Submarino nuclear brasileiro: a palavra do Comandante da MB
“A importância da construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro”
A grandeza e a abrangência dessa construção obrigam que sua análise seja desdobrada segundo, pelo menos, três vertentes principais: a estratégica, que estabelece sua razão de ser; a tecnológica, que significa uma mudança de patamar para o Brasil; e sua contribuição para o desenvolvimento de uma indústria nacional de defesa, que levará o País à auto-suficiência no projeto e na fabricação do seu próprio material militar.
I. ASPECTOS ESTRATÉGICOS
No contexto da guerra naval, o submarino é o meio que, dentre todos, apresenta a melhor razão custo / benefício. Sua vantagem determinante resulta da capacidade de ocultação, o que, em termos bélicos, significa surpresa, um dos grandes fatores de força em qualquer confronto. Radares nada detectam abaixo d’água e, das formas conhecidas de energia, a única que consegue se propagar significativamente na massa líquida é a energia acústica. Assim, somente as ondas sonoras emitidas por sonares podem, em tese, permitir a detecção do submarino. Entretanto, por força das próprias leis da física, a propagação acústica, no mar, não se dá em linha reta, mas segundo determinados padrões, em função de parâmetros mensuráveis, gerando grandes “zonas de sombra”, onde o som não penetra com intensidade apreciável. A diligente exploração do fenômeno permite ao submarino confundir-se com o meio ambiente em que opera, preservando a ocultação e desequilibrando a contenda a seu favor, de tal sorte que é necessário um conjunto de meios navais de superfície e aeronavais para se contrapor, com alguma chance, a um único submarino.
É por causa dessa superioridade intrínseca, resultante da capacidade de ocultação, que o submarino se tornou, historicamente, a arma de quem tinha que enfrentar um oponente que dominava os mares, como bem exemplifica a opção alemã, em duas guerras mundiais, e a da União Soviética, durante a Guerra Fria. Releva notar, no entanto, que, se por um lado, o submarino pode neutralizar forças navais muito superiores, não pode substituí-las em seus respectivos misteres.
Submarinos convencionais e submarinos nucleares
Quando se fala em submarinos, há que separá-los em duas grandes categorias: a dos convencionais e a dos nucleares.
Para os convencionais, a fonte de energia é o óleo diesel, combustível que faz funcionar os conjuntos de motores diesel e geradores elétricos. A energia por eles gerada é, então, armazenada em grandes baterias, que, no total, pesam 250 toneladas. Além de atender a todas as demandas da vida a bordo, essa energia é aplicada em um Motor Elétrico de Propulsão, garantindo o deslocamento do submarino.
No caso dos convencionais, a capacidade de ocultação tem que ser periodicamente quebrada, uma vez que necessitam, a intervalos, recarregar suas baterias. Para tanto, devem se posicionar próximo à superfície do mar e, por meio de equipamento especial, denominado esnorquel, aspirar o ar atmosférico, para permitir o funcionamento dos motores diesel e a renovação do ar ambiente. Nessas horas, em função das partes expostas acima d’água, tornam-se vulneráveis, podendo ser detectados por radares de aeronaves ou navios. Para limitar tal exposição, devem economizar energia ao máximo, o que lhes limita a mobilidade. Por isso, são empregados segundo uma estratégia de posição, isto é, são posicionados em uma área limitada, onde permanecem em patrulha, a baixa velocidade. Em razão disso e graças a suas reduzidas dimensões, que lhes permitem manobrar em águas muito rasas, são normalmente empregados em áreas litorâneas. A dependência do ar atmosférico e a baixa mobilidade são as grandes limitações dos submarinos convencionais.
Para os nucleares, a fonte de energia é um reator nuclear, cujo calor gerado vaporiza água, possibilitando o emprego desse vapor em turbinas. Dependendo do arranjo peculiar de cada submarino, as turbinas podem acionar geradores elétricos ou o próprio eixo propulsor. Naturalmente, em qualquer caso, produzem toda a energia necessária à vida a bordo.
Diferentemente dos submarinos convencionais, os nucleares dispõem de elevada mobilidade. São fundamentais para a defesa distante das águas oceânicas (águas profundas). Por possuírem fonte virtualmente inesgotável de energia e poderem desenvolver altas velocidades, por tempo ilimitado, cobrindo rapidamente áreas geográficas consideráveis, são empregados segundo uma estratégia de movimento. Em face dessas características, podem chegar a qualquer lugar em pouco tempo, o que, na equação do oponente, significa poder estar em todos os lugares ao mesmo tempo. O submarino nuclear é simplesmente o “senhor dos mares”.
