A escolha do ‘Scorpène’: a opinião de um profissional
José Luiz Feio Obino Vice-Almirante (Ref)
Ex-Comandante da Força de Submarinos
Nos dias de hoje o melhor projeto comercial, testado, de submarino convencional, no mercado, é o do submarino francês “Scorpene”. Trata- se de um projeto modular, altamente avançado e flexível que pode ser construído no Brasil e empregado em águas costeiras e áreas oceânicas. A NUCLEP, Indústria de Equipamentos Nucleares, que detém, no país, a tecnologia de construção de estruturas circulares, com alto nível de precisão, está preparada para construir as seções do casco resistente do mencionado submarino francês e o AMRJ, Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, capacitado para a montagem e união das seções de casco do submarino.
O projeto francês é o que mais se aproxima das características do projeto SMB-10, da Marinha, e agrega, em seu desenho e em seus equipamentos, o que existe de mais avançado e moderno em tecnologia de projeto e de construção de submarinos nucleares franceses, o que não pode ser dito pelo seu concorrente alemão que, apesar, de sua alta tecnologia, nunca projetou ou construiu submarinos nucleares. Ademais, seus submarinos foram projetados para águas costeiras e mares fechados. Não podemos esquecer, que o projeto dos submarinos da classe “Tupi” sendo substituídos, no presente, pelos submarinos IKL 212, com cerca de 1.500 tons.
A Marinha do Brasil, e porque não dizer o País, busca o domínio da tecnologia de projeto,de construção e de manutenção de submarinos avançados, o que, de certa forma, só poderá ser alcançado com os franceses, americanos, russos, ingleses e chineses. O concorrente alemão, por mais que disponha de alta tecnologia de projeto, construção e manutenção de submarinos, quer para uso próprio, quer para exportação, carece do principal, que é ter capacitação em submarinos de propulsão nuclear. Seus projetos atuais, o IKL 212, exclusivo para a sua Marinha e Marinha Italiana, e o IKL 214, para exportação, são bastante diferentes e seus projetos de concepção foram desenvolvidos em torno da propulsão convencional independente do ar ( AIP ), adequada ao emprego dos submari-nos próximo de suas bases, como é o caso deles, dos italianos, turcos, gregos, sul coreanos e outros, diferentemente do nosso, que requer submarinos para emprego ao longo de uma costa de 4000 km e áreas oceânicas adjacentes.
Quando falamos sobre os projetos “Scorpene” e IKL 214, não podemos esquecer do projeto comercial “Amur”, russo, conhecido em 2004, quando da visita de oficiais brasileiros à Rússia. Apenas o primeiro e o último são operacionais. Para o Brasil a melhor opção seria o projeto francês, ainda que a Marinha tenha uma parceria, de cerca de 30 anos, com os alemães. Mas será que essa parceria foi boa? Em alguns pontos acredito que sim, mas em outros não. Senão vejamos:
- permitiu começar a construção (montagem de “kit”) de submarinos no País, segundo um projeto importado, que os alemães não acreditavam ser possível sem a sua ajuda;
- possibilitou a nacionalização da mão de obra na construção de submarinos, que não poderá ser perdida, sob pena de comprometer todo o esforço brasileiro na consecução de seu projeto maior, o projeto e construção de seu submarino de propulsão nuclear.
- Consta que já nos falta, hoje, as mesmas condições de construção dos “Tupi/Tikuna”, por força da evasão de recursos humanos especializados, decorrente do esgarçamento do programa de construção de submarinos (adiamento do início da construção do “Tikuna”; falta de dinheiro orçamentário para a sua construção, que levou 11 anos; cancelamento da construção do irmão “Tapuia”; e falta de perspectiva de novas construções); e
- faltou capacidade de nacionalização de peças para motores, equipamentos e sistemas, prejudicando seriamente a manutenção dos submarinos. Em 28 anos, nacionalizamos, apenas, as baterias, ficando a Marinha refém da importação, da quase totalidade da logística dos demais sobressalentes, materiais e equipamentos, cujos preços são cada vez mais proibitivos sem qualquer explicação para os aumentos abusivos.
Acreditamos que com o projeto francês teremos a oportunidade de recuperar os anos perdidos no campo da logística, ainda mais se considerarmos que o sucesso de vendas do projeto comercial alemão do submarino IKL 209 (Submarinos da classe “Tupi”) hoje se debate com o custo elevado de sua manutenção, que depende de longos prazos de entrega de peças de fabricação descontinuada, da disponibilidade, para pronta entrega, de materiais e equipamentos, e dos preços abusivos de fornecimento.
Tal situação leva a uma baixa disponibilidade operacional desses submarinos no mundo. Por serem, também, submarinos costeiros, o seu emprego, em áreas oceânicas ou muito afastado de suas bases, sacrifica o material, em especial, os seus grupos motores-geradores, diante do longo trânsito para as áreas de exercício ou de patrulha. Isto não ocorre no cenário europeu ou semelhante, para o qual foram projetados, por serem as suas áreas de operações muito próximas de suas bases de apoio.
O Chile, um país com grande influência militar germânica, tomou uma decisão drástica e corajosa ao sair da linha alemã para a linha francesa de submarinos oceânicos da classe “Scorpene”, sem o módulo de casco de AIP. A opção chilena, pelo projeto francês, foi devida ao baixíssimo nível de ruído irradiado (plataforma muito silenciosa), ao maior transporte de armamento, a maior facilidade e rapidez de recarregamento dos tubos de torpedo e mísseis, e a maior profundidade de operação do submarino.
