Como foi traçado o plano de invasão das Falklands

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Há trinta anos, Argentina ativava o Plano Goa

 

Guilherme Poggio

As linhas mestras do plano militar argentino para invadir as ilhas Falklands, que se consumou em 1982, foram traçadas ainda na década de sessenta por um jovem e ambicioso oficial da marinha argentina conhecido como Capitão Anaya. Inspirado e, ao mesmo tempo impressionado com a campanha da Índia em retomar os enclaves portugueses em seu subcontinente, Anaya deu ao plano o codinome Goa.

A inspiração que veio da Índia

De todas as antigas potências ultramarinas européias, Portugal uma das últimas a abandonar suas colônias, mostrando maior determinação em mantê-las sobre seus domínios. Dentre estas estavam Damão, Diu e Goa, que, jutas, formavam a Índia Portuguesa.

A partir de 1955, ondas de satyagrahis (grupos que lutavam pela libertação de Goa de forma pacífica) começaram a chegar a Goa vindos da Índia. Num primeiro momento, os indivíduos desses movimentos foram deportados para o seu país de origem pelas autoridades portuguesas. Com o passar do tempo, o movimento dos satyagrahis ganhou força e simpatia da população e do Governo indiano. Frente às invasões cada vez mais frequentes, os portugueses começaram a recorrer ao uso da força, inclusive causando muitas mortes.

A tensão aumentou quando o Governo da Índia rompeu relações com Portugal. Mas o “climax” foi atingido no segundo semestre de 1961. Nessa época, a campanha política para a sucessão do governo na Índia estava a todo vapor, pois faltavam menos de três meses para as eleições.

Em 16 de dezembro de 1961, duas brigadas da 17ª Divisão e a 50ª Brigada de Paraquedistas invadiram Goa, dando início ao plano Viajy. Em apenas 26 horas, o enclave português foi derrotado, assim como as outras colônias portuguesas de Diu e Damão. Junto, as três colônias contavam com cerca de 3.500 homens contra uma força de 30.000 soldados indianos.
Dentre as conclusões de Anaya estava a rápida ocupação da antiga colônia, impondo a opinião pública mundial um fato consumado. Não houve, após a tomada de Goa, uma forte resistência por parte de Portugal, mesmo porque este nem poderia agir de forma bélica contra a Índia.

Os antecedentes do Plano Goa

O slogan “Las Malvinas son argentinas” foi criado na década de 40, durante o governo de Peron e acabou sobrevivendo à derrubada do peronismo, tornando-se questão de honra nacional. Em dezembro de 1965, a Assembléia Geral da ONU reforçou a recomendação do Comitê de Descolonização, datada de setembro de 1964, sobre as negociações bilaterais em relação ao futuro das ilhas. A proposta foi aceita pelo Governo de Londres.

Por trás das negociações, estavam disputas comerciais de duas correntes opostas. Na primeira estava o crescimento do comércio ânglo-argentino e na segunda os empresários ingleses com interesses diretos nas ilhas (produção de lã principalmente) associados aos kelpers (habitantes das ilhas) que temiam a perda da cidadania britânica.

Se por um lado primeiro ministro inglês Harold Wilson tornava claro a posição de seu governo em 1968, dizendo que a soberania das ilhas era “inegociável”, por outro, o ministro das relações exteriores Lord Chalfont, propunha o estreitamento de laços com os argentinos. Essas duas abordagens mostravam bem a atitude dos ingleses de ganharem tempo.

Uma proposta ânlgo-argentina previa a criação de laços mais estreitos entre as ilhas e o continente, com a implementação de uma infra-estrutura melhor, como serviços de telefonia, correio, e ligação aérea e marítima. O resultado foi que o Tesouro Real se recusou a financiar os projetos de infra-estrutura. Desapertando mais dúvidas por parte dos argentinos da real intenção inglesa.

Em 1976, um relatório oficial britânico enfatizava a necessidade de investimentos a longo prazo, mencionando a possível exploração de petróleo em águas próximas as ilhas. Tal exploração realmente se materializou em janeiro de 1981, porém, por parte de companhia petrolífera argentina YPF sobre jazidas entre o seu litoral e as Falklands.

Mudanças Políticas em ambos os lados

Eleito em 1979, o Governo de Margaret Thatcher, buscava respostas para reduzir os gastos de forma generalizada. Nicolas Ridley, ministro das Relações Exteriores, tornava-se um dos defensores da tese de que, para o Reino Unido, garantir a defesa das ilhas a longo prazo era insustentável economicamente. No seu ponto de vista, novas negociações deveriam ser feitas com os argentinos.

As Forças Armadas britânicas já vinham passando por reduções em seu poderio desde a década de 1960, quando foram cancelados os projetos de novos porta-aviões convencionais. Para tapar essa lacuna, a Royal Navy inventou o “Harrier Carrier”, que, além de possuir capacidades mais modestas, ainda sofria de credibilidade por parte de todos por ser uma novidade tratada com certa desconfiança. Além disso, em 1981 decidiu-se pela retirada do navio quebra-gelos HMS Endurance do Atlântico Sul bem como uma redução da frota de superfície da RN como medidas de economia.

Elevada ao poder em dezembro de 1981, a nova junta militar argentina via nestes movimentos e pronunciamentos uma perda do interesse de Londres pelo Arquipélago. Encabeçada pelo general Leopoldo Galtieri, a junta estava disposta a resolver a questão das Malvinas.

Galtieri contava também com grande apoio do então recente governo Reagan (eleito em novembro de 1980), sendo visto por este como um dos líderes anticomunistas mais importantes da América Latina. Só que os métodos pelos quais os argentinos utilizavam na campanha guerrilheira, primavam pela falta de escrúpulos, com constantes desrespeitos aos direitos humanos e desaparecimentos de pelo menos 9.000 pessoas. Como se não bastasse a situação política, os militares no poder mostravam total incompetência em gerenciar a economia do país, com crescente desemprego, aumento da inflação e greves generalizadas.

O momento era ideal para a cartada da junta militar, levantar a bandeira das “Malvinas para os argentinos”, um verdadeiro pretexto para manipulações propagandísticas destinadas a assegurar um mínimo de apoio ao governo.
O Plano Goa seria executado, só faltava decidir quando!

Preparativos para a Invasão

Na opinião de Almirante-Chefe Anaya, mentor intelectual do Plano Goa e agora membro do triunvirato argentino, a data para o início da operação deveria esperar um pouco mais, uma vez que o programa de reaparelhamento da Marinha ainda não havia sido concluído. As corvetas A69 já haviam sido incorporadas em 1978, era esperada a chegada de pelo menos um contratorpedeiro MEKO 360 em 1982, e os submarinos TR-1700 estavam em construção na Europa. Na parte aérea, estava em fase final a entrega dos jatos Super Etendard armados com mísseis AM-39 Exocet. Mas a situação interna estava insustentável. O plano teria que ser executado o mais cedo possível.

O Plano Goa é ativado

 

Em março de 1982 houve um “ensaio” da invasão. Em decorrência de um contrato firmado entre um comerciante de sucata argentino chamado Constantino Davidoff e a empresa inglesa Cristian Salvesan ocorreram os primeiros movimentos do Plano Goa. A firma argentina havia sido contratada para desmontar um posto abandonado de pesca de baleia em Leith, na ilha Geórgia do Sul. Em 19 de março de 1982, os operários de Davidoff desembarcaram do navio Baía Buen Sucesso (foto superior) e hastearam a bandeira argentina na ilha, ignorando completamente as ordens das autoridades inglesas. A reação de Londres foi enviar, a partir de Port Sranley, o HMS Endurance, levando a bordo uma força de reais fuzileiros navais para a base de Grytviken, Geórgia do Sul. No dia 25, o navio Baía Buen Sucesso foi substituído pelo navio de pesquisa armado Baía Paraíso, que levava a bordo um desatacamento de fuzileiros navais argentinos dispostos a “proteger” os operários.

Com uma situação já instalada, a junta militar argentina decidiu ativar o Plano Goa em 26 de março de 1982. Nos dias seguintes deu-se a mobilização da frota. A corveta A69 Guerrico (P32) separou-se de frota e seguiu para a Geórgia do Sul, com o objetivo de prestar apoio aos Fuzileiros em Leith. Em 31 de março, a posição de Buenos Aires estava totalmente clara para os ingleses.

FOTO: R Burzaco

(*) Este texto foi originalmente escrito em novembro de 1998 para a antiga lista do Poder Naval

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