Submarinos na estratégia naval brasileira
Logo cedo, a Marinha do Brasil (MB) entendeu a importância desses meios, tanto que possui submersíveis em seu inventário desde 1914, o que coloca nossa Força de Submarinos entre as mais antigas do mundo. Ao longo dos primeiros 75 anos, nossas unidades eram construídas em outros países: inicialmente, na Itália, do princípio até os anos 1950, quando passamos a operar submarinos americanos. A partir da década de 1970, tendo os Estados Unidos descontinuado a produção de convencionais, passamos a adquiri-los da Grã-Bretanha; e, desde o final dos anos 1980, operamos submarinos de modelo alemão, um deles, fabricado na Alemanha e quatro, no Brasil.
Considerando a vastidão do Atlântico Sul, natural teatro de nossas operações navais e a magnitude de nossos interesses no mar, a Marinha constatou, desde logo, que, no que tangia a submarinos, a posse de convencionais não era o bastante. Para o cumprimento de sua missão constitucional de defender a soberania, a integridade territorial e os interesses marítimos do País, tornava-se mister dispor, também, de submarinos nucleares. Aqueles, em face de suas peculiaridades, para emprego preponderante em áreas litorâneas, em zonas de patrulha limitadas. Estes, graças à excepcional mobilidade, para a garantia da defesa avançada da fronteira marítima mais distante.
Em face da necessidade estratégica, por um lado e, por outro, do “apartheid” tecnológico que sempre negou a países periféricos o desenvolvimento das tecnologias associadas ao domínio do átomo, a MB decidiu desenvolver, de maneira autóctone, a tecnologia de construção de submarinos nucleares.
Assim, desde o final da década de 1970, conduz, nas dependências de seu Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, um programa de desenvolvimento de tecnologia nuclear, visando, por um lado, o domínio do ciclo do combustível nuclear, que logrou êxito em 1982; por outro, a construção de um protótipo de reator nuclear capaz de gerar energia para fazer funcionar a planta de propulsão de um submarino nuclear, o que ainda não está pronto, com operação prevista para 2013.
Paralelamente, para capacitar-se a construir submarinos, na mesma época cuidou de obter, na Alemanha, a transferência de tecnologia de construção de submarinos, empregando, para tanto, o projeto do submarino IKL-209, à época o modelo mais vendido no mundo. Foram, assim, construídos um submersível nos estaleiros da HDW, em Kiel, e quatro deles no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), colocando a MB no limitado rol dos países construtores desses engenhos.
Não obstante ter logrado êxito na construção, falta à Marinha a capacidade de desenvolver projetos de submarinos. O caminho seguido pelas potências que produzem submarinos nucleares foi o de, a partir do pleno domínio do projeto de convencionais, evoluir, por etapas, para um submarino nuclear, cujos requisitos, em termos de tecnologia e controle de qualidade, superam em muito aqueles de um convencional. Assim, o caminho natural para o Brasil seria, da mesma forma, o de desenvolver sucessivos protótipos, até que se chegasse a um projeto adequado, para abrigar uma planta nuclear. Como não se dispõe do tempo nem dos recursos necessários para tanto, a solução delineada pela MB, no intuito de, com segurança, saltar etapas, foi a de buscar parcerias estratégicas com países detentores de tais tecnologias e que estivessem dispostos a transferi-las. No nosso caso, tendo em vista o processo evolutivo indispensável, a parceria teria que ser buscada junto a países que produzissem, simultaneamente, submarinos convencionais e nucleares. Depois de longo e acurado processo de escolha, a França foi o país selecionado.
O significado da posse do submarino nuclear
Desde a divulgação das notícias referentes ao petróleo existente no pré-sal, é comum que se pergunte se tais descobertas influíram na retomada do investimento no submarino nuclear.
Ora, releva notar que, desde o início, o programa jamais foi interrompido pela Marinha. Mesmo entre os anos de 1994 a 2006, quando se constatou a insuficiência de recursos de outras fontes governamentais, a MB cuidou de mantê-lo vivo, ainda que em estado quase vegetativo, com o sacrifício exclusivo do orçamento da Força. Se tivesse sido descontinuado, o custo da retomada seria simplesmente impagável. A mudança havida, a partir de 2007, foi o aporte de mais recursos governamentais, fruto de nova visão política da atual administração de mais alto nível do País.
