Réplica do coronel Paulo Ricardo da Rocha Paiva para o Poder Naval
A seguir apresentamos na íntegra a réplica do referido coronel referente aos comentários feitos sobre a “nota do editor” presente ao final do texto Marinha do Brasil, destemor e desmanche em desdita.
_Prezado editor, se me chamou assim, vou tratá-lo com a mesma educação. Não quis subtrair,muito pelo contrário, quis somar. O senhor não vai me levar a mal, mas nossa Marinha pode até ter algum poder naval, mas só se tomado em consideração a armadas sul-americanas. De modo que não adianta eu querer me aprofundar no assunto quando não o evidenciamos/ apresentamos ainda frente aos seus correspondentes na “gang dos 5 encastelada no CDS/ ONU”, aqueles que vão, sim, nos ameaçar de uma hora para outra, é só esperar. Todavia, quando e se este poder for evidenciado de alguma forma, se o senhor quiser me ensinar, estarei pronto para aprender com o graduado pela Escola de Guerra Naval. Quanto à História da MB, realmente não a domino em profundidade, entretanto, exerci já faz algum tempo a função de Instrutor Chefe da Seção de História Militar em Agulhas Negras e o desafio a especificar aonde errei no texto com relação a algum dado pertinente à saga de nossa gloriosa Marinha. Meu caro editor, não me leve a mal, eu ouvi falar em Tamandaré e em Marcílio Dias ainda no tempo da “escola pública”, década de 1950, talvez o senhor ainda nem tivesse nascido ainda. Quanto à coletânea das atualidades da Marinha, que bom que o senhor as domine, porém, para enfrentar a “esquadra de uma coalizão de marinheiros universais”, mesmo se tomadas em conjunto, as tais atualidades não vão dar nem para sair.
Prezado Coronel
Em nome do Poder Naval agradeço sua manifestação e o fato de ter entrado em contato conosco para expor as devidas réplicas. Gostaria de lembrar que este é um espaço para debates e a nossa missão, conforme exposto na aba lateral, é “difundir e discutir a tecnologia e história das Marinhas de Guerra e Mercante, para incentivar o debate e a reflexão, colaborando na disseminação da mentalidade marítima e no fortalecimento do Poder Naval do Brasil.”
Infelizmente não será possível discorrer sobre tudo de uma única vez e, portanto, ficarei limitado apenas uma questão histórica presente no texto original. Com o propósito de organizar as ideias, destaco a seguir duas passagens do artigo original para uma melhor compreensão do texto que segue logo abaixo.
Quanto à História da MB, realmente não a domino em profundidade, […] desafio a especificar aonde errei no texto com relação a algum dado pertinente à saga de nossa gloriosa Marinha.
“Há quem diga: nossa marinha de guerra já foi a terceira do mundo. Mas isso foi nos
tempos do Império (…)”
Infelizmente o “há quem diga” está completamente enganado. Nunca houve um período da história naval onde a Marinha do Brasil tenha, se quer, chegado perto das três maiores marinhas do mundo. Este é um bordão sistematicamente repetido por aqueles que nada entendem de Poder Naval e nunca tiveram o trabalho de “mergulhar profundamente” nos dados e nas informações históricas.
Na verdade, o que os ufanistas clamam como a “terceira marinha do mundo” seria a esquadra proposta pelo Ministro Júlio de Noronha em 1904, modificada pelo Ministro Alexandrino em 1906. O programa ficou limitado a dois dreadnoughts, dois scouts cruisers e dez destroyers. Este conjunto de navios ficou eternamente conhecido como a “esquadra de 1910”, ano de sua chegada ao Brasil.
Aqui nós já temos um erro histórico. Como é de conhecimento geral e o senhor deve se lembrar ainda no tempo da “escola pública”, na década de 1950, a Proclamação da República ocorreu no ano de 1889. Sendo esta a esquadra de 1910, ela não pertenceu ao Império, mas sim à República.
Mas voltemos à questão das “maiores marinhas do mundo”. Uma das prováveis origens desta afirmação ufanista pode ter caráter exógeno. Artigos publicados nos Estados Unidos da América na primeira década do século XX demonstravam a suposta fragilidade da US Navy frente às marinhas de outros países. Em um destes artigos foi dito que a US Navy ficaria atrás até mesmo da Marinha do Brasil, que havia encomendado “os mais avançados dreadnoughts” daquela época. Tal afirmativa, feita pelos árduos defensores da doutrina Mahan, tinha apenas caráter propagandístico, uma forma de chamar a atenção das autoridades norte-americanas para a questão.
A chegada dos dois encouraçados brasileiros (o São Paulo e o Minas Geraes, cuja foto abre este ‘post’) em 1910 representou a introdução do dreadnoughts na América do Sul. Mas o nosso reinado foi curto. Quatro anos depois chegou à Argentina o Rivadávia, seguido pelo Moreno no ano seguinte. Estes dois navios, além de serem uma resposta aos navios brasileiros, incorporavam melhoramentos tecnológicos frutos do rápido desenvolvimento daquela época.
E exatamente pelo rápido desenvolvimento tecnológico que em pouco menos de quatro anos nossos dreadnoughts já estavam obsoletos. Os encouraçados europeus, norte-americanos e japoneses possuíam turbinas a vapor com caldeiras queimando óleo (e não mais carvão), canhões de maior calibre, além de diretoras de tiro aperfeiçoadas.
Mas vamos ao números. Se a liderança naval brasileira já era contestada no continente, o que dizer em relação ao resto do mundo? A Royal Navy mantinha a sua histórica liderança mundial frente às outras nações, alinhando mais de 20 encouraçados modernos, todos construídos após o próprio HMS Dreadnought.
Neste grupo estavam a US Navy (com os dois South Carolina, dois Delaware, dois Florida, dois Wyoming, dois New York e outros encouraçados construídos após 1915), a Alemanha (quatro Nassau, cinco Kaiser e os quatro Konig, além de diversos cruzadores de batalha), a França (seis pré-dreadnought Danton e quatro Coubert e a classe Provence pós-1915), o Japão (com dois Settsu e dois Fuso completados durante a guerra) e a Rússia (quatro Gangut completados em 1914). Até mesmo a marinha do Império Austro-Húngaro (com seus quatro Tegetthoff) tinham um poder bélico superior. Deve-se lembrar também que alguns anos depois a Espanha colocaria em ação os três limitados Espana, porém, de construção local.
A comparação poderia seguir em frente com outras unidades navais como cruzadores e cruzadores de batalha, mas não alteraria o quadro geral. E mesmo que a Marinha do Brasil tivesse um número fantástico de unidades, faltava a ela infraestrutura para dar a devida manutenção aos novos navios e elemento humano em quantidade e qualidade para operá-los. Como bem pode ser visto pelos rápidos dados expostos acima, o Marinha do Brasil não estava nem perto das três maiores marinhas naquela época.
Infelizmente o tempo é curto e o espaço também. O assunto é interessante e contagiante, mas vou me contentar somente com o exposto acima. Em uma outra oportunidade debaterei outros pontos do texto.
O Poder Naval se coloca à disposição para quaisquer manifestações ou opiniões, favoráveis ou contrárias, mas que possam colaborar para o debate e para a reflexão do tema, com o propósito de fortalecer o Poder Naval do Brasil.
Guilherme Poggio – Editor