“Brasil não tem cabotagem, tem transbordo”
“É um sonho. É o modal do sonho”. A opinião sobre cabotagem no Brasil é de Henrique Germano Zimmer, engenheiro, técnico da Superintendência de Desenvolvimento Sustentável da Companhia de Desenvolvimento de Vitória (CDV), organismo da Prefeitura Municipal de Vitória e ex-presidente da Cia. Docas do Espírito Santo (Codesa). Para ele, a cabotagem no País não cresce e não se desenvolve porque não existe uma ação concreta. “Há uma falsa cabotagem. Hoje se fala em cabotagem, mas o que se faz é transbordo”.
A cabotagem no Brasil, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), em 2007, movimentou 194.598.576 de granéis líquidos (petróleo) e 457.435.373 de granéis sólidos (cereais). A carga geral limitou-se a pouco mais de 102 milhões, no ano passado. Zimmer observa que a movimentação de mercadorias para o consumo interno, como o de produtos alimentícios, não existe.
O engenheiro informa que as poucas embarcações destinadas à cabotagem no País são as que saem do longo curso, que são velhas e têm custos muito altos. “Reclama-se muito, mas existem providências as serem adotadas. O País precisa fazer isso. O País não pode dar-se ao luxo de, por exemplo, cobrar pelo combustível das embarcações que navegam na costa brasileira, o mesmo valor que o cobrado para as embarcações com registro internacional. O combustível é cerca de 20% mais caro na cabotagem do que no longo curso”. Ele defende a isenção total de impostos para a cabotagem.
A cabotagem, para ele, deve ser tratada como produto brasileiro, o que não ocorre ainda. “Porque permitimos embarcações velhas e cobramos impostos diferentes e permitimos, ainda, que a cadeia logística de valores tenha como base o dólar, enquanto a moeda brasileira é o real”.
Alguns especialistas no setor argumentam que o fato do Brasil ter um perfil voltado para o comércio exterior, a cabotagem perde a atenção necessária. Contudo, Zimmer argumenta que este perfil é fruto da necessidade de um país com dimensão continental, que vem crescendo muito, diversificando mercados. “O grande problema que existe em relação à cabotagem é que estão esquecendo uma coisa básica: está certo que a nossa matriz de transporte foi concentrada no setor rodoviário, todo mundo sabe, não é novidade. O problema é fazer guerra entre os modais”.
“Marevia”
Para o ex-presidente da Codesa, o transporte rodoviário não compete nem pode competir com o navio. “O navio não sai do mar, mas o caminhão sai da estrada. Temos uma ‘marevia’ e o sistema rodoviário tem que ser complementar”. Zimmer lembrou que rodovias foram criadas ao longo da costa brasileira, mas não foram interiorizadas. “O vagão e a locomotiva não saem da linha, têm que ser dirigidos para um determinado mercado ou região”. Para ele, “felizmente” o Brasil está descentralizando suas vias de acesso aos produtos, fazendo mais ferrovias e melhorando as rodovias, “mas isso não pode vir sob a falácia e sob o argumento que vai competir e que a cabotagem vai perder”.
“Não existe rodovia? Por que não a ‘navegavia’? Só precisa ter uma fiscalização normal”. Essa é uma das sugestões levantadas num trabalho científico em 2001 que, para Zimmer, deve ser feita “olho no olho, ninguém é melhor que ninguém”.
Ele defende que os navios devam ser vistos como os caminhões dos mares, já que transportam grandes quantidades. Fala, também, em se avaliar os valores dos transportes de 30 toneladas em caminhão e de cinco toneladas em navio. “Quantos caminhões com 30 toneladas podemos transportar num navio de cinco mil toneladas”?
Como exemplo de sucesso da cabotagem no Brasil, Zimmer cita dois modelos no Espírito Santo. São os projetos desenvolvidos pela Aracruz Celulose (transporte de madeira do sul da Bahia para o Porto de Barra do Riacho) e da Veracel (transporte de celulose da Bahia para o mesmo porto), este segundo para exportação. “O transporte é feito com embarcações construídas para esta finalidade”.
Zimmer disse que a discussão é antiga. “Já se sabe que o Brasil perde por não utilizar sua costa, que é rica e não precisa de manutenção, não tem buraco, não precisa ser renovada. A natureza dá, gratuitamente. É preciso acabar com essa falsa guerra de setores interessados em que a navegação brasileira não se interiorize, não seja complementar e produza riqueza para os brasileiros”.