Mesmo assim, a mencionada alteração no “status quo” é anterior à revelação das descobertas do pré-sal que, no entanto, só fazem enfatizar, ainda mais, sua necessidade. Mais de 90% do nosso petróleo – dois milhões de barris por dia – são extraídos do mar. Da mesma forma, mais de 95% do nosso comércio exterior – cerca de US$ 300 bilhões, entre exportações e importações – são transportados por via marítima. Também, as nossas águas jurisdicionais, que costumamos chamar de Amazônia Azul, contém, na imensidão da massa líquida e do vasto território submerso, de milhões de quilômetros quadrados, riquezas biológicas e minerais, largamente ameaçadas pelas exploração predatória e cobiça internacional.
Como se vê, os interesses marítimos do Brasil são de tal magnitude, que exigem ficar confiados à proteção da Marinha . A falta de meios de defesa, para tanta riqueza, pode acabar se constituindo em convite a determinadas ações lesivas à soberania nacional. Daí, a necessidade de uma Força Naval capaz de desencorajá-las.
No caso do submarino nuclear, é evidente que sua ação específica não deverá ser a de permanecer como “sentinela” ao redor dos campos, como eventualmente se especula. Na verdade, o relevante não é nem o que ele vai fazer, mas o que pode fazer. E pode tanto, que sua simples existência é suficiente para produzir boa parte dos efeitos desejados com sua posse. Como dito, nossa Zona Econômica Exclusiva cobre cerca de 4,4 milhões de quilômetros quadrados. É para estar, a tempo e a hora, presente em qualquer ponto dessa vastidão oceânica, que se necessita de um submarino nuclear. Mais ainda, os interesses do Brasil, no mar, não terminam nos limites da Amazônia Azul. Eles se estendem a qualquer lugar onde um navio navegue sob nossa bandeira, cuja proteção é dever inalienável do Estado Brasileiro.
Essa, a importância estratégica da construção do submarino nuclear.
II. O SALTO TECNOLÓGICO
Um dos aspectos mais notáveis do programa de construção do submarino de propulsão nuclear diz respeito ao salto tecnológico a ser vivido pelo País, em função da transferência de tecnologia, que garantirá ao Brasil a capacidade de desenvolver e construir seus próprios projetos no futuro.
Para facilidade de entendimento, o projeto, em linhas gerais, seguirá o seguinte esquema básico:
1) Transferência de Tecnologia de Projeto de Submarinos
a) Ao entrar em eficácia o contrato, serão enviados, para a França, alguns projetistas navais brasileiros que, juntamente com os franceses, ao longo de um ano, introduzirão ajustes no projeto do submarino convencional brasileiro (S-BR) (versão nacional do modelo “Scorpène” francês), para que este venha a atender determinados requisitos operacionais da MB, relativamente a maior autonomia e a maiores intervalos entre os períodos de manutenção. Isso tornará suas características mais compatíveis com as vastidões do Atlântico Sul;
b) A partir de seis meses depois da data de eficácia do contrato, serão enviados à França outros engenheiros navais brasileiros, que farão cursos de 18 meses de projeto, culminando com um trabalho constituído de um projeto real de submarino convencional, depois de retornarem ao Brasil;
c) Um pequeno grupo de engenheiros fará estágios de três anos na Empresa “Thales”, fabricante do sistema de combate do submarino (sonares, direção de tiro, etc ), onde receberão toda a tecnologia necessária ao desenvolvimento e manutenção do sistema;
d) Da mesma forma, teremos engenheiros que permanecerão dois anos na fábrica de torpedos, para absorção de tecnologia de projeto; e
e) Depois do retorno do segundo grupo (alínea b), engenheiros e técnicos franceses permanecerão no Brasil por cinco anos, participando do desenvolvimento do projeto do primeiro submarino nuclear brasileiro. Observação: a parte referente ao reator nuclear e seu compartimento será de responsabilidade do Brasil.
2) Transferência de Tecnologia de Construção de Submarinos
a) O submarino é construído em 4 seções. A primeira seção do primeiro submarino será construída no estaleiro de Cherbourg, na França, com a participação da equipe de construção de submarinos do AMRJ, que absorverá os métodos, normas e processos franceses de construção, algo diferente do sistema alemão, a que já estão acostumados;
b) De volta ao Brasil, esse grupo constituirá o núcleo de transferência de tecnologia para a Sociedade de Propósito Específico (SPE), que será constituída para operar o novo estaleiro para a fabricação dos novos submarinos; e
c) Depois dessa fase, o grupo atuará, pela MB, como fiscais das obras e garantidores do controle de qualidade.
