O mais longo de todos os programas – parte 2
(se você ainda não leu a primeira parte deste texto clique aqui)
por Guilherme Poggio
Quanto tempo os países levaram para desenvolver o primeiro submarino nuclear?
Esta pergunta não possui uma resposta simples, direta e objetiva. Depende de uma série de fatores, incluindo o momento histórico. Também não é possível traçar uma relação direta entre o tempo que se gastava para projetar um submarino 50 anos atrás e os dias atuais. Mas é interessante analisar como as outras nações desenvolveram os seus primeiros programas e quanto tempo cada uma levou.
Grosso modo, o desenvolvimento dos submarinos nucleares no mundo pode ser dividido em três grandes momentos. O primeiro deles ocorreu logo após o término da II Guerra Mundial, quando os principais vencedores (EUA, URSS e Reino Unido) pesquisavam o desenvolvimento da energia nuclear e sua aplicação em navios e submarinos. O desenvolvimento foi rápido e estas nações gastaram entre nove e treze anos para lançarem ao mar o seu primeiro submarino de propulsão nuclear.
Coube aos EUA a primazia do projeto e desenvolvimento do primeiro submarino nuclear do mundo. O USS Nautilus foi lançado ao mar em 1954, menos de nove nos após o término da II Guerra Mundial. Quatro anos depois foi a vez da URSS lançar ao mar o K-3 “Leninskiy Komsomol” (classe November/Project 627). Mesmo os britânicos, que suspenderam os trabalhos com propulsão nuclear entre 1952 e 1955, lançaram o HMS Dreadnought em 1959, depois de 13 anos no início dos estudos (e com ajuda norte-americana).
O segundo momento histórico ocorreu na década de 1960, quando duas potências nucleares em ascensão (França e China) entraram para o “clube dos submarinos nucleares”. Na época os franceses buscavam maior independência em relação à OTAN e os chineses procuravam o seu próprio espaço entre as duas superpotências. Estes dois países gastaram perto de 15 anos de pesquisas até que os primeiros submarinos nucleares fossem lançados ao mar. A construção da primeira unidade nuclear da França, o Le Redoutable, foi autorizada em 1963, entrando em operação em 1971. A China continental também realizou os seus estudos ao longo da década de 1960, lançando o Han (Tipo 091) ao mar em 1974.
Atualmente vivemos o terceiro momento, onde antigos países do Terceiro Mundo (atualmente classificados como países em desenvolvimento) lutam para desenvolver seus próprios submarinos nucleares. Este grupo de países é formado pela Índia, Brasil e Argentina.
É natural que os países da terceira onda tivessem uma dificuldade maior no projeto e na construção de submarinos nucleares. São países que não possuem tradição na construção de submarinos convencionais e que desenvolveram seus programas nucleares tardiamente em relação às nações citadas anteriormente.
A Argentina decidiu praticamente congelar seus estudos no campo dos submarinos nucleares por total falta de recursos financeiros. Sobraram Índia e Brasil. A Índia, que iniciou seus estudos mais ou menos na mesma época do programa brasileiro (década de 1970), já lançou o casco do primeiro submarino nuclear ao mar depois de mais de 30 anos de trabalhos. O Brasil, por outro lado, ainda não definiu o projeto do casco.
De quem é a culpa?
Como pode ser visto acima, o Brasil já teve tempo mais do que suficiente para desenvolver o seu submarino nuclear. Mesmo descartando qualquer comparação com outros programas existentes no mundo, 30 anos é tempo bastante para o desenvolvimento de qualquer programa militar. No entanto, os resultados foram modestos, descontando-se a área do domínio do ciclo do combustível. Por que?
Está claro que, da parte da Marinha, houve planejamento e que o mesmo foi traçado desde o começo de forma bastante lúcida, com etapas claras e evolução contínua. Porém, o plano traçado inicialmente sofreu diversas modificações em função das dificuldades que foram surgindo ao longo do tempo. Nada mais natural em um campo onde se desenvolvem pesquisas de base.
Mas o que realmente prejudicou o desenvolvimento do submarino nuclear nacional foi a falta de um fluxo de recursos constante e adequado. O fluxo de recursos inconstante levou sempre à necessidade de novos planejamentos, gastando-se mais tempo e os escassos recursos replanejando o programa.
E o dinheiro apareceu
No dia 2 de setembro passado o Senado Federal aprovou o empréstimo de 4,32 bilhões de euros, de um total de 6,7 bilhões, que serão utilizados no Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos ). O acordo com a França foi efetivamente assinado no dia seguinte à aprovação e envolve:
- Compra do Pacote de Material e Logístico para os 4 (quatro) Submarinos Convencionais (S-BR);
- Construção dos 4 S-BR;
- Projeto e Construção do Submarino com Propulsão Nuclear (SN-BR) – este contrato incorpora a compra do pacote de Material e Logístico para o SN-BR;
- Compra de Torpedos e Despistadores;
- Projeto e Construção de um Estaleiro e de uma Base Naval;
- Administração, Planejamento e Coordenação do Projeto e da Construção do SN-BR;
- Transferência de Tecnologia;
- e OFFSET.
O Prosub nada mais é do que a etapa mais recente desse constante replanejamento. Até 2007 o Prosub simplesmente não existia e o programa do submarino nuclear navegava vagarosamente por outros caminhos.
O Prosub é, em última análise, uma tentativa de sanar a incapacidade brasileira de projetar e construir seu próprio submarino nuclear devido à inconstância de recursos que o programa viveu desde a sua criação. Como ao longo dos últimos 30 anos o programa não teve recursos suficientes para financiar projetos de pesquisa e desenvolvimento, o Brasil teve que arcar com uma “solução importada”.
Envolvimento da sociedade
Acontece que só a questão financeira não se justifica, embora seja a mais importante. O programa nuclear da Marinha, de tão secreto, foi colocado à margem da sociedade durante muitos anos. Não houve debate, não houve justificativa, não houve esclarecimento ao cidadão. A Marinha tocou o projeto sem o aval da sociedade. Esta é uma filosofia em linha com a geopolítica reinante nos idos da Guerra Fria e de um país que vivia num Estado de exceção.
Mas o país democratizou-se e a Marinha entendeu que para brigar pelas verbas do programa deveria se associar ao cidadão brasileiro e apresentar os pontos positivos do programa. Desde o momento em que o Prosub foi assinado isto foi percebido pelas altas autoridades. Mesmo porque a ‘chave do cofre’ está nas mãos dos civis. O que ocorre hoje em dia é uma corrida atrás do tempo perdido, para esclarecer e obter o apoio da sociedade civil.
A pergunta que fica é a seguinte: haverá tempo suficiente para demonstrar à sociedade a importância deste programa e a necessidade de se manter o alto fluxo de recursos por um longo prazo, independentemente das oscilações econômicas? Caso a resposta seja negativa, entraremos novamente no nefasto ciclo que perdura nestes 30 anos.