Ícaro Luiz Gomes

Durante a parada técnica do navio em Natal, o Poder Naval realizou a cobertura “exclusiva” da chegada do NaPaOc Amazonas, P-120, ao Brasil.  Agora, com a segunda parte dessa cobertura, vamos conhecer por dentro o Amazonas. No sábado dia 22/09, mais uma vez, o Joker, Ícaro Luiz Gomes, esteve no NaPaOc Amazonas para entrevistar o comandante e a tripulação sobre como foi o recebimento do meio e a derrota de translado ao Brasil. Vamos começar “pelo começo”.

Histórico – a compra de oportunidade e o treinamento na Inglaterra

O Navio Patrulha Oceânico Amazonas foi comprado pela Marinha do Brasil (MB) junto à BAE Systems com outros dois navios irmãos, no que se convencionou chamar de “compra de oportunidade”. Ou seja, uma situação em que as condições financeiras, políticas e operacionais impulsionam a compra de determinados meios para se evitar uma lacuna no cumprimento de uma missão. Essa modalidade proporciona uma solução rápida e, a curto prazo, com custos baixos. Após a compra, foi composto o Grupo de Recebimento do Navio Patrulha Oceânico Amazonas (GRNPAM), sendo encarregado o capitão de corveta (CC) Giovani Correa.

O GRNPAM foi enviado no final de abril para a Inglaterra, para estudar o meio e seus sistemas, de modo que o mesmo pudesse ser incorporado em condições plenas de capacidade e funcionalidade. Durante esse processo, a MB conseguiu com a sua congênere inglesa, a Royal Navy (RN), que o GRNPAM e o NaPaOc Amazonas passassem pelo Flag Officer Sea Traning (FOST). O FOST teria no Brasil como equivalente a Comissão de Inspeção e Assessoria de Adestramento (CIASA), um programa de treinamento que almeja atestar e qualificar a tripulação de um determinado meio para as missões destinadas ao mesmo.

Um certo mito que se criou foi que o FOST aplicado à tripulação foi um FOST “downgraded”. Mas, conforme explicado pelo comandante Giovani Correa, foi contratado para o FOST do NaPaOc Amazonas um programa voltado a Patrulha Naval e a Ações Anti-Pirataria. O módulo contratado poderia incluir adestramento de capacidades, mas as mesma não se enquadram dentro do leque de sistemas e missões do meio.

Durante o período na Inglaterra, a tripulação sentiu falta da comida tipicamente brasileira e da programação da televisão. Tais fatores foram amenizados quando da incorporação do meio. Desde então a tripulação pôde desfrutar de um digno “feijão com arroz”, e a programação televisiva foi suplantada pela internet. Esta proporcionou uma periódica atualização do noticiário e acompanhar alguns programas, entres os quais um drama popular.

O período de treinamento, do final de abril ao final de junho, pode ser considerado bem curto em termos navais, especialmente por se tratar de um meio novo e de uma classe nova. Porém, diversos fatores proporcionaram o rápido aprendizado e a incorporação do meio. A Tecnologia da Informação do nosso cotidiano facilita a leitura de manuais e a simulação/exercício de alguns sistemas que, em outra época, demandariam muito tempo e dinheiro.

Quando os meios estavam para ser entregues, parte da documentação técnica já se encontrava pronta e, por fim, a  excelente motivação da tripulação foi fator essencial para a aprendizagem.

A viagem ao Brasil e os exercícios com outras marinhas

Concluído o treinamento e com a tripulação muito bem adestrada, em agosto o Amazonas suspendeu da Inglaterra com destino ao Rio de Janeiro, passando por seis portos internacionais e três nacionais. Entre os internacionais, os quatro portos africanos foram destaque pelas demonstrações de ações anti-pirataria e de GVI/GP. Os portos africanos visitados foram: Mindelo, em Cabo Verde; Cotonou, em Benin; Lagos, na Nigéria e São Tomé, em São Tomé e Príncipe.

Nos portos citados, foram realizadas demonstrações junto às Marinhas ou Guardas Costeiras dos respectivos países. Nelas, utilizou-se a doutrina da MB e alguns conhecimentos do FOST. A doutrina da MB utilizada relacionava-se à GVI/GP difundida pelo Curso Expedito de Patrulha Naval, ministrado pelo CAAML e na Escola de Operações de Paz de Carácter Naval do CFN.