Ainda que o problema brasileiro seja ligeiramente diferente do chileno, porque o Chile não tem a construção de submarinos, em seu território, como uma premissa básica, o Brasil tem como objetivo estratégico o domínio completo da tecnologia de projeto e de construção de submarinos e a manutenção dos mesmos. Não será com a transferência de tecnologia alemã que chegaremos ao nosso objetivo maior. Urge que a Marinha, e porque não dizer o Governo, se decida por uma proposta que atenda o médio e longo prazos, isto é, a construção de submarinos convencionais que visualize o futuro que é o projeto e a construção do submarino de propulsão nuclear. Hoje as parcerias para vencer tal desafio seriam com os chineses, ou russos, ou franceses, já que os americanos e seu aliado inglês, se opõem a tal conquista brasileira.
A decisão que a Marinha espera do Governo, para a construção de submarinos, significará uma decisão para os próximos 30 anos. Resta saber se desejamos ficar refém de algum país. Os primeiros 30 anos estão se acabando, sem que tenha havido ganhos positivos, “significativos”, para a Marinha e para o Brasil. As “Orientações da Marinha” para a HDW e a ARMARIS, em princípios de 2005, para a apresentação de propostas, para construção, manutenção e fornecimento de equipamentos / torpedos de submarinos, mostram claramente que a montagem de submarinos da classe “Tupi”, no AMRJ, não foi suficiente para dominarmos a tecnologia de projeto de submarinos, bem como a construção de certos módulos de casco, como os de proa e de popa.
As “orientações” demandavam propostas das empresas, de transferência de tecnologia de projeto e de construção para o CPN, Centro de Projeto de Navios, e o AMRJ, respectivamente; de homologação do AMRJ como construtor do submarino, a ser adquirido; e de fornecimento de equipamentos para o estaleiro construtor do novo submarino, já que um novo projeto exige, dispositivos, ferramentas especiais específicas, não havendo como aproveitar às do projeto da classe “Tupi/Tikuna”, mesmo que, para um novo projeto alemão. O ferramental de uso geral, no entanto, poderá ser empregado na construção de qualquer projeto a ser escolhido.
O projeto “Scorpene” é, em outras palavras, um modelo convencional reduzido do novo projeto francês do submarino nuclear “Barracuda”. O “Scorpene” traz em seu bojo, muito do desenho de casco do submarino estratégico “Le Trionfant”; inúmeros equipamentos de controle de plataforma, empregados nos submarinos de propulsão nuclear; e sensores no estado atual da arte, integrados ao sistema de combate de última geração, SUBTICS, compatível com o emprego dos torpedos IF 21, “Black Shark”, franco-italiano, Mk 48, americano, e SUT, alemão, e com os mísseis submarino-superfície “Exocet”, SSM 39.
FONTE: PUBLICADO NA REVISTA DO CLUBE NAVAL/2008
NOTA DO BLOG: Publicamos este artigo a pedido do leitor “Marinheiro”. A matéria é do início de 2008, mas mostra bem o pensamento de quem defende o “Scorpène” como a solução para se chegar ao submarino nuclear brasileiro.
É interessante notar que de uma hora para outra o velho discurso da Marinha de que o Brasil tinha alcançado a independência na construção de submarinos (com o lançamento do “Tikuna”) e que a partir daquele momento o Brasil passaria a pertencer ao “seleto grupo de nações” que construíam seus submarinos.
De uma hora para a outra, porém, o IKL-209, o submarino mais vendido no mundo, que compõe a totalidade da atual Força de Submarinos, passou a não prestar, a ter vários problemas.
É preciso ficar claro que por culpa de certos administradores da Marinha é que o Brasil não conseguiu levar adiante o projeto do submarino convencional nacional SNAC-1, que depois virou SMB-10. Foi depois de uma mudança de comando que interrompeu-se, de uma hora para outra, a transferência de know-how para os engenheiros brasileiros.
Foi um evento semelhante ao protagonizado pelo Almirante Henning, que tentou vender as fragatas classe “Niterói” para um país do Oriente, porque assumiu o comando da Marinha e não concordava com os navios adquiridos na administração anterior.
Outra ponto que o almirante Obino toca e que precisa ser esclarecido: o Brasil não alcançou maior índice de nacionalização nos seu IKL-209 porque construiu poucos submarinos. Na América Latina até o Peru tem mais submarinos que o Brasil.
Não adianta dizer que quer nacionalizar componentes se não há escala de produção. Vejam quantos submarinos tem a Turquia, por exemplo, como já publicamos aqui.
Da mesma forma, mudando de fornecedor e construindo apenas 4 submarinos, não haverá escala e o problema da nacionalização de componentes se repetirá. É preciso acabar com a “mentalidade meia-dúzia”, de compra de caças, de submarinos, de mísseis. Comprando “meia-dúzia” de cada ítem é impossível nacionalizar qualquer coisa.
E a história vai se repetir. Vamos pagar uma fortuna aos franceses para fornecerem um submarino que não atende às aspirações da Marinha de colocar um reator dentro dele. Como já disse e repito, o Brasil precisa do “Barracuda” e não do “Scorpéne”.
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