3) Transferência de Tecnologia Mediante a Nacionalização
a) Cerca de 20 por cento de todo o material a ser empregado nos submarinos serão produzidos no Brasil, inclusive sistemas complexos. São cerca de 36.000 itens a serem fabricados aqui;
b) No curso das negociações, ficou acertado que tudo o que pudesse ser produzido no Brasil, a custo equivalente ou inferior ao da França, seria fabricado aqui. Caso o produto já fosse comercializado, seria simplesmente adquirido e incorporado ao conjunto de materiais. Caso contrário, a tecnologia de produção seria transferida à empresa selecionada, que, então, o fabricaria; e
c) Nesse processo, desde o início, a MB adotou a postura de não indicar qualquer empresa. Caberia aos franceses selecioná-las, de acordo com critérios próprios, qualificá-las e homologá-las. A MB não privilegiaria ou rejeitaria qualquer empresa, evitando intermináveis controvérsias futuras. De outra forma, caberia abrir uma licitação pública, para o processo seletivo que, no mínimo, demoraria demasiado, dada a quantidade de recursos e embargos legalmente possíveis de ser interpostos por empresas desqualificadas ou perdedoras.
O resultado foi tão bom que, de um universo inicial de mais de duzentas empresas, a França já selecionou e está negociando com mais de trinta, e há outras dezenas de candidatas.
Em linhas bastante gerais, esse será o processo de transferência de tecnologia. Entretanto, o que vai aqui descrito em poucas linhas, ocupa mais de 300 páginas de um anexo específico do contrato firmado entre as partes.
III. O DESENVOLVIMENTO DE UMA INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA
Em todos os países desenvolvidos, existe uma indústria de defesa, responsável pelo desenvolvimento e construção do material bélico, atendendo aos requisitos estabelecidos pelos Ministérios da Defesa e Estados-Maiores das respectivas Forças Armadas. As próprias Forças desenvolvem, em alguns casos, protótipos daquilo que desejam, mas a produção cabe sempre à indústria.
Países que não possuem tal parque industrial específico, veem-se na contingência de importar material fabricado por outros, segundo especificações que poderão atender no todo ou em parte suas necessidades e, em lugar do custo, pagarão o preço, muitas vezes, político, do produto.
O Brasil vive uma situação intermediária, segundo a qual adquire meios usados, em compras de oportunidade, ou constrói meios novos, mediante aquisição do direito de uso do projeto, como aconteceu no Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro (AMRJ), no caso das Fragatas Classe Niterói (modelo Vosper MK-10, britânico) e dos Submarinos Classe Tupi e Tikuna (modelo IKL-209, alemão).
No caso dos novos submarinos, inclusive nucleares, em lugar da construção se dar no AMRJ, ocorrerá em um novo estaleiro dedicado, atendendo a todos os requisitos ambientais e de controle de qualidade para a construção de um submarino nuclear, como é prática entre os poucos países que os fabricam. A operação desse estaleiro ficará a cargo de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), formada pelo Consórcio Construtor, isto é, as Empresas “Direction des Constructions Navales Services” (DCNS) e ODEBRECHT (parceira selecionada pela DCNS) e o Governo Federal, representado pela Marinha, que possuirá uma ação, no valor simbólico de 1% que, no entanto, constituirá uma “Golden Share”, conferindo-lhe o poder de veto sobre eventuais decisões com as quais não esteja de acordo. Ficam, então, criadas as condições necessárias para o desenvolvimento de uma indústria nacional de defesa, particularmente com o elevado e crescente índice de nacionalização pretendido.
IV. CONCLUSÃO
Não há dúvida de que, como País, o Brasil está no limiar de uma nova era.
Durante a Guerra Fria, com sua característica bipolaridade, a importância estratégica de um país periférico estava diretamente associada às possíveis consequências de sua adesão ao outro bloco, o que só teria real significado em função de sua localização geográfica em áreas estratégicas ou da disponibilidade de determinadas matérias-primas. Não era o caso do Brasil que, durante a segunda metade do século XX, encontrava-se fora do eixo estratégico do mundo. Na década que se seguiu à bipolaridade, houve um período de transformações, indefinições, globalização, que pouco alteraram a nossa situação.
Entretanto, neste início de século XXI, inaugurado com o ataque às torres do World Trade Center e com a presente crise financeira internacional, cujos desdobramentos ainda não estão suficientemente claros, parece haver uma mudança no eixo estratégico do mundo, de modo a envolver mais profundamente o Brasil. Ainda que, ao final dessa crise, reste apenas uma superpotência militar, os Estados Unidos da América (EUA) como de resto, parece certo, em outras dimensões deverá haver alguma redistribuição de poder, particularmente na área financeira, com a entrada em cena de atores que ganharam peso e passaram a influenciar a economia, as finanças e o comércio mundiais, como o Brasil, a Rússia, a Índia, a China (conhecidos como BRIC) e a Coréia do Sul, por exemplo. Com isso, o Brasil adquire maior importância, deslocando-se da periferia para mais próximo do centro.