Quando questionei o CC Giovani Correa e outros oficiais acerca das diferenças entre a Doutrina da MB de GVI/GP e a Doutrina do FOST, as respostas citaram diferenças mínimas. Buscando pontos específicos dessa diferenças, foi respondido: “As duas marinhas possuem uma convergência muito grande e a doutrina de GVI/GP é uma dessas convergências. Os equipamentos, a disposição e o treinamento de ambas levaram a soluções diferentes e satisfatórias a determinadas demandas operacionais, mas não há uma ou outra melhor, são apenas diferentes.” Além das demonstrações de GVI/GP, exercícios “mais marinheiros” foram realizados, entre eles o Light-Line.

As demonstrações de GVI/GP eram iniciadas com uma apresentação e um “briefing” na coberta da tropa. Em seguida, eram formadas equipes mistas de brasileiros e estrangeiros que embarcavam nos RHIB Pacific 24 afastavam-se do NaPaOc Amazonas, iniciando os procedimentos de aproximação e abordagem. Os membros do GVI/GP subiam o costado por escadas quebra-peito e, já na embarcação, ocorria a demonstração da ação de visita e inspeção. A progressão pelo navio era feira em duplas armadas com pistolas, simulando a busca por ilícitos (drogas, armas, etc.) e realizando a revista dos “tripulantes” que, em alguns casos, esboçavam alguma “reação”.

Tais demonstrações já renderam alguns frutos. A Guarda Costeira de São Tomé acenou com a proposta de enviar pessoal para realizar o C-Exp-PatNav do CAAML e a Força Naval de Benin monstrou interesse na formação de pessoal na MB. Uma demonstração bem diferenciada foi a realizada com a Marinha da Nigéria: pelo idioma local ser o francês, necessitou-se de um tradutor. Além disso, o contingente enviado foi das Forças Especiais, correspondente, em termos, aos nossos MECs. Outro fator foi o dos meios operativos.

Finalizada a “etapa africana”, o Amazonas iniciou a derrota até Natal-RN. Considerada a etapa a mais cansativa e com o mar mais crespo, foi finalizada em 19 de setembro quando o Amazonas atracou na BNN (Base Naval de Natal). Foi um dia bem cansativo, mas também de muito alívio. Após a atracação, alguns oficiais foram recebidos a bordo, onde foi realizada uma apresentação sobre o meio e uma visita ao mesmo.

Conhecendo o Amazonas

O Poder Naval esteve presente à visitação. No entanto, imagens não foram permitidas, sendo absorvido importante material e informações para a confecção desta matéria. Na parte da tarde, já foram realizadas algumas das inspeções da CIAsA e foi realizada a pintura do convoo, de excelentes dimensões e qualidades, diga-se de passagem. Enquanto parte da tripulação descansava, a outra parte realizava manutenção preventiva e continuava a se adestrar, em rodízio. Na sexta-feira, foi realizada uma confraternização para a tripulação. No sábado pela manhã, fui novamente à BNN e ao NaPaOc Amazonas para colher informações mais apuradas e material para a presente reportagem.

O NaPaOc Amazonas possui 90,5 m de comprimento, 13,5 m de boca e 4,5 m de calado. Possui deslocamento leve de 1.815 toneladas e máximo de 2.450 toneladas, com capacidade de carregar até 6 contêineres ISO. Avelocidade máxima é de 25 nós e a velocidade de cruzeiro de 14,5 nós. Em cruzeiro, o navio pode atingir um raio de operação de cerca de 4.000 milhas náuticas. A autonomia é de 35 dias para uma tripulação de 80 integrantes.

As dimensões lembram muito a Corveta Barroso que, comparativamente, apresenta 103 m de comprimento, 11 m de boca, 6 m de calado, 2.400 toneladas de deslocamento, 30 nós de velocidade máxima, autonomia de 30 dias e um raio de operação de 4.000 milhas náuticas.

Sua propulsão está a cargo de 2 motores diesel MAN 16v28/33D acoplados cada um a um eixo com hélice Wärtsila de passo controlado. Possui ainda um equipamento de “Bow Thruster” para posicionamento dinâmico. O fornecimento de energia é oferecido por 3 geradores trifásicos Caterpillar, sendo um de emergência, que geram 300KVA. O monitoramento das máquinas é realizado pelo Centro de Controle de Máquinas (CCM) e pelo Quadro Elétrico Principal. O CCM e a dupla estação de trabalho traduzem o alto nível de automação do navio.

