Tipo XIV: as vacas leiteiras que foram pro brejo
De boas intenções, o fundo do mar está cheio – Parte 3
A ideia era genial, e bem a calhar com a estratégia alemã para seus U-Boat na Segunda Guerra Mundial: desenvolver um submarino capaz de abastecer outros, aumentando a permanência dos caçadores no teatro de operações. E a ideia foi bem-sucedida no início, mas logo os caçadores estavam virando caça, e seus abastecedores, literalmente “carne de vaca” para aviões aliados.
O Tipo XIV foi o primeiro design dos alemães concebido já em tempo de guerra (os demais tipos em operação haviam sido desenvolvidos no pré-guerra). Tinham praticamente o mesmo comprimento dos onipresentes VIIC (67,1 metros, comparado a 66 metros), mas o casco era muito mais profundo, deslocando 2.300 toneladas submerso (mais do que o dobro de um VIIC), dando uma capacidade de 432 toneladas de óleo para transferência (além das 203 toneladas para consumo próprio). As vacas leiteiras não eram equipadas com tubos de torpedo, mas externamente levavam quatro “peixes” para transferir aos seus clientes. Armamento, só canhões para defesa antiaérea. Mas que foram poucos, comparados ao que estava por vir.
Uma das grandes desvantagens do conceito residia em seu próprio sucesso, que os aliados rapidamente descobriram: tornaram-se prioridade número 1 das patrulhas aéreas de longo alcance dos aliados, que intensificavam-se em 1943. E, por serem “vacas” curtas e gordas (mas que ainda assim manobravam bem), tinham o defeito do relativamente elevado tempo para submergir, levando-se em conta que, para conseguir fugir aos ataques aéreos, os Tipo VII realizavam seus mergulhos em parcos 30 segundos.
Surpreendidas na superfície, as vacas leiteiras não conseguiam mergulhar em tão pouco tempo. Com seu armamento antiaéreo insuficiente (mas que ao menos numa ocasião chegou a abater um atacante, apesar do afundamento do submarino), não respondiam à altura as ameaças não previstas para surgirem tão longe de bases terrestres aliadas. É certo que não levaria muito tempo para reequipar as vacas com mais eficazes “jardins de inverno” (extensões da superestrutura / vela dotadas de mais armas antiaéreas), mas esse tempo não estava a favor dos Tipo XIV. O desastre foi rápido: três unidades foram perdidas em um período de apenas seis dias em julho de 1943. Dos 10 Tipo XIV construídos (comissionados entre o final de 1941 e o início de 1942), apenas dois estavam flutuando na virada do ano para 1944. E antes desse ano chegar à metade, nenhum mais restava.
Com a quebra dos códigos alemães revelando segredos dos encontros de abastecimento dos submarinos, tornou-se mais fácil fazer com que a desgraça caísse, ao mesmo tempo, sobre os que mamavam em suas tetas: A vaca leiteira U-460 foi pega por aviões aliados enquanto estava cercada por três sedentos Tipo VII, em outubro de 1943. A vaca foi pro brejo junto com um de seus bezerros. Outro foi danificado, e um fugiu. Como resultado do repentino fracasso de uma estratégia cheia de boas intenções, mas com riscos que se tornaram inaceitáveis e levaram as vacas para o fundo do mar, a construção de outros dez Tipo XIV foi interrompida, e sucessores ainda maiores, os Tipo XV e XVI de 5.000 toneladas, foram sabiamente cancelados.
Esta série do Blog do Poder Naval é dedicada a projetos de submarinos que tiveram a intenção de inovar, quebrar tradições, testar novos limites, ou simplesmente resolver desafios táticos e estratégicos com a melhor das intenções. Mas que no fim deram com os burros n´água, literalmente.
Veja os artigos anteriores da série: