O Laboratório de Radar e Guerra Eletrônica da Escola Naval
Por CC(CA) Roger Pinesso da Silva, artigo publicado na Revista de Villegagnon 2009.
Em uso desde a década de 1930, o radar ainda pode ser considerado um dos instrumentos que mais ampliam os sentidos humanos. Com um radar pode se enxergar na escuridão, medir com precisão a posição e a velocidade de objetos e tempestades, prevenir colisões, obter alarme antecipado sobre ameaças a longas distâncias e muito mais. Em poucas palavras, os radares permitem ao homem aumentar o alcance de sua visão, a partir da manipulação das ondas eletromagnéticas.
Consequentemente, os radares tem largo emprego em quase todo o mundo, constituindo uma extensão da nossa capacidade de perceber situações complexas. São ferramentas tão poderosas que sua utilidade não pode ser ignorada, principalmente no meio militar.
Sun Tzu, General Chinês, que viveu em 500AC, afirmou que “aquele que conhece o inimigo e a si mesmo, ainda que em cem batalhas, nunca correrá perigo […] aquele que não conhece o inimigo nem a si mesmo correrá perigo em todas as batalhas.” Certamente ele teria tirado muito proveito do radar, caso dispusesse de um naquela época.
O radar representa bem o significado da expressão “Conhecer é Poder”. Em primeiro lugar, o radar integra vasta gama de conhecimento tecnológico em seu projeto, construção, manutenção e operação.
Podemos citar cronologicamente alguns dos famosos nomes da ciência, cujas criações convergiram para o surgimento do radar:
(a) Descartes – Geometria Analítica;
(b) Fourier – Decomposição de Sinal;
(c) Newton – Cálculo e Dinâmica;
(d) Doppler – Relação entre Frequência e Velocidade Relativa;
(e) Maxwell – Eletromagnetismo;
(f) Marconi – Rádio; e
(g) Watt – Radar Meteorológico.
A consagração do radar viria com o sucesso da rede de radares e de comunicações, organizada pelo Marechal Dowding, que muito contribuiu para salvar a Grã-Bretanha da tentativa de invasão alemã na Segunda Guerra Mundial.
O radar pode fornecer os dados de posicionamento necessários ao desempenho de uma vasta gama de atividades que vão desde a navegação e a segurança de voo até a monitoração ou o engajamento de alvos como aeronaves, navios, viaturas, estruturas de terra, mísseis e satélites. Pode ainda ser usado no acompanhamento de tempestades e no sensoriamento remoto de grandes áreas a partir de satélites. Portanto, o radar constitui peça fundamental de vários sistemas relevantes para sociedade atual, empregado desde a defesa militar até a prevenção de acidentes em aeroportos, rodovias e hidrovias.
O emprego de tão valioso instrumento não poderia deixar de ser entendido detalhadamente por aqueles que virão a usá-lo, seja em projetos, seja em operações militares ou mesmo no cotidiano. Tal fato torna muito oportuna a aquisição pela Escola Naval (EN) de um radar de treinamento. Equipamento esse especificamente desenvolvido para o estudo, em laboratório, do funcionamento e da aplicação de diversos sistemas de radar e de Guerra Eletrônica.
O Radar e a Guerra Eletrônica
A palavra radar vem do termo “RADIO DETECTION AND RANGING”, cujo significado é a detecção e determinação da distância por intermédio das ondas de rádio do espectro eletromagnético. As principais informações fornecidas pelo radar são a distância, a direção (marcação), a altitude e a velocidade de alvos acima d’água, no ar e em terra, ou até mesmo no espaço, caso o radar seja adequado. O seu funcionamento baseia-se na reflexão das ondas eletromagnéticas nas superfícies dos objetos. Seu transmissor emite periodicamente um conjunto de ondas, denominado pulso, para a direção em que está apontada sua antena.
A antena do radar gira para que seja possível determinar a marcação do alvo, ou seja, sua direção. No instante em que a antena alinha-se com esse alvo, ela pode percebê-lo pela recepção do eco do pulso de ondas eletromagnéticas emitidas originalmente pelo radar.
Por sua vez, a distância do alvo (D) é obtida a partir da medição do período de tempo (T) que esse pulso de ondas leva para viajar até o alvo e voltar para a antena do radar, bastando aplicar a fórmula: D = T x V/2, onde D é a distância radar-alvo, T é o tempo de ida e volta do pulso e V é a velocidade das ondas eletromagnéticas.
O processo de medida da distância é praticamente instantâneo, pois essas ondas se propagam simplesmente na exorbitante velocidade da luz. Uma chave seletora dos circuitos do radar permite que a antena transmita e receba tais pulsos, bloqueando o receptor enquanto transmite e inibindo a transmissão enquanto recebe.