Sensores, armamento e centro de operações de combate

Os principais sensores do navio são os seus 3 radares e uma alça optrônica. O radar 2D Scanter 4100, que é o principal sensor do navio, permite o monitoramento da superfície e do espaço aéreo com um amplo horizonte radar, possuindo MTI e +12 modos de operação. A alça optrônica Horus possui câmera de TV, imageamento térmico e um telêmetro laser. O imageamento térmico é eficiente, mesmo no período diurno, e o alcance do telêmetro laser é considerável. A suíte de sensores é completada por 2 radares de navegação Sperry Marine, que operam nas bandas X e S.

O NaPaOc Amazonas possui como armamento um canhão principal MSI DS 30M – Mk44 de 30mm, operado do COC, na proa; dois canhões MSI DS 25M – M242 de 25mm (um em cada bordo), operação manual/COC (vale lembrar que, na terminologia da MB, essas armas são chamadas de metralhadoras). Possui também duas metralhadoras .50 pol. removíveis, uma em cada bordo, além de dois lançadores de foguetes iluminativos de 57mm, contando ainda com 2 pontos para a montagem de fuzil 7,62mm. O arco de fogo do canhão principal é de 180º, o arco de cada canhão de 25mm é de 60º e o arco de cada metralhadora .50pol é de 90º.

O sistema Osiris é o COC do navio, que controla os canhões citados, a alça optrônica Horus e o radar Scanter 4100.  O mesmo permite a simulação de alvos para treinamento e cálculos balísticos que permitem inferir o índice de acertos. Imagens do interior do COC não foram permitidas por razões de segurança. O passadiço possui um elevado índice de automação. Composto por 4 estações de trabalho, permite que todo o navio possa ser controlado por apenas 5 tripulantes. Os radares de navegação operando em duas bandas, associados a cartas náuticas digitais e à TI embarcada, irão transformar o modo de se navegar na Patrulha Naval.

Alojamentos e áreas de descanso

Os corredores internos são amplos e os alojamentos são confortáveis. A capacidade de pessoal a bordo é de 130 pessoas, entre tripulantes, tropas embarcadas ou refugiados, operando normalmente com 80 tripulantes. Os oficiais ficam em cabines individuais ou duplas, e os subtenentes e sargentos ficam em camarotes duplos. Os cabos e marinheiros ficam em um alojamento. A iluminação no interior do navio é bem adequada, sem luzes extremamente fortes ou muito fracas e que dialogam muito bem com os tons neutros do acabamento interno. Essa combinação, junto ao conforto, é primordial quando se leva em conta que as missões do meio são previstas para cerca de 27 a 32 dias.

A Praça D’Armas é bem ampla e confortável, e ganhou elogios dos oficias que estiveram presentes à visitação e da tripulação. Possui ainda equipamentos de multimídia e slides. A Área de “descanso”/Rancho dos graduados possui tons mais escuros, mas apresenta um excelente conforto com LCD, DVD e MiniSystem. O Rancho/Área de Descanso dos praças é bem amplo e bem compartimentado, possuindo tons mais claros e os mesmos itens de multimídia dos graduados.

A coberta da tropa possui espaço para a instalação confortável para mais 50 tripulantes/refugiados, em uma Operação de Interdição Marítima, Com a instalação de alguns contêineres, a área poderia servir de alojamento para os mesmos. Para o autor, tal espaço também permitiria que o meio fosse o Capitânia da FTM no Líbano. O navio possui ainda uma enfermaria com 10 leitos!!! Possui sala para pequenas cirurgias e todo o aparato cirúrgico necessário. A cozinha do navio é ampla e possui diversos utensílios de porte industrial para as refeições diárias. Apresentava-se muito limpa e bem mantida com gêneros alimentícios.

Convoo, guindaste e turcos

O convoo, que já se encontra pintado no padrão nacional, possui 20 metros e comporta helicópteros e ARP (Aeronaves Remotamente Pilotadas) de até 7 toneladas. A iluminação é de LED e é compatível com NVG (óculos de visão noturna). Perguntado sobre o uso do componente aéreo pelo NaPaOc Amazonas, o Comandante Giovani Correa explicou que os meios aéreos empregados deverão ser os UH-12/13 e o AH-11. O navio encontra-se capacitado para transportar e abastecer com combustível de aviação os meios a serem empregados.

Sobre a questão de uma possível instalação de hangar para as aeronaves que operarem embarcadas, o comandante disse que o assunto se encontra em estudo, mas não há ainda alguma conclusão a respeito.