Há outros fatores, relacionados à escassez de determinadas matérias-primas e produtos, que parecem acentuar ainda mais essa força gravitacional que nos arrasta para o centro, posto que, em larga medida, as soluções envolvem significativamente o Brasil.
A primeira delas é a água doce, que vem se tornando um dos bens mais escassos do mundo, com reflexos na produção de alimentos e ensejando conflitos entre nações. Em determinadas áreas, como o Oriente Médio e a África, já é motivo de contendas. Enquanto isso, o Brasil concentra, em rios, em torno de 12% da água doce do mundo (sem contar lençóis freáticos), além de abrigar o maior rio em extensão e volume do planeta, o Amazonas.
Diretamente ligado ao problema da água, há a questão da escassez de alimentos. Ora, mais de 90% do território brasileiro recebe chuvas abundantes, durante o ano, e as condições climáticas e geológicas propiciam a formação de uma extensa e densa rede de rios, o que, associado à abundância do sol tropical, contribui para uma agricultura de produção em grande escala, realmente capaz de tornar o Brasil um dos grandes produtores mundiais.
Outra crise que já se faz aguda é a energética. A despeito da momentânea queda do preço do petróleo, sua escassez, em breve, deverá restabelecer o quadro anterior ao atual. Durante o século XX, fomos importadores, com graves consequências em nossa balança de pagamentos e da economia nacional. Hoje, além de vivermos relativa auto-suficiência, criamos uma nova realidade no cômputo das reservas mundiais, com o descobrimento do óleo existente no pré-sal.
Ainda no contexto energético, de uns anos para cá, a energia nuclear passou a ser considerada “uma forma de energia limpa”, por não contribuir para o efeito estufa. E o Brasil possui consideráveis reservas de urânio e domina o seu processo de enriquecimento.
Como se não bastasse, somos detentores de tecnologia de ponta, temos solo, clima e sol em abundância, para a produção de biocombustíveis.
Finalmente, mas não por último, temos a Amazônia, permanentemente em foco, quer por sua biodiversidade, quer por sua influência sobre o clima mundial e, sobre a qual, a soberania brasileira não aceita contestações e que representa um enorme compromisso nacional em preservá-la, coibindo qualquer devastação.
Como se observa, o Brasil periférico da segunda metade do século XX não existe mais. O Brasil do século XXI ocupa uma posição mais próxima dos pólos estratégicos do mundo, o que significa que, cada vez mais, independentemente de sua vontade, ver-se-á, com alguma frequência, envolvido por turbulências mundiais.
Em face disso, será indispensável dispor de meios suficientes, capazes de tornar a via diplomática mais atraente, para a solução de controvérsias, do que o caminho da pressão inaceitável, da ameaça ou da imposição.
Nesse particular, a posse de submarinos nucleares é apenas um primeiro passo. O dimensionamento das Forças Armadas não poderá ficar em descompasso com a grandeza e o significado econômico do País no concerto das nações, sob pena de privarmos as gerações futuras de um porvir à altura da História da Nação.
Em resumo, essa análise apresenta, na visão da Marinha, a importância da construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro.
Almirante-de-Esquadra Julio Soares de Moura Neto
Comandante da Marinha do Brasil
FONTE: MB
NOTA do BLOG: o Comandante da Marinha apresenta certamente vários argumentos de peso a favor da construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro, e concordamos com vários deles. Porém, como o objetivo do Blog do Poder Naval é provocar a reflexão, temos uma pergunta provocativa aos participantes: segundo artigo publicado aqui hoje, sobre a Marinha dos Estados Unidos, o moderno submarino convencional é um potencial destruidor de “Ferraris”. Mas e em relação ao futuro da própria Marinha do Brasil, o submarino de propulsão nuclear brasileiro seria comparável a um “Ford” ou a uma “Ferrari”?
Prezado Dalton, Sua pergunta é bastante pertinente. A intenção da MB é manter, a partir da segunda metade da próxima década, pelo menos 4 submarinos (diesel-elétricos ou nucleares) permanentemente em operação. Ou seja, teremos sempre 4 subs no mar. Pode parecer um número reduzido, mas se considerarmos que a estratégia de emprego das principais potências mundiais é de se utilizar pelo menos 10 meios para localizar cada submarino, teríamos aí a necessidade, por parte do inímigo, de manter no mínimo 40 meios para ASW. Mesmo que ocorresse um ataque as nossas bases de submarinos, eles teriam que se preocupar com… Read more »
Caro LM,
perfeitas suas considerações. Extrema lucidez e poder de síntese.
