A Revolução nos Assuntos Militares e a Marinha do Brasil
A realidade na qual as Forças Armadas (FFAA) se encontram atualmente, está relacionada à discussão da chamada Revolução nos Assuntos Militares (RAM). Esta apresenta uma grande complexidade, que tem por resultado o levantamento de novas questões relativas ao fazer a guerra. No aspecto científico-tecnológico há mudanças relacionadas à cultura militar, e as atividades técnico-operacionais, onde a composição e o funcionamento de uma Força são afetados em todos os níveis, modernizando-a.
Assim, o desenvolvimento de sensores e dos equipamentos de comunicações passam a ser tão vitais na guerra atual que um país pode não ser atacado fisicamente, mas eletronicamente, daí amargar sérios danos nos seus sistemas de caráter militar e civil. Isto faz com que o combate seja invisível em terra, mar e ar, passando a existir virtualmente, na dimensão eletromagnética.
O uso da Força se tornou essencialmente ligado às necessidades do “domínio da informação” e das “armas inteligentes”. A partir de então, a configuração das FFAA assume novas características, como o aprimoramento da inteligência, versatilidade, mobilidade, agilidade e velocidade. Isto implica também na redução de suas dimensões em termos dos recursos humanos e materiais, dada a imperiosidade da qualificação profissional e a materialização dos equipamentos que servem como acessório ou plataforma de combate. As batalhas tendem a ser mais intensas e rápidas e as baixas tendem a ser menores, há uma reconfiguração do campo de batalha tornando-o transparente, redução dos níveis hierárquicos e maior agilização da capacidade de comando mais exigida em termos de agilidade.
No aspecto político-estratégico, a RAM é sinônimo também de modernização porque implica numa configuração técnica e organizacional capaz de atender as necessidades bélicas dos Estados-nação e projetá-las para o futuro, identificando as ameaças existentes e as possíveis, num cenário de crises políticas. Neste caso, ela contribui para a implementação de mudanças no nível estratégico, tático e operacional, mas não necessariamente na política de defesa e no uso da força como recurso dos Estados. Os interesses poderão ser os mesmos, como também os objetivos de manutenção da paz, de composição das alianças político-estratégicas etc, tal como ocorre com as maiores potências do planeta, como no caso dos Estados Unidos da América (EUA). Este país impõe o padrão que os demais países tendem a seguir.
Essas novas características da guerra contribuem para aumentar o hiato tecnológico e os problemas de interoperacionalidade entre as Forças de dentro ou de fora de um país.
Nessa realidade e particularmente pela forma como o Brasil resolveu posicionar-se nas relações exteriores, as missões das Forças Armadas devem ser reavaliadas e novas estratégias adotadas. Como se sabe, o Atlântico Sul é, desde 1982, uma Zona de Paz e Cooperação. Isso não elimina a necessidade de sua defesa e segurança. Ao contrário, faz da região prioridade para a vigilância, justamente porque não se quer que nele se instale a discórdia e a guerra. Para a Marinha do Brasil, a região é sua verdadeira zona de atuação. Da mesma forma que a Amazônia funciona como um pólo magnético para as preocupações estratégicas das outras Forças, o Atlântico o é para a Marinha e, obviamente, há uma hierarquização das prioridades no seu interior conforme tomado pela MB.
Como percebido pela Marinha, o atual sistema internacional, embora ainda em construção, promove uma divisão classificatória entre as Nações na qual de um lado estão aqueles países que são vistos como promotores de ameaças (proliferação nuclear, as violações dos direitos humanos, a destruição do meio ambiente, a venda de armas etc.) e aqueles que devem controlar essas ameaças, justamente os países centrais. Para estes, aconselha-se a adoção de uma espécie de postura neocolonialista em acordo com a qual se promove uma sistemática campanha de convencimento da opinião pública internacional para aceitar a ingerência “necessária”.
Depois de um longo período “esquecido” pelos países centrais, o Atlântico Sul volta a ser percebido, principalmente pelas recentes descobertas de petróleo tanto na costa brasileira, quanto na africana. As previsões sombrias de escassez de alimentos, água potável e outros recursos minerais, colocam a região em evidência, uma vez que poderá, devido as suas reservas minerais e capacidade agrícola, vir a ter papel bastante relevante no futuro.
Com base no exposto, foi desenvolvido uma nova Estratégia Nacional de Defesa, e nela estabelecido o papel a ser desempenhado pela Marinha do Brasil.
Tendo a consciência de que os orçamentos para defesa são insuficientes para realizar todas as tarefas do Poder Naval, foram estabelecidas prioridades e, nas palavras do próprio Comandante da Maria, Almirante Julio Soares de Moura Neto: “Se fossemos cumprir ao mesmo tempo todas as tarefas do Poder Naval, seriamos ineficientes em todas elas, assim como somos hoje, dessa forma, devemos priorizar umas tarefas em detrimento de outras.”
Dessa forma, é possível vislumbrar então que a estratégia estabelecida para o Poder Naval brasileiro será de um aumento gradual de capacidade, assim ordenado:
- Capacidade de defesa costeira e fluvial;
- Capacidade de negação do mar;
- Capacidade de controle de área marítima; e
- Capacidade de projeção de poder.
Fica claro então a prioridade, nesse momento, de se construírem navios de patrulha (defesa costeira e fluvial) e submarinos (negação do mar). Isso não significa que deixaremos de construir navios escolta, estes serão construídos, porém, como disse o Comandante da Marinha “É preferível qualidade à quantidade”, serão construídos 6 unidades e mantidos entre 12 e 16 escoltas no futuro.
Outro papel importante a ser desempenhado será a participação em missões de paz e para isso os meios necessários (Navios de Transporte, Navios de Apoio e Abastecimento…) deverão ser adquiridos.
A doutrina que fundamenta hoje os cursos da Escola de Guerra Naval (EGN) para oficiais superiores, Curso Superior (C-SUP), Curso de Estado-Maior para Oficiais Superiores (C-MOS) e Curso de Política e Estratégias Marítimas (C-PEM), tem como base uma Marinha cuja missão principal é a dissuasão.
Isso tem levado a uma série de críticas, pois segundo alguns almirantes, pode dar a falsa impressão às principais potências do mundo que a estratégia naval brasileira, de cunho defensivo, teria como adversário potencial o seu país. E, como disse o líder indiano Jawaharlal Nehru: “Nomear inimigos potenciais é fazer inimigos reais”.
Fica claro, diferente do que muitos dizem, que existe sim um planejamento futuro dentro da Marinha do Brasil, que pode não agradar a todos, mas está sendo colocado em prática. Contudo, dependente de orçamentos condizentes com as necessidades.
Dentro desta realidade, a missão das Forças Armadas envolve riscos e oportunidades. Elas devem cumprir a sua missão constitucional com ênfase nas missões de paz e na dissuasão, cooperando para a integração regional. O Poder Naval deve minimizar o uso da força, enfatizar a dissuasão e promover o desenvolvimento da consciência marítima, a capacidade de defesa, a capacitação da construção naval nacional, as operações conjuntas com os países do Mercosul, o engajamento nas forças de paz e alcançar o efetivo controle da ZEE.
TEXTO: Luiz Monteiro (LM) / FOTOS: MB