Boias ao mar
Equipamentos flutuantes de coleta de dados entram em operação ainda neste ano
Evanildo da Silveira
O desenvolvimento de duas boias para monitoramento meteorológico e das condições do mar vai permitir que o Brasil tenha tecnologia necessária para estudos e operações oceanográficas em águas profundas. Os equipamentos serão pela primeira vez fabricados no país. Os dois projetos são da empresa Ambidados – Soluções em Monitoramento Ambiental, do Rio de Janeiro, um em parceria com a universidade federal daquele estado (UFRJ), com financiamento da Petrobras, e outro com a Universidade de São Paulo (USP), com apoio da FAPESP. O lançamento da boia da USP ao mar será uma das primeiras missões, ainda neste ano, do recém-adquirido navio oceanográfico Alpha Crucis.
Uma das sócias da Ambidados, Wilsa Atella, explica que essas boias oceanográficas vão servir para a aquisição de dados meteorológicos importantes e o monitoramento do ambiente marinho em alto-mar. Elas são equipadas com sensores que medem, por exemplo, a velocidade dos ventos, quantidade de chuvas, umidade relativa do ar, radiação solar, pressão atmosférica, concentração de dióxido de carbono (CO2), temperatura do ar e da água do mar, salinidade, correntes e ondas. Para isso, ficam fundeadas num ponto específico do oceano, de onde enviam as informações coletadas para um satélite, que as retransmite para um sistema computacional e consequentemente coloca os dados na internet. “Os clientes que usam essas informações são portos, empresas offshore [alto-mar] e pesquisadores em projetos científicos”, diz Wilsa.
Plataformas de petróleo
De formato cilíndrico, com 2,5 metros de diâmetro, 1,20 metro de altura e 400 quilos, a boia meteoceanográfica (BMO) começou a ser desenvolvida em 2010 a pedido do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) da Petrobras. “Essa boia é importante no monitoramento meteoceanográfico das regiões oceânicas em águas profundas, para onde estão se deslocando as plataformas de exploração de petróleo da Petrobras e outras empresas”, diz Wilsa. Ela informa que serão fabricadas inicialmente duas BMO. Uma já foi entregue à Petrobras e deverá ser levada ao mar ainda neste ano, e a outra ficará pronta em setembro.
A outra boia em processo de finalização pela Ambidados, chamada Atlas-B, está sendo desenvolvida pela empresa em parceria com o Instituto Oceanográfico (IO) da USP. Segundo o professor Edmo Campos, do Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica do IO, a ideia de desenvolvê-la surgiu em 2004, depois que o sul do país foi atingido pelo furacão Catarina, em março daquele ano. O evento deixou claro que a meteorologia brasileira não estava preparada para prever esse tipo de fenômeno, que requer conhecimento tanto das condições do mar onde o furacão se forma como da temperatura média de uma camada de água de 100 a 200 metros.
Na UFRJ, boia produzida para a Petrobras
Segundo Campos, o desenvolvimento da Atlas-B tem dois objetivos principais. O primeiro deles é meteorológico, ou seja, melhorar a previsão do tempo e conhecer as condições do mar nas regiões próximas onde a boia ficará fundeada. O segundo é estabelecer uma série temporal dessas previsões, para acompanhamento de possíveis mudanças climáticas. “É um projeto pioneiro no Brasil”, assegura o pesquisador da USP. “Nosso país sempre se destacou na oceanografia costeira. Agora construímos um sistema de monitoramento das condições oceânicas e atmosféricas em regiões de águas profundas. Além disso, pela primeira vez estamos fazendo o processo completo, projetando, construindo, lançando e mantendo a boia.”
A intenção inicial era comprar boias Atlas, as mesmas que são usadas no Projeto Pirata, um programa de monitoramento das águas do oceano Atlântico tropical, entre a América e a África, da latitude 20º Sul (mais ou menos na altura de Vitória, no Espírito Santo) até a latitude 20º Norte (na região do Caribe), desenvolvido em conjunto pelos Estados Unidos, Brasil e França. Nesse espaço existem 16 boias fabricadas pelos norte-americanos para a National Oceanic & Atmospheric Administration (Noaa) ou Administração Oceânica e Atmosférica Nacional. “Em vez de nos vender as boias, os americanos sugeriram que fabricássemos outras iguais à Atlas”, conta Campos. “Eles nos repassaram a tecnologia para fazer cópias delas. Por isso é que chamamos as que estamos fabricando de Atlas-B.”