Um abraço.
Apesar de todas as afirmacoes que o sub. nuclear e caro de se manter, isso nos obrigara a desenvolver tecnicas de logistica. ora, creio que na epoca das contrucoes das fragatas classe niteroi existiam vozes que advogavam no sentido contrario da producao. devemos pensar no melhor. ou seja, nessa “competicao” que estamos o melhor e melhor uma ferrari do que um ford. o nosso glorioso A 12, na epoca da compra era um ford e se tornou um baita de um elefante branco se nao a marinha nao injetar uma verba considerada nele. sou completamente a favor da construcao do… Read more »
A marinha australiana está desenvolvendo um projeto para uma nova geração de submarinos diesel-elétricos de ataque, prontos até 2025. As especificações serão bem diferentes dos atuais: altas velocidades de trânsito, recargas rápidas e duradouras, autonomia aumentada próximas de um sub-nuc. O desenvolvimento e o emprego de supercondutores de alta temperatura torna possível a produção de motores elétricos e geradores que tem somente 25% do peso e menos da metade do volume dos motores atuais, consumindo muito menos baterias, reduzindo o tempo de shorkel. Somando-se ao desenvolvimento dos novos motores, estão chegando as baterias de íons de lítio, que oferecem 4… Read more »
LM,
longe de querer equiparar-me a vc quanto a conhecimentos na area, mas apenas especulando…
O hipotetico Pais, pela descriçao da força tarefa só poderia ser os EUA.
Nao acredito que eles enviariam tal força tarefa a uma armadilha.
Na vanguarda viriam os submarinos nucleares deles, e talvez mesmo um SSGN para pegar quaisquer subs nossos atracados com misseis de cruzeiro, ou estou enganado?
abraços
LM,
Valeu pela dica, vou dar uma boa olhada no projeto do S80 e imaginar um Scorpène / Marlin de 2000t. Parece ser um deslocamento bem interessante para se comparar com outros por aí e fazer algumas projeções quanto à autonomia.
Saudações!
Prezado Nunão,
Como sempre suas respostas estão perfeitas.
É possível fazer algumas alterações no projeto dos “Scorpènes” para adequá-los as necessidades da MB.
Uma dica. Veja o projeto dos novos submarinos espanhóis da classe “S80A” derivados do “Scorpènes”, contudo, com deslocamento submerso de cerca de 2.500t, 71 m de comprimento e diâmetro de casco de cerca de 7,3m.
Nos “SBR” não teremos uma alteração tão grande de projeto quanto nos “S80A”, porém, devido as especificações como deslocamento de cerca de 2.000t, não são compatíveis com os submarinos vendidos ao Chile ou a Malásia.
Abraços meu amigo
Prezado Farragut, O senhor que conhece muito bem essa área de recursos humanos, especialmente dentro da MB, sabe das carências que se enfrentam. A formação de material humano para construir, operar e manter meios tão sofisticados irá demanda grandes investimentos nessa área. Além das parcerias com universidades federais, a MB busca parceria com universidades na Europa para formação e especialização de seu quadro técnico. Contudo, é necessário que existam “voluntários” para tal. Como o senhor lembrou muito bem, não basta apenas investimentos da MB, é necessário que a indústria privada também participe desse projeto. Porém, como sabemos, para isso ela… Read more »
Alguém sabe qual seria o diâmetro mínimo do casco para construirmos o nosso subnuc?
Nunão, obrigado por sua atenção e esclarecimentos. Quanto a autonomia ao mencionar as baterías, me lembrei que foi falado aqui no blog há algum tempo atrás sobre novas tecnologias, de repente pode ser por aí, além de uma maior capacidade de armazenagem de combustível, talvez no lugar que seria do MESMA. Analisando bem é realmente plausível que tenhamos duas linhas de operação / manutenção dos IKL e dos DCNS. Indo um pouco além isso criaria 2 ‘escolas’ de submarinistas distintas, pois teríamos treinamento específicos nos equipamentos, sistemas e até filosofias de utilização diferentes, pois leigamente falando, sendo bem diferentes teríamos… Read more »
Huhu ainda é prioridade da MB construilo quem viver vera .
