Figueiredo: ‘um ataque a algumas bases argentinas no continente seria considerado pelo Brasil um ataque ao continente’

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Sala 1007 do número 446 da Avenida Presidente Vargas, Centro. Esse foi o endereço do serviço de Inteligência da Marinha argentina no Rio durante a Guerra das Malvinas. O núcleo foi montado pelo oficial Carlos Alberto Massera, que alugara o imóvel em setembro de 1980. A agência carioca do Serviço Nacional de Informações (SNI) o identificou como usuário de um passaporte brasileiro (n. 015180) e de um CPF , ainda válido na Receita Federal.

Ele é irmão do falecido almirante Emilio Massera, um dos autores do golpe de 1976 cujos resultados foram a ditadura e a derrota no campo de batalha das Malvinas para o Reino Unido. Chefe da Marinha, o almirante Massera integrou a Junta Militar presidida pelo general Jorge Videla. Destacou-se como um dos principais protagonistas de sete anos de repressão política, durante os quais um em cada seis argentinos esteve preso, e 30 mil são considerados mortos ou “desaparecidos”, segundo os dados oficiais.

Tornou-se figura emblemática do regime porque foi condenado em múltiplos processos, abrangendo quase toda a tipologia de crimes cometidos nesse período: torturas, assassinatos, sequestros de recém-nascidos – filhos de presos políticos -, e, também, roubo de propriedades dos prisioneiros. Seu irmão, Carlos, é réu em alguns dos casos – sobretudo, os de roubo e lavagem de dinheiro.

De Buenos Aires, o capitão Carlos Massera controlava o núcleo de informações no Rio. No papel, o escritório da Avenida Presidente Vargas era uma filial da Télam, agência de notícias do governo argentino que mantinha uma equipe na cidade, chefiada pelo jornalista Justo Guillermo Piernes. Na guerra, virou base para o trânsito de agentes e serviços de logística, como o despacho de cargas clandestinas de armas e munições.

Logo depois da invasão das ilhas, no 2 de abril de 1982, a Marinha argentina instalou nesse escritório do Rio um Comitê Argentino em Defesa das Ilhas Malvinas, sob o comando de Dimas Pettinerolli. Era uma operação de propaganda planejada e sua execução foi tão rápida quanto bem-sucedida, como relataram funcionários do SNI à agência central, em Brasília: nos 12 dias seguintes à invasão do arquipélago, o comitê cadastrou “cerca de 3.500 pessoas, das quais 1.000 são voluntárias para integrarem o esforço de guerra argentino, a partir de já”.

O governo se preocupou com notícias sobre o comitê instalado no Rio. Na quinta-feira, 15 de abril, apenas 24 horas depois da confirmação do SNI sobre o recrutamento de cidadãos brasileiros para uma guerra que não era do país, o Ministério da Justiça foi mobilizado. Ao amanhecer da segunda-feira seguinte (19) já estavam prontas 11 páginas de justificativas jurídicas para encerrar as atividades da agência Télam no Brasil, punir e expulsar Pettinerolli e todos os envolvidos. O núcleo da Marinha argentina no Rio logo foi desativado.

Em Brasília, a Armada era percebida como o núcleo mais radical da Junta Militar, presidida pelo general Leopoldo Galtieri. Numa análise do Conselho de Segurança Nacional, lembrava-se: “os mais recentes movimentos militares argentinos (1955, 1966 e 1976) foram de inspiração predominantemente naval”, embora os presidentes resultantes fossem, na maioria das vezes, oriundos do Exército, enquanto as tentativas de abertura política foram, de maneira geral, conduzidas pelo Exército (1958, 1973 e 1981).

Essa visão do equilíbrio de forças na Junta Militar condicionou a decisão do Itamaraty em relação aos pedidos reiterados dos Estados Unidos para que o governo João Figueiredo pressionasse a Argentina a abrir negociações com o Reino Unido, cuja frota chegara à zona de combate. Cogitou-se o envio do chefe do SNI, general Otavio Medeiros, para conversar com o general Galtieri, mas não há registros disponíveis sobre essa viagem. O presidente Ronald Reagan enviou a Brasília um ex-diretor da CIA, Frank Carlucci, para convencer Figueiredo. O governo ponderou sobre a necessidade de “harmonizar as atuações do Brasil e dos EUA”. Não havia clima, porque Washington já atuava abertamente como aliado militar do Reino Unido.

Quando Figueiredo foi a Washington, no 12 de maio, as tropas argentinas estavam totalmente cercadas pela frota britânica. Em Londres, a primeira-ministra Margareth Thatcher pressionava o presidente francês, François Mitterrand, a repassar os códigos secretos que poderiam anular as funções vitais dos poucos mísseis Exocet que a França vendera à Força Aérea argentina.

Na semana anterior, ela dera ordem para afundar o cruzador General Belgrano. O navio foi afundado por um submarino nuclear, com torpedo convencional – morreram 323 soldados, segundo a contabilidade oficial. No dia seguinte, um caça argentino de fabricação francesa lançou um Exocet e afundou o destróier Sheffield, a embarcação mais moderna da frota britânica. Thatcher recebeu os códigos depois de acenar com o bombardeio das tropas argentinas com mísseis nucleares, contou Mitterrand ao psicanalista Ali Magoudi, a quem visitou duas vezes por semana entre 1982 e 1984, e que registrou o depoimento em livro.

Esse clima de tensão permeou o encontro de Figueiredo com Reagan na Casa Branca. À tarde, o chanceler Guerreiro recebeu um telefonema do embaixador argentino Esteban Takacs: a Argentina confirmara – ele não explicou como – a informação de um “iminente ataque a algumas de nossas bases no continente”. O chanceler disse que Figueiredo falaria sobre isso com Reagan no jantar, “mas já antecipava que o Brasil tomaria uma posição muito firme diante dessa situação”, contou Takacs, nos autos do inquérito militar realizado depois do conflito.

Na mesma noite ele recebeu um telefonema da embaixada brasileira com a mensagem sobre o alerta de Figueiredo a Reagan: “Informaram que ele falou que um ataque a algumas bases argentinas no continente seria considerado pelo Brasil um ataque ao continente e isso não seria tolerado”. Nessa noite Figueiredo mandou um telegrama ao chanceler alemão Helmut Schmidt pedindo sua intervenção para impedir Thatcher de bombardear o continente argentino.

O Reino Unido moderou seus planos militares e derrotou a Argentina quatro semanas depois, no 14 de junho. A Junta Militar foi deposta numa tentativa prolongar a ditadura. Não deu certo. As bases da relação com o Brasil, no entanto, haviam mudado.

No fim de semana seguinte, em Brasília, o chanceler Guerreiro preparou uma “Apreciação” do novo cenário, enviada à Presidência na segunda-feira, 21 de junho. “Provavelmente”, escreveu, “haverá a possibilidade de uma cooperação mais íntima, sobretudo nos campos econômico e militar. No campo político, tudo indica que será preservado e expandido o patrimônio formado a partir de 1979, com a solução do contencioso da Bacia do Prata”. Estava aberto o caminho para um acordo nuclear e a construção do Mercado Comum do Sul (Mercosul).

FONTE: Agência o Globo, via Yahoo notícias

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