Entre várias classificações, podemos distinguir dois tipos básicos de radares militares: busca e direção de tiro.
Os radares de busca destinam-se principalmente à apresentação das informações de posição de alvos acima d’água para a compreensão da situação tática e disseminação antecipada de ameaças, ampliando as capacidades humanas naturais de observação e vigilância.
Os radares de direção de tiro têm por objetivo transmitir, em tempo real, os dados precisos de posição dos alvos aos demais componentes do sistema de armas, contribuindo para a solução do problema de tiro.
Os radares podem ter seu funcionamento perturbado ou mesmo impedido por meio de específicas ações de Guerra Eletrônica, denominadas Medidas de Ataque Eletrônico (MAE), executadas a partir das mais diversas plataformas como navios, aeronaves, submarinos, foguetes, mísseis, satélites, veículos terrestres e até mesmo equipamentos portáteis das tropas.
As MAE abrangem tanto técnicas destrutivas, denominadas “hardkill”, quanto as não destrutivas, “softkill”. As técnicas destrutivas implicam letalidade e capacidade de infligir danos ao material, podendo envolver:
(a) Mísseis Antirradiação – HARM, “Highspeed Anti-Radiation Missiles”, criados para se dirigirem velozmente sobre fontes de energia eletromagnética dos sistemas de radar alvejados;
(b) Armas de Energia Direcional – DEW, “Directed-Energy Weapons” representadas por canhões LASER (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation), canhões de micro-ondas ou de feixe de partículas, disponíveis nos arsenais de alta tecnologia. São armas que emitem energia na direção apontada e não empregam munição de projétil. Muitas das Armas de Energia Direcional são efetivamente reais ou estão em desenvolvimento.
As técnicas não destrutivas, embora mais antigas, têm ainda grande importância, pois permitem explorar eficientemente o fator surpresa, geralmente a custos mais baixos. Dentre as MAE não destrutivas destacam-se a Supressão por Bloqueio Mecânico e por Bloqueio Eletrônico, o Despistamento Mecânico, o Despistamento Eletrônico e a Furtividade, as quais podem ser simuladas e estudadas no laboratório de radar da Escola Naval.
A Supressão é feita por interferência lançada sobre as ondas eletromagnéticas irradiadas pelo oponente.
Pode ser realizada por intermédio do Bloqueio Eletrônico que emprega a deliberada irradiação, reirradiação ou reflexão de energia eletromagnética, com o propósito de restringir ou anular o desempenho de sistemas eletrônicos em uso pelo inimigo. O outro tipo de Supressão, o Bloqueio Mecânico, usa a nuvem “chaff”, formada por leves tiras de metal que podem ser lançadas por aeronaves, navios, granadas, ou foguetes especialmente preparados. Funcionam como refletores, produzindo na tela do radar-vítima uma confusão de ecos e a negação do acompanhamento de alvos.
A Supressão tem como efeitos desejados:
(a) o impedimento da solução de tiro;
(b) a dificuldade do controle tático;
(c) a perturbação da direção e do controle de mísseis;
(d) o comprometimento da confiabilidade do controle aéreo inimigo.
Entretanto, apresenta importantes limitações a serem consideradas:
(a) a possibilidade de detecção por equipamentos passivos de Medidas de Apoio à Guerra Eletrônica (MAGE);
(b) a proteção eletrônica nos equipamentos inimigos;
(c) a possibilidade de interferência em equipamentos de unidades amigas;
(d) a difícil comprovação de sua eficácia por quem emprega a supressão.
O Despistamento engloba tanto técnicas ativas, quanto passivas, e visa a levar o oponente a interpretar incorretamente os sinais eletromagnéticos recebidos. É realizado por irradiação, reirradiação, alteração, absorção ou reflexão de energia eletromagnética com o propósito de induzir o inimigo ao erro na interpretação ou no uso da informação recebida.
Pode empregar despistadores constituídos ou por refletores mecânicos ou por circuitos eletrônicos.
A Tecnologia Furtiva, “Stealth Technology” em inglês, trata da capacidade de ocultação de alvos ao radar.
É intimamente ligada ao desenvolvimento e à construção de plataformas tais como navios e aviões. Explora dois princípios básicos: a absorção de ondas eletromagnéticas por materiais e o uso de geometria apropriada para espalhar tais ondas. A absorção e o espalhamento das ondas eletromagnéticas evitam que o eco eletromagnético chegue ao receptor do radar adversário com força suficiente. Assim, o alvo torna-se invisível ao radar a distâncias suficientes.
As Medidas de Proteção Eletrônica (MPE) foram desenvolvidas para se contrapor às Medidas de Ataque Eletrônico na contínua evolução dos meios e das táticas de combate.