Prezados, Em dezembro de 2008 no post http://www.naval.com.br/blog/?p=2943#comments eu fiz um comentário sobre a opção da MB com relação aos submarinos, vou transcrevê-la abaixo: “LM em 30 Dez, 2008 às 15:22 Prezados, Devido aos inúmeros posts sobre submarinos, diversas afirmações sobre qual seria o melhor meio para a MB, se a opção pelos submarinos de propulsão nuclear estaria correta, resolvi pedir licença aos senhores e fazer algumas colocações tentando mostrar o porquê da decisão da MB em construir os submarinos de propulsão nuclear (SSN). Nas próximas décadas, está previsto a construção de apenas duas bases navais, uma para submarinos no… Read more »
Um pouco de analogia:
O Brasil é o autódromo de Interlagos, a conjuntura internacional é o campeonato mundial de fórmula I, então pergunto; qual será o carro que você irá escolher para competir, um ford bigode ou uma ferrari 2009?
Parabéns à Marinha Brasileira, chega de pensar pequeno.
Acelera Brasil.
Muito bem colocada a explanação de como colocar fora de combate uma frota inteira de submarinos com AIP, é só detonar sua base de combustível.
Concordo plenamente que a tecnologia desenvolvida e suas capacidades maiores são muito benéficas para a Marinha. Mas e seu custos de construção e manutenção serão viáveis? E os custos para armazenamento do combustível nuclear não mais aproveitado? Hoje, a Marinha gasta milhões em seu programa nuclear, que anda a passos muito lentos (sem termos uma previsão concreta de quando teremos um submarino nuclear) e enquanto isso a frota de superfície vai sendo deixada em segundo plano. Navios estão próximos do fim de sua vida útil e não temos nem substitutos em vista. Infelizmente, ao meu ver, a Marinha Brasileira (principalmente… Read more »
Jack, quanta desinformação. Colocar uma frota submarinos AIP fora de combate detonando as bases de combustível? E se existirem várias bases espalhadas? e reabastecimento em alto mar? É bom lembrar que não existe apenas um tipo de AIP. Ao contrário do que se diz, o reabastecimento com hidrogênio é completamente seguro. Só a Marinha do Brasil vê dificuldade no AIP, as outras Marinhas – Alemanha, Itália, Suécia, Coréia do Sul, Grécia, Japão, Paquistão, China, Rússia e em futuro próximo, Portugal, Espanha, Índia e Israel, estão adotando AIP numa boa. Mesmo que acabe o combustível, um submarino AIP continua sendo um… Read more »
Farragut, matou a pau. Falta massa crítica.
Pessoal… pensar diferente nao é pensar pequeno, é apenas um modo diferente de perceber as coisas. China e Russia irao continuar construindo submarinos convencionais, portanto eles tem valor. Só que eles podem se dar ao luxo de ter grandes quantidades dos dois tipos. Um subnuc, nao pode ficar submerso eternamente, até porque é tripulado por homens , ou seja tem a resistencia da tripulaçao, o fato dos estoques de alimentos serem esgotaveis, a necessidade de pequenos reparos ou seja, ele depende de uma base tambem que pode ser destruida . Quantos subnucs vcs planejam? Ao menos tres, para ter um… Read more »
Gostaria de lembrar que a política de recursos humanos para o modelo proposto pela MB não é discutida, pelo menos ostensivamente.
Haverá interesse a longo prazo no mundo civil para preparar pessoal nesta área (pesquisa, desenvolvimento e manutenção das tecnologias pretendidas) ou a responsabilidade será exclusiva da Marinha?
E quanto ao pessoal militar da “superfície”? Como convencê-lo de que esta visão da Marinha lhe será positiva, vendo o que ele vê todo dia ao guarnecer os conveses?
