítima reconhece explicitamente que “evitar as guerras é pelo menos tão importante quanto vencê-las.” A prevenção das guerras pode ocorrer em pequenos atos como construção de uma escola ou de um poço para fornecer água limpa a uma aldeia, ou pode envolver a equipe médica de um navio-hospital ou de um esquadrão anfíbio inoculando toda uma comunidade contra poliomielite, sarampo, caxumba e rubéola.
Estas coisas podem parecer pequenas para o dia-a-dia nos Estados Unidos, mas estas atividades em muitas comunidades próximas ao mar irão garantir que uma geração inteira atinja maturidade em vez de apenas 50 a 60 por cento. A ESG, com a enorme capacidade de transporte vertical de cargas do seu Air Combat Element, também pode servir como uma primeira resposta para as catástrofes naturais como tsunamis, terremotos ou erupções vulcânicas (que podem ocorrer simultaneamente no Pacífico). O transporte de donativos e a evacuação de feridos, a restrição da pirataria, bem como a proteção dos interesses americanos, podem afetar permanentemente a percepção dos Estados Unidos em regiões estratégicas.
A nova estratégia marítima também postula que a U.S. Navy deve ser capaz de vencer “a longa luta contra as redes terroristas.” A cuidadosa análise de toda a gama de operações a realizar dentro de uma campanha anti-terrorismo leva à conclusão de que o ESG pode fornecer aos comandantes de teatro de operações uma caixa de ferramentas cheia de opções.
Se aceitarmos que o NAe, com a sua aviação de ataque, representa o martelo do arsenal da América, então a ESG, com os seus Tomahawk lançados de navios, bem como sua força de fuzileiros que pode escalar de esquadrão a batalhão, representa as chaves inglesas, chaves de fendas e alicates da caixa de ferramentas da nação na guerra contra o terrorismo. Quando a introdução do MV-22 Osprey e os Joint Strike Fighter são considerados na equação estratégica, a ESG constitui uma força que está idealmente estruturada para ações de luta contra o terrorismo em qualquer lugar das águas azuis oceânicas para operações no terreno a 150-200 milhas em terra. A flexibilidade desta unidade a torna candidata ideal para servir como uma força de resposta crítica, capaz de lidar com ameaças que não justifiquem o desdobramento de uma surge force.
Surge Force
A proposta Surge Force é facilmente reconhecível para o leitor, uma vez que ela representa as capacidades atualmente embutidas dentro da carrier strike force, mas em vez de tomar uma postura regular de deployments, a maioria da força será mantida em elevado estado de prontidão nos EUA . Que fique claro, deployments de carrier strike group ainda irão ocorrer, mas serão menos freqüentes e mais centrados nas necessidades estratégicas emergentes.
Em vez disso, o porta-aviões (nove ou dez neste debate), navios de escolta e de apoio e os esquadrões de aeronaves permanecerão nas águas dos EUA, em adestramento conforme necessário para manter os seis CSGs em alto nível de prontidão de combate. O pressuposto subjacente a esta força é o de que um NAe estará envolvido em manutenção do reator, um estará regressando de deployment regional ou de um importante exercício internacional, e outro estará partindo. Isso deixa cerca de seis NAe em modo de espera, prontos para ação. De onde estes NAe virão é uma questão crítica. Uma pequena força de NAe necessita ser redistribuída para tirar o máximo proveito da diminuição do número de navios.
A maior parte dos interesses estratégicos da América nas próximas décadas estará na região do Pacífico asiático, onde a maioria dos NAe deve estar também. Da força de nove ou dez CSG, seis devem ser baseados no Pacífico; dois em Bremerton, dois em San Diego, um no Japão, e uma base em outra frente a ser determinada. O restante dos NAe na costa leste deverão ser estrategicamente dispersos entre Norfolk e Mayport. Este esquema de distribuição garantirá a sobrevivência da força contra ataques surpresa e reduzirá o tempo de trânsito às crises ao redor do globo. A questão de fundo é que os Estados Unidos deverão ter sempre seis CSG prontos para avançarem a um ponto de conflito dentro de 15 a 30 dias.
Outro componente crítico da surge force serão os Expeditionary Strike Groups e seus NAeL anfíbios. Considerados o núcleo central da força anfíbia, estes NAe altamente capazes pode desempenhar novos papéis neste novo conceito de operações. Assumindo que um está docado para manutenção, uma força de dez LHAs pode proporcionar nove pequenos NAe. Cinco deles vão para o mar com suas MEU embarcadas servindo como seu principal meio de ataque (mais uma vez, a hipótese seria de que dois das MEU estariam em ou regressando de deployment, em determinado momento), enquanto o restante dos LHAs disponíveis estariam em deployment com dois esquadrões da STOVL Joint Strike Fighters cada.
Os quatro LPDs e quatro LSDs que normalmente estariam em deployment com o LHAs configurados para operar o Joint Strike Fighter podem ser alocados para prover transporte do material necessário para a missão do Corpo de Fuzileiros. Essa configuração pode proporcionar maior capacidade de ataque e mais opções de entrada forçada em um ambiente cada vez mais anti-acesso. O novo LHA (R) classe “América” parece particularmente adequado para este papel de NAe STOVL de ataque.
A Resposta
Há ocasiões, ou assim é dito, em que quantidade tem uma qualidade única. No atual cenário geoestratégico, a US Navy tem que estar em mais lugares do que a quantidade de cascos na água. Ela afirmou que precisa ter mais navios que os 270 atualmente em seu inventário para atender seus compromissos.
Os serviços navais publicaram uma estratégia marítima que enuncia que compromissos são estes, mas a aquisição estratégica da Marinha não se alinhou com os propósitos estratégicos. Em vez de adquirir um grande número de navios com capacidades para responder eficientemente às ameaças de hoje, a Marinha tem alinhado com a indústria da construção naval para construir uma geração inteira de navios, com requintadas tecnologias, as melhores do mundo, mas tão caras que limitam o número de cascos que a Marinha pode pagar.
Ela necessita de navios capazes o suficiente para executar missões básicas, mas ainda assim barato o bastante para serem adquiridos em grandes números e operados de forma econômica. Os planejadores têm também que considerar que tecnologias não tripuladas permitirão que os seus navios ampliem seus alertas muito além do alcance de seus próprios sensores. Além disso, a Marinha precisa dedicar estes navios para as atuais ameaças, não os imaginários bichos-papões de amanhã.
A galopante “próxima-guerrite” (“next-war-ITIS”) precisa ser curada e a Marinha necessita empenhar-se para combater os reais e relevantes conflitos de hoje. Para ter essa certeza, a Marinha terá de manter as suas atuais capacidades de alto nível e a prontidão para dissuadir futuros concorrentes de buscarem conflito com os Estados Unidos. Os dados sugerem que, se a Marinha decidir por uma esquadra como a descrita aqui, com equilíbrio de alta e de baixa capacidades, ela poderia ter 320 cascos na água dentro de 12 anos, com três quartos do orçamento que pretendia gastar. Isto representa uma poupança líquida de quase cinco bilhões de dólares por ano. Novamente digo a que Marinha precisa comprar Fords, não Ferraris.
FONTE: Proceedings Magazine do US Naval Institute / Abril 2009 Vol. 135/4/1,274 – TRADUÇÃO: Azevedo