Compras militares à França trazem custos, privilégio e pressupostos que ainda precisam ser muito bem esclarecidos

vinheta-clipping-navalCom a escancarada preferência por caças franceses numa disputa que ainda estava em curso, a gestão Lula repetiu, na área militar, o lamentável enredo da escolha do padrão japonês para a TV digital. Encantadas pelo lobismo, autoridades federais logo abandonam a neutralidade e perdem a latitude necessária para a defesa do interesse público.

Confirmada ontem, não sem surpresa, a compra dos aviões aos franceses será apenas um capítulo -um capítulo de R$ 10 bilhões- numa aproximação bem mais profunda entre Brasília e Paris. Um sorridente Nicolas sarkozy assinou em Brasília a peça principal desse pacto, que trata, entre outros pontos, do fornecimento às Forças Armadas brasileiras de quatro submarinos convencionais e um outro, a ser adaptado ao reator nuclear da Marinha do Brasil.

Numa tacada apenas, comprometeram-se, além dos encargos financeiros, R$ 23 bilhões em recursos do contribuinte, a serem despendidos nos próximos 20 anos. Para ter ideia da dimensão do acordo, seu custo é comparável à soma dos de Jirau e Santo Antônio, as duas grandes usinas hidrelétricas em construção no rio Madeira, em Rondônia.

Não se questionam as prioridades das compras militares. Elas se enquadram no projeto de conferir mais mobilidade, tecnologia e poder de dissuasão às Forças Armadas, a fim de que possam, sem recorrer à mobilização maciça de tropas e recursos, patrulhar com eficiência um país continental. A questão específica é saber, no cotejo entre custos e benefícios, se a aproximação nos termos propostos com a França é mesmo a melhor resposta.

Um dos pontos sempre levantados para tentar justificar a aliança preferencial com os franceses seria a disposição de Paris de transferir tecnologia militar ao Brasil. De fato, há pouco incentivo para comprar de países como os EUA, que costumam bloquear o intercâmbio tecnológico. Mas não se sabe ao certo, por exemplo, que tecnologia será transferida pelos franceses ao custo de quase R$ 3 bilhões.

Outro ponto obscuro do acordo com a França é a contratação, sem licitação, da empreiteira brasileira Odebrecht para construir uma base naval e um estaleiro -obras em que o governo federal comprometeu-se a desembolsar R$ 5 bilhões. As autoridades brasileiras transferem a explicação desse privilégio para o governo francês, do qual teria partido a exigência. Seria anedótico, se não soasse escandaloso.

Ministério Público, Tribunal de Contas da União e Congresso Nacional precisam abrir essa e outras caixas-pretas do acordo com a França. O caráter “estratégico” do pacto não exime o Executivo de prestar contas nos foros adequados.

FONTE: Folha de São Paulo, via Notimp

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