No meu ponto de vista, aqui no Brasil, se confunde a viabilidade econômica de obter e manter um meio de combate com a sua eficácia histórica comprovada. Indiscutivelmente o submarino nuclear, tanto quanto o grande navio aeródromo, são meios consagradamente eficazes, como vemos na história naval, seja os porta-aviões na II GM ou os submarinos nucleares na guerra fria ou no conflito das Malvinas, este último conflito, parece que gerou o consenso no almirantado nacional de termos o sub. Nuclear. No entanto existe o contra ponto da viabilidade econômica e da disposição da nação de assumir os custos destes meios.… Read more »
Luciano, Agradecemos por vc avisar da nota da MB que, admito, passou batida devido a vários fatores (excesso de compromissos profissionais à véspera de feriado, deslocamentos simultâneos de vários editores no mesmo dia e por aí vai…). Sobre os pontos que vc levantou: sobre o primeiro, minha opinião é que o aumento de autonomia pode referir-se tanto ao aumento da capacidade de combustível (para a autonomia total) quanto das baterias (autonomia submersa) e, dado o histórico das discussões anteriores sobre o 214 alemão, creio que o aumento da capacidade de combustível seja o mais provável. A diferença é que, com… Read more »
Sub nuclear não eh Ferrari. Ferrari eh sub convencional com AIP. AIP eh caro e dificil de recarregar. Precisa de bases especializadas pra recarga do combustivel. E ṕara colocá-los fora de combate basta 1 tomahahawk em cada base de carregamento de combustivel. O hidrogenio estocado se encarrega de explodir o resto… Sub nuclear eh pau pra toda obra. Fica escondido e em 2 dias cobre todo a costa. E ao depende da terra pra nada. E nem precisa de muita eletronica nao. Com os torpedinhos da 2 WW ja afunda qualquer forca tarefa que chegar por essas bandas. Sub nuclear… Read more »
Jogar trinta anos de pesquisa fora não é louvável. Isso prova que não somos pequenos e os que a trinta anos pensaram grande acertaram. Aos que continuam a pensar pequeno, meu sinto muito. Produzir ou comprar sub com AIP não é novidade. Operar sub com AIP não é tão fácil como muitos acham, inclusive seu manuseio é perigoso. Em uma operação à distância não acharemos local para abastece-lo, por isso acaba sendo uma arma comum, ou seja, convencional sem nada. Por isso tudo concordo com a MB. É ter convencional + nuclear. A postura do país mudou. Hoje as FFAA… Read more »
Acredito que o sub nuclear é imprescindível ao Brasil. O valor de um sub nuclear não é só estratégico ou o custo do vetor em si mas a expertise em construí-lo. Pelo que pude entender, o SNBR terá 20% de itens nacionalizados mas se tivéssemos mais empresas qualificadas, teríamos a porcentagem que pudéssemos ter. No futuro teremos mais e mais empresas qualificadas e um possível (sonhar não paga imposto) segundo SNBR teria um índice de nacionalização muito mais alto. Se as coisas se darão como diz o texto, será louvável a postura francesa e reafirmará a vontade daquele país em… Read more »
A questão do submarino nuclear é estratégica!!! o domínio da tecnologia é muito importante para o FUTURO! Como comparativo vale lembrar o caso do AMX para a EMBRAER…pelo que foi gasto…poderia ser comprado um caça melhor…porém e TODA A TECNOLOGIA ABSORVIDA TEM PREÇO? A questão não é ter uma ferrari ou um ford…é SABER CONSTRUIR UMA FERRARI E UM FORD…ai vc pode decidir pelo que achar melhor…e não ter que optar por um por não poder ter outro… É uma pena que ainda hoje existam alguns comentários como “salário mínimo relacionado com gastos de defesa”, sendo que uma coisa não… Read more »
Excelente post!
Concordo com o Flamenguista, o submarino nuclear será um meio estratégico tanto no sentido militar com no tecnológico,assim alcançando a tão desejada independência tecnológica e alavancando o desenvolvimento da industria nacional.
Ferrari p/ quem vive com menos de um salário mínimo.
É uma ferrari,mais vou confiar na marinha,eu acho que errou foi na compra do A12.
Um submarino nuclear seria uma Ferrari para o Brasil: difícil manutenção, combustível caro e fora da realidade das nossas “estradas”. Não creio que a MB precise de um submarino nuclear. Para mim, seria melhor ter uma força com submarinos fundeados ao longo da costa (e não somente no Rio de Janeiro). Um Sub convencional com API tem um desempenho adequado para patrulha costeira de longo alcance. E a um custo bem mais adequado a realidade nacional. Esta história de submarinos nucleares remonta ao final da década de 1970, quando os líderes militares/governamentais pretendiam ter o domínio completo do ciclo nuclear,… Read more »
Nunão meu friendi, agora valeu, desde ontem de manhã comentei sobre esta nota da Marinha, no post do Jobim e hoje novamente no post do sequestro do navio. Queria muito discutir alguns pontos do texto e nada acontecia, só p/ ficar claro repito o que disse no comentário de hoje : “Mas ninguém comentou ou postou um tópico ( é apenas uma constatação , sem críticas aos moderadores, pois sei que não são nossos empregados ou vagabundos por profissão, na boa ok ? ) sobre isso.” Gostaria de propor uma discussão em mais 2 pontos ( além da ‘automobilística’ que… Read more »
Vai ser Ferrari e não sabemos ainda quanto vamos de fato pagar por ela, (veja o caso dos Britânicos com sua nova classe subs. nucleares); mas jogar fora trinta e tantos anos de investimento e pesquisa não era razoável; o sub nuclear é um caminho sem volta, esperamos que ele cumpra seu papel junto a uma eficaz e consistente frota de “fords”.
[…] Submarino nuclear brasileiro: a palavra do Comandante da MB […]
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