As MPE podem ser:
(a) evasivas, cuja execução visa a manobrar a unidade, mantendo-a fora do alcance de detecção do inimigo ou aproveitando a presença de outros alvos para esconder-se;
(b) de controle de irradiações, para evitar ações inimigas; e
(c) pela integração de sistemas eletrônicos aos radares especialmente criados para garantir que sua operação não sofra interferências.
As MAE e MPE de Guerra Eletrônica apresentadas podem anular pesados esforços e gastos em sistemas de radares defensivos ou mesmo ofensivos, e devem ser muito bem conhecidas para que possam ser evitadas ou praticadas com sucesso.
O Laboratório de Radar na Escola Naval
As ondas emitidas pelo radar viajam na velocidade da luz, 300.000 km/seg, exigindo extrema rapidez para perceber o efeito do retorno do sinal refletido pelos alvos. Ao mesmo tempo, o radar deve irradiar grande quantidade de energia, a fim de detectar objetos distantes.
Esses dois pontos requerem um sistema especialmente projetado para a prática de ensino com radar na escala de laboratório.
Dada a importância do domínio do conhecimento envolvido na Guerra Eletrônica, a Escola Naval adquiriu um Sistema de Treinamento Radar de fabricação canadense (LABVOLT, 2006).
O objetivo é dinamizar a formação dos Aspirantes nesta área. Mostra-se também um instrumento de grande utilidade para a pesquisa tecnológica. Em operação normal, os níveis de radiação deste sistema de treinamento radar são muito baixos para serem considerados perigosos. A potência irradiada no modo CW, “continuous wave”, é normalmente de 2mW.
Muito menor que os 60W das lâmpadas caseiras e os 700W dos fornos de micro-ondas domésticos.
Além disso, esse radar de laboratório trabalha em frequências na faixa de 8 a 10 GHz, bastante fora da banda de cozimento de alimentos. A máxima densidade de potência produzida pelo treinador radar da EN é 0,08 mW/cm².
De qualquer modo, mesmo com sistemas considerados seguros, é muito importante desenvolver hábitos de segurança ao estudar sistemas de radar, pois o radar de laboratório é apenas um modelo dos potentes radares de uso comum. Embora as micro-ondas sejam invisíveis, elas podem ser perigosas a altas potências ou por longo tempo de exposição. A regra mais importante ao manipular as micro-ondas é evitar a exposição a níveis perigosos de radiação. Muitas avarias em equipamentos e acidentes são causadas por má condução. Assim, antes de ligar o treinador radar ou qualquer outro radar, os procedimentos de operação e manutenção, previstos em manual, deverão ser observados cuidadosamente.
Capaz de demonstrar desde os princípios de funcionamento dos radares até as modernas medidas de proteção e ataque eletrônicos (MPE e MAE), nosso novo radar de laboratório pode prover experiências valiosas de ensino e simulação aos Aspirantes, Professores e Instrutores. A precisão e a quantidade de recursos desse sistema ampliam sobremaneira seu potencial, tornando-o também plenamente aplicável aos cursos mais avançados e às pesquisas de cunho tecnológico.
O Laboratório Radar e seus equipamentos também são excelentes instrumentos de demonstração e estudo do emprego da eletrônica em ações táticas consagradas, servindo como ferramenta para despertar a motivação dos Aspirantes tanto para os estudos técnicos, quanto para as Operações Navais.
Um conjunto de sete publicações detalham muitos aspectos técnicos e servem de apoio ao Professor, contribuindo para melhor preparação das aulas, demonstrações, simulações, pesquisas e apresentações.
Diversas ilustrações facilitam a conexão dos módulos pelo professor e ajudam a orientar as observações dos estudantes. Ao longo do procedimento, questões guiam a atenção e o raciocínio dos estudantes e auxiliam a compreensão dos princípios envolvidos.
Acompanha o radar um conjunto de doze alvos em diferentes formatos. O laboratório dispõe de dois projetores, telas de monitoração e apresentação, duas antenas, mesa de alvos, módulo de guerra eletrônica, controle remoto, maquete “stealth” e simulador de “chaff”.
Conclusão
Os estudos, com tal disponibilidade de recursos e métodos, certamente tornam as práticas educacionais empolgantes e muito proveitosas. Além disso, abrem-se possibilidades de parcerias com instituições e centros de desenvolvimento de tecnologia para emprego do sistema. Nas primeiras apresentações e aulas no laboratório de radar, pôde-se verificar que o uso deste ambiente de ensino técnico e científico enriquecerá sobremaneira a formação dos Oficiais de Marinha.O domínio de tal conhecimento contribuirá decisivamente para a garantia da maior eficiência possível do sistema de vigilância de áreas de interesse nacional.