O técnico da CDV argumenta que a rodovia deve ser tratada como complemento e que não vai desempregar. “É absurdo obrigar o caminhoneiro a colocar uma carga de cinco mil toneladas e sair de São Paulo e parar no Amazonas. É matar o cidadão que, também, não vê família crescer. Isso é exclusão do progresso e do bem-estar social”.
Esta seria a grande chance do Governo Lula desenvolver a construção de embarcações apropriadas para os portos brasileiros “e já deve ter projetos nesse sentido para os portos das vias interiores (hidrovias). Saindo da ‘marevia’ para a rodovia e não ao contrário como é hoje”.
“Se não temos navegação vamos criar desafios. E coloco aqui um desafio, que vão dizer que estou ficando louco: por que não pegamos as embarcações de longo curso e firmamos um acordo ou através de medida provisória do Governo Federal, de dois anos, por exemplo, pegando parte do Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) para fazer com que esses navios, assim que entrarem na costa brasileira, possam transportar cargas até sua última parada no País – último porto”?
Esse adicional de frete deveria passar a fazer parte de um fundo para renovar ou construir, verdadeiramente, embarcações para a cabotagem brasileira. “Depois, licitar para a iniciativa privada”.
Aduana x cabotagem
Outra crítica é quanto à Aduana brasileira. Para ele, a autarquia “tem que pensar que não se pode inventar dificuldades para que os produtos cheguem mais baratos. Quando um navio de cabotagem chega ao porto, deve ser livre como acontece com os caminhões. Se houver erros, pune-se. A lei está aí para punir”.
A Alfândega, no caso, não deve diferenciar o tratamento ao navio de cabotagem com o de longo curso. “É absurdo isso. Em todos os lugares do mundo a navegação de interior e a cabotagem entram nos portos livres. Se não quiser copiar esse estilo que libere o porto, o trânsito é livre. Não tem que mandar a Anvisa, a Receita Federal. É o caminhão dos mares e tem que ser tratado assim.”
Ao ser indagado se a privatização das rodovias e ferrovias tem seu lado positivo e, também, possa ser um provocador da concorrência com os portos, Zimmer considera que rodovias e ferrovias devam ser públicas, mas como o País cresce e é necessário manter um padrão de qualidade do transporte, algumas concessões melhoraram os serviços. Mas ressalta que os preços não foram bem calculados e isso é um ônus a mais, mas não considera que seja competição para com o setor marítimo. “A competição acontece porque não se tem uma política nacional para o transporte. O que se tem são setores se digladiando e não pensam no foco principal que é ganhar dinheiro com quantidade e qualidade, e não em um curto espaço de tempo”.
Recentemente, PortoGente entrevistou o especialista em logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Tarso Resende, que disse que a pouca cabotagem significa pouca preparação portuária. Henrique Zimmer discorda. “Acho que tem idéias maravilhosas nos padrões brasileiros. Trabalhos de pesquisas, projetos de ações que foram empreendidas. Só que: primeiro, o porto sempre foi taxado como o vilão da história Custo Brasil e está provado que isso não é verdade. Eu quero que alguém me diga que isso é mentira. Hoje estão brigando porque a iniciativa privada quer fazer porto e quem fez arrendamento em terminal público não quer deixar”.
Outra observação é relativa à capacitação da mão de obra, mesmo avulsa. “O Espírito Santo é um exemplo para o Brasil em desenvolvimento, mesmo passando por dificuldades, por ter grande parte da sua pauta de exportação em commodities. O porto não pode ser o vilão da história”.
Zimmer reconhece que há dificuldades, mas tem melhorado muito e destacou o Espírito Santo onde considera existir mão de obra capacitada e propositiva, “querendo crescer, querendo manter o seu mercado de trabalho sem ser sectarista e sem radicalismo, mas com inteligência e é assim que se deve trabalhar, com inteligência. O brasileiro é inteligente, ele sabe resolver os seus problemas”.
Outro ponto proposto por Paulo Tarso Resende foi a construção de médios portos para a cabotagem. Zimmer, mais uma vez, não concorda com o professor de Minas Gerais. Para ele, isso não é a solução. “Todos os portos brasileiros têm, pelo menos, uma instalação que pode servir para a cabotagem, sem prejuízo do restante. Não vejo necessidade disso”.
“Temos que ter coragem e dizer para a Aduana e para o Ministério da Fazenda que eles não são um Brasil diferente. Ele é um Ministério do Brasil. Que outros Ministérios não são o Brasil e, sim, Ministérios do Brasil. Não são países diferentes. É o mesmo país. Às vezes, as pessoas que fazem essas instituições as tratam como se fosse um país diferente e nós não podemos ter essa irresponsabilidade. A cabotagem é nossa e a população brasileira agradece”.
FONTE: www.portogente.com.br