Reparação de guerra
Parentes de brasileiros mortos por ataques nazistas na costa do Rio de Janeiro na Segunda Guerra querem indenização do governo alemão
Claudio Dantas Sequeira
Na Segunda Guerra Mundial, foram a pique 33 embarcações brasileiras em ataques de submarinos da Alemanha nazista. E, apesar do saldo de mais de mil mortos, até hoje nenhuma das famílias das vítimas – muitas delas civis – recebeu qualquer reparação por parte do Estado alemão, como ocorreu com civis de outros países por onde a máquina de guerra nazista marcou sua passagem com destruição e mortes. Essa história, no entanto, pode ser reescrita. Está na mesa do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, a polêmica causa do barco Changri-lá. Um pequeno navio pesqueiro que foi torpedeado na manhã de 22 de julho de 1943, no litoral de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, pelo submarino alemão U-199. Os corpos dos dez pescadores que estavam a bordo nunca foram encontrados.
“É uma obrigação da Alemanha indenizar os familiares dos mortos”, diz o advogado Luiz Roberto Leven Siano, especialista em direito marítimo que assumiu voluntariamente o caso. Filha do pescador José da Costa Marques, comandante do Changri-lá, Josefa Marques Cardoso tinha dez anos na época do ataque. “Foi muito difícil. Perdi meu pai e meu irmão Zacarias”, conta. Irmã de outro pescador morto, Etelvina de Navarra Porto emociona-se ao lembrar do episódio. “Meu pai ficou doente com a morte do Joaquim e dois anos depois também faleceu”, diz. O advogado Leven Siano pede o pagamento de até R$ 6 milhões por danos morais.
Leven Siano entrou com a primeira ação na Justiça em 2003, depois que um pesquisador descobriu provas da ação do U-199 e a Procuradoria da Marinha resolveu reabrir o caso. Após perder em primeira instância, o advogado recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça. Os ministros do STJ ficaram divididos em torno do eventual direito da Alemanha de não se submeter à jurisdição brasileira. Para o ministro Fernando Gonçalves, por exemplo, o assassinato dos pescadores é considerado um “ato de império”, imune a eventuais processos em outro país. Mesmo assim, determinou que o Estado alemão seja intimado a manifestar-se. O ministro Luís Felipe Salomão pensa diferente e defende o julgamento. “Naquele período, já se encontrava vigente o regime instituído pela Convenção de Haia, de 1907, que confere especial importância à proteção dos não combatentes”, escreveu Salomão.
A tese, segundo Leven Siano, ganha respaldo na postura adotada pela própria Alemanha nos Julgamentos de Nuremberg. “Ela renunciou ao direito de imunidade, a fim de se submeter aos processos com vítimas estrangeiras atingidas fora das fronteiras alemãs”, afirma o advogado, cuja artilharia inclui 11 recursos legais e cartas à Marinha. O impasse no STJ levou o caso ao STF. O ministro Ayres Britto espera agora um parecer da Procuradoria-Geral da República para elaborar seu voto. Já o governo alemão não se pronunciou.
FONTE: Revista IstoÉ, via sinopse diária