A partir de então Campos e sua equipe passaram a procurar uma empresa de engenharia que fosse capaz de construir a Atlas-B. Foi assim que encontraram a Ambidados e fecharam o contrato em março de 2011. “Em seguida fornecemos todas as especificações do que queríamos para eles, que começaram a desenvolver a boia”, conta Campos. “Para esse projeto, recebemos R$ 500 mil do programa de mudanças climáticas da FAPESP, em um projeto coordenado pelo professor Tércio Ambrizzi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da USP, R$ 500 mil do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Mudanças Climáticas e R$ 500 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq].”
Feita do mesmo material – fibra de vidro, aço e alumínio – e com tamanho semelhante ao da BMO, a Atlas-B tem um formato um pouco diferente, chamado toroidal (parecido com uma boia salva-vidas ou um pneu). Na parte que ficará acima da água há uma pequena torre, de quase dois metros de altura, onde serão instalados sensores, como, por exemplo, pluviômetros, que medem a quantidade de chuva, anemômetros para indicar a direção e a velocidade do vento, espectrorradiômetro, que verifica a radiação solar incidente, GPS, termômetros, além de medidores da umidade relativa do ar e a concentração de CO2.
Na parte submersa também haverá uma torre, menor que a de cima, mas invertida, de cabeça para baixo. Da parte mais baixa dela sairá um cabo, de 4 mil metros de extensão, cuja ponta será fixada no fundo mar. A boia ficará num ponto específico da superfície, localizado na região onde se formou o furacão Catarina, a 600 quilômetros mar adentro do cabo de Santa Marta, no litoral catarinense. Nos primeiros 500 metros do cabo, a partir da boia, também serão instalados sensores, entre os quais fluorômetros, para medir a concentração de flúor, e espectrorradiômetros para verificar a radiação solar que penetra na água, além de instrumentos que medem a salinidade e a temperatura da água.
Via satélite
Todos os dados coletados pelos sensores instalados na boia serão gerenciados por um sistema de computação chamada Datalogue, desenvolvido pela equipe de Campos, no IO da USP. “Depois de passar pelo Datalogue, as informações serão enviadas para um módulo de transmissão que as retransmitirá para o sistema de satélites Argos, que coleta dados ambientais de plataformas autônomas de todo o mundo”, explica Campos. “Dos satélites, os dados são enviados para a internet.”
Segundo o pesquisador da USP, num primeiro momento serão construídas duas Atlas-B. A primeira já está quase pronta e será lançada ao mar, no dia 1° de novembro, a partir do navio Alpha Crucis. Para esse lançamento, o projeto recebeu R$ 200 mil do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas da USP. “A primeira boia permaneçerá em operação por um período de um ano”, diz Campos. “Depois ela deverá ser substituída por outra igual. A expectativa é que essa alternância possa ser mantida por muito tempo para que se produzam séries de tempo ininterruptas e longas relacionadas aos estudos climáticos. Os recursos de R$ 1,5 milhão que recebemos da FAPESP, CNPq e INCT são para a construção dessas duas boias. Essas duas primeiras servirão para demonstrar que somos capazes de fabricar, fundear e operar boias iguais à Atlas, usada no Projeto Pirata.”
Além da BMO e da Atlas-B, a Ambidados desenvolveu um terceiro produto, o Ondaleta, um instrumento para o monitoramento da maré e das ondas em portos. Ele é composto de uma unidade feita com uma caixa de PVC, que abriga seus sistemas eletrônicos e um sensor de pressão, mais um tubo de cobre que vai até a água. O conjunto é capaz de medir a altura da maré e das ondas e o período dessas últimas (o tempo entre uma e outra). Ele está ligado a outra unidade que pode ser instalada, por exemplo, em uma empresa proprietária de navios. “A comunicação entre as duas unidades poderá ser feita em tempo real por rádio ou fibra óptica”, diz Wilsa. “Nós desenvolvemos também um software específico que permite o cliente configurar o sensor de acordo com a suas necessidades.”
A patente do Ondaleta pertence ao Cenpes, da Petrobras, e foi cedida à Ambidados em 2010, que paga royalties a companhia petrolífera. “Era apenas um protótipo”, diz Wilsa. “Com recursos próprios e do Cenpes, nós desenvolvemos o produto comercial e a interface on-line. Até agora já vendemos cinco unidades para empresas.”A Ambidados é uma empresa de base tecnológica, criada em 2006 por pesquisadores egressos do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe, e que foi instalada em 2007 na incubadora da própria instituição. Em abril deste ano, a empresa mudou para o Parque Tecnológico do Rio de Janeiro, localizado dentro do campus da UFRJ, na Ilha do Fundão. “Hoje nossos principais clientes são a Petrobras e a Vale”, diz Wilsa. “Temos atualmente 31 funcionários e deveremos faturar R$ 3 milhões neste ano.”
FONTE: Revista Pesquisa FAPESP Edição 198 – Agosto de 2012