Na área do convoo e próxima ao mesmo, podem ser instalados até 6 contêineres ISO, com cabeamento elétrico trifásico compatível, podendo tornar os mesmos em módulos de operações ou carregar contêineres refrigerados para gêneros alimentícios. A ré, encontram-se ainda canhões de água, que podem ser usados no combate a incêndios, controle de poluição ou ainda como reposta a ameaça assimétrica.

Um guindaste com capacidade de 16 toneladas e lança com 14m que permite a movimentação de cargas na parte externa, onde também se encontram dois turcos, um em cada bordo, destinados a movimentar as lanchas de interceptação RHIB Pacific 24. As Pacific são lanchas infláveis de casco semi-rígido com 24 pés e alcançam cerca de 40 nós de velocidade máxima, e se destinam a levar o GVI/GP do Amazonas ao navio/plataforma a ser investigado, no resgate de pessoal/material e outras missões.

Agregando três elementos num único meio

O projeto do NaPaOc Amazonas consegue agregar três elementos importantíssimos: o helicóptero, a RHIB e o Navio-Patrulha,  fundamentais na moderna doutrina de PatNav. Um meio com elevada capacidade de permanência em patrulha em velocidade de cruzeiro, associado ao caráter multiplicador do elemento aéreo no ambiente naval e à capacidade de interceptação que RHIB de altas velocidades proporcionam o cumprimento do Controle de Área Marítima, tarefa básica do Poder Naval. Um conjunto que também permite a aplicação das legislações vigentes acerca do Direito Marítimo Internacional/Legislações Nacionais, exercendo efetivamente a Soberania nas Águas Jurisdicionais Brasileiras.

Alguns pontos sobre o futuro da Classe Amazonas ficaram em aberto, haja vista ser nova na MB e ainda estar passando por testes. A conjuntura politico-comercial atual, onde diversas empresas disputam o mercado de defesa brasileiro com a formação de “joint-ventures” com congêneres internacionais, visando a renovação de equipamentos com das três Forças Armadas que têm décadas de defasagem, permite que determinadas lacunas (gaps) sejam superados e/ou interfiram na aquisição de equipamentos que verdadeiramente supram as necessidades das Forças.

A aquisição da Classe “Amazonas” foi um meio-termo nesse cenário, onde os pontos positivos se mostram muito superiores ao negativos. As características superlativas da classe a fazem adequada a tarefa hercúlea de patrulhar a chamada “Amazônia Azul”. Porém, os requisitos de construção elaborados por uma outra marinha/guarda-costeira podem fazer com que a logística, no futuro, torne-se um gargalo.

A construção de outros meios dessa mesma classe, atendendo agora aos requisitos nacionais, seria um solução com excelente custo-beneficio para a MB. Principalment na opinião de fontes que apontam a “jogada britânica” nessa transação comercial/militar, onde a compra desses meios junto à “simbólica” aquisição da “licença de fabricação” representam um trunfo junto ao contexto do PROSUPER na MB.

Um salto para a Patrulha Naval

Para o autor, a classe “Amazonas”, representada aqui pelo NaPaOc Amazonas, representa um enorme salto na Patrulha Naval e na própria Esquadra. A aquisição futura de novos meios dessa mesma classe, adequados à cadeia logística já instalada na MB, seria um ganho exponencial. A Patrulha Naval passa nesse momento por um divisor de águas, antes e depois da classe “Amazonas”, assim como o foi em sua época a classe “Imperial Marinheiro”.

O crescimento das relações e parcerias econômico-industriais junto aos países da costa ocidental africana, que desponta nessa segunda década do século XXI como uma projeção de poder do tipo “brasileira”, necessita que os interesses nacionais sejam defendidos de perigos específicos. Isso, associado às crescentes demandas de operações de interdição marítima sob o mandato de organismos internacionais, faz com que meios oceânicos adequados a responder às ameaças assimétricas, em cenários de baixa intensidade, se façam presentes mundo afora.

Na nossa opinião, a Marinha do Brasil acertou em cheio ao adquirir o meio objeto dessa reportagem. Bravo Zulu MB!

 

Obs.: peço desculpas ao CCSM, à tripulação do NaPaOc Amazonas e aos leitores pela demora em publicar esta matéria. Devido a uma tendinite, só foi possível completá-la hoje. Agradecimentos aos CC Giovani Correa (Comandante do NaPaOc), CC Bocca (Imediato) e ao CT Martins Franco (Chefe do Departamento de Armamentos).

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