Classe K: direto para o fundo, a todo vapor!
De boas intenções, o fundo do mar está cheio – Parte 1
Esta nova série do Blog do Poder Naval é dedicada a projetos de submarinos que tiveram a intenção de inovar, quebrar tradições, testar novos limites, ou simplesmente resolver desafios táticos e estratégicos com a melhor das intenções. Mas que no fim deram com os burros n´água, literalmente.
A primeira matéria da série é sobre a Classe K inglesa de “submarinos de frota” da Primeira Guerra Mundial, com propulsão a vapor (superficie) e elétrica (submersos), planejada para operar em velocidades de superfície compatíveis com as da frota de batalha inglesa, de 21 nós. Uma história em que misturam-se as urgências, experiências e disputas da guerra, desafios tecnológicos, concepções táticas discutíveis, alguma dose de comédia e, como não podia faltar, muita tragédia.
As discussões sobre como melhor empregar submarinos, nos primórdios da Primeira Guerra Mundial, estavam quentes no Almirantado Britânico. Quentes como a fornalha e o interior dos submarinos Classe K seriam, com sua propulsão a vapor. O poder naval, nas primeiras duas décadas do século XX, era fundamentado na esquadra de batalha, já com seus recém-incorporados encouraçados tipo Dreadnought, capazes de fazer 21 nós, apoiada por navios menores capazes de acompanhá-los. Para parte do Almirantado, parecia natural que ao menos uma parcela da frota de submarinos fosse capaz de se juntar a essa esquadra. Atingir essa velocidade com os motores diesel ainda na infância, seria impossível tecnicamente. A solução era a propulsão a vapor, por meio de caldeiras e turbinas.
À parte os problemas técnicos, havia um problema tático já razoavelmente percebido à época: a identificação amigo-inimigo. Submarinos são baixos e de difícil identificação visual por parte dos navios de superfície. A possibilidade de submarinos operando próximos à frota sofrerem “fogo amigo”, devido ao princípio de “na dúvida, atire primeiro e pergunte depois”, era alta, como já haviam provado os primeiros exercícios conjuntos realizados entre esquadras de batalha e submarinos. A solução para esse problema era afastar os submarinos da frota – e se era para afastar, porque então insistir em que acompanhassem sua velocidade?
Ainda assim, perseverou-se na ideia de “submarinos de frota”, com propulsão a vapor na superfície, e em 1916 foi lançado o experimental e temperamental HMS Swordfish (foto acima). Com os respeitáveis 3.750 hp de suas turbinas, mal chegou a 18 nós, demorava muito para mergulhar, sofria severos problemas técnicos, explosões, e acabou sendo convertido em embarcação de superfície.
Mas os almirantes defensores da ideia dos “submarinos de frota” não desistiram. O Swordfish apenas aumentou o apetite dessa facção pois, apesar do fracasso, ele apontou para soluções que foram empregadas na Classe K, da qual nada menos que dezessete embarcações foram entregues. Eram os maiores e mais velozes submarinos já construídos.
Aprimorou-se tecnicamente o conceito, acrescentando-se pequenos motores diesel para facilitar manobras no porto e próximas à costa. Suas turbinas, alimentadas por caldeiras que queimavam quantidades nada desprezíveis de óleo, forneciam respeitabilíssimos 10.500 hp, fazendo com que a Classe K atingisse nada menos que 24 nós na superfície. O tempo de mergulho melhorou muito, para um submarino a vapor. Em relação a suas contrapartes “convencionais”, ainda deixava a desejar – dizia-se que dava tempo mais do que suficiente para o comandante percorrer a superestrutura e verificar se as chaminés estavam seladas, antes de fechar a escotilha de entrada.
O deslocamento dos submarinos Classe K era de 2.565 toneladas submersos (1.883 na superfície). Mediam 103 metros de comprimento, com 8,1m de boca. Eram equipados com 4 tubos de torpedo de 18 polegadas à proa com outros 4 à popa, além de dois canhões de 4 polegadas e um de 3 polegadas.
Os maiores problemas relacionavam-se ao seu grande comprimento, ditado pelo espaço da maquinaria e pelo formato do casco para altas velocidades de superfície, que tornava as unidades da classe difíceis de manobrar quando submersas. Para completar, as qualidades marinheiras quando emersas também se mostraram ruins, com a proa tendendo a afundar em velocidades elevadas – a solução foi reconstruir as proas, bem mais altas. Por fim, quando em mar grosso, a água podia entrar pelas chaminés, apagando as caldeiras.
Dez exemplares da classe juntaram-se em bloco à frota, em janeiro de 1918. Sua operação foi nula em realizações, mas pródiga em acidentes, com exemplares afundando em provas de mar, colisões, ou por exceder a cota máxima de profundidade. Um deles chegou a afundar quando atracado.
No acidente mais grave, numa operação noturna em que se combinaram baixa visibilidade e alta velocidade, o leme do K22 travou para boreste, fazendo com que o submarino colidisse com o K14. Seguiu-se uma série de outras colisões por toda a formação, que culminaram na perda do K4 e do K17, com todos os seus tripulantes, e danos de monta aos demais.
Algumas fontes indicam que o primeiro culpado pela série de abalroamentos foi o cruzador HMS Fearless, e não o K22. Porém, o incidente mostrou claramente os riscos envolvidos na operação de frágeis submarinos em conjunto com a frota, em velocidades elevadas. Ainda assim o último da série, o K26, aprimorado e com maior porte (impressionantes 2.770 toneladas), foi completado em 1923, sendo descomissionado em 1931. Seus predecessores foram descomissionados ao longo da década de 20.
Mas os ingleses ainda insistiriam um pouco mais no conceito de “submarinos de frota”, como veremos mais adiante nesta série – na qual submarinos ingleses baterão ponto com razoável frequência.