Por Chuin-Wei Yap e Sameer Mohindru | The Wall Street Journal

A crescente fome da China por peixes e frutos do mar está pondo em xeque suas relações com outros países e deixando autoridades e cientistas estrangeiros apreensivos com os potenciais danos que sua enorme frota poderá causar aos estoques mundiais de pescado. Recentemente a Argentina informou ter capturado dois barcos de pesca chineses que, segundo disse, estariam pescando ilegalmente em suas águas.

O episódio ocorre num momento em que os barcos de pesca chineses se veem cada vez mais enredados em disputas transnacionais e comerciais. As embarcações chinesas pescam tanto em águas internacionais quanto por acordos bilaterais de pesca em águas de outros países. Elas operam para empresas predominantemente privadas ou por conta própria.

No entanto, em águas asiáticas, os barcos de pesca se tornaram sinônimo do envolvimento soberano chinês em conflitos, em grande medida, territoriais. Em processos abertos em áreas mais distantes, seus barcos foram envolvidos em acusações de sobrepesca e de prejuízo a economias locais.

Conforme análise de um órgão do congresso americano formado para estudar as implicações das relações econômicas entre os EUA e a China na área de segurança nacional, a crescente frota chinesa trazia consigo “implicações mundiais”.

Nas últimas semanas a Coreia do Sul apreendeu um barco chinês e deteve 24 marinheiros por suposta pesca ilegal no Mar Amarelo. O Vietnã acusou as embarcações de pesca chinesas de cortar seus cabos marítimos de exploração de gás. Os barcos de pesca chineses, além disso, navegaram ao redor das ilhas Senkaku, no Japão, e da Diaoyu, na China, alvo disputado pelos dois países, o que contribuiu para agravar as relações chinesas com Tóquio.

Dados oficiais projetam que a China, a maior consumidora mundial de peixes e frutos do mar, deverá produzir mais de 60 milhões de toneladas desses produtos até 2015, volume maior que os 53,7 milhões de toneladas de dois anos atrás. Algumas autoridades da área de relações exteriores acreditam que o total da produção possa superar essa cifra. O banco de investimento Rabobank estima que o volume de peixe e frutos do mar importado pela China totalizará US$ 20 bilhões até o fim da década, em relação aos US$ 8 bilhões atuais.

Pequim tem grandes planos de expandir sua frota pesqueira para satisfazer esse apetite, a fim de expandir o conjunto de embarcações de pesca de longo curso até o fim de 2015 para cerca de 2,3 mil barcos, o que representaria um aumento de 16% em relação a 2010. Como base de comparação, a frota pesqueira americana em águas longínquas totaliza aproximadamente 200 embarcações.

“A China usa os recursos de suas cinco agências de segurança marítima para fiscalizar o respeito a seus [alegados] direitos em águas sob disputa, ao escoltar as embarcações pesqueiras chinesas e ao fiscalizar o cumprimento das proibições sazonais de pesca pelos navios estrangeiros”, disse o comissário americano Daniel Slane no início do ano. “Essas frotas civis permitem que Pequim mantenha presença marítima em águas sob disputa sem ter uma presença naval sistemática ou manifesta”.

O Ministério das Relações Exteriores da China repassou as perguntas ao Ministério da Agricultura, que não respondeu às indagações enviadas por fax e recusou-se a comentar o assunto em uma ligação telefônica. A China reivindica soberania sobre o Mar da China Meridional e sobre as ilhas Senkaku e, portanto, afirma ter o direito de escoltar seus navios de pesca na região.

Questões territoriais e preocupações ambientais reverberam as tensões com que a China tem se defrontado em diversos setores de atividade – energética, mineradora e agrícola -, ao buscar matérias-primas para alimentar seu crescimento. A China tem agido agressivamente, nos últimos anos, no sentido de adquirir recursos no exterior para reforçar sua segurança energética, mineral e alimentar, injetando os investimentos necessários para aumentar a oferta mundial, mas gerando preocupações em Washington e outras capitais sobre a influência chinesa.

A fome chinesa está crescendo, num momento em que cerca de 87% dos recursos pesqueiros mundiais são considerados em nível de exploração plena, superexplorados ou esgotados, de acordo com a Agência para a Agricultura e Alimentação da ONU (FAO). A China, como outros países, firmou acordos que autorizam a pesca em águas internacionais, e alguns especialistas em pesca têm elogiado Pequim por melhorar a qualidade de suas estatísticas sobre a atividade pesqueira em algumas áreas e pela criação de mais peixes em fazendas domésticas.

Apesar disso, um relatório da Comissão Europeia disse que neste ano a China anotou apenas 368 mil toneladas de sua pesca em alto mar em 2010 e 2011, em comparação com uma estimativa real de captura de 4,6 milhões de toneladas. Na África – onde os governos locais geralmente dispõem de poucos recursos para policiar o respeito a opacos acordos pesqueiros bilaterais e assegurar que os navios paguem por aquilo que pescam – acontece mais de dois terços da atividade pesqueira chinesa distante do país.

A situação torna-se mais obscura por falta de regulamentação na China, disse Tabitha Grace Mallory, especialista na Johns Hopkins School of Advanced International Studies. “Um dos grandes problemas no front doméstico chinês é a escassez de capacidade e de recursos na agência pesqueira governamental e menor capacidade fiscalizadora e de aplicação da legislação sobre o crescente número de empresas privadas chinesas dedicadas à pesca que desobedecem as regras”, disse ela.

As embarcações pesqueiras chinesas estão sendo atraídas para regiões cada vez mais distantes porque a pesca excessiva em águas próximas, inclusive em torno da Coreia do Norte, Indonésia e Mianmar, resultou em quedas na produção em águas asiáticas, segundo um estudo implantado pelo Ministério da Agricultura chinês.

Em comparação, disse o ministério, a captura na África Ocidental cresceu 14% em volume e 41% em valor, no ano passado, em comparação com 2010. No Marrocos, a captura pesqueira cresceu 50% em valor. O Peru, uma grande fonte de frutos do mar destinados à China, reduziu em 68% sua cota de pesca comercial total na temporada de 22 de novembro a 31 janeiro, para 810 mil toneladas, um mínimo em 25 anos, devido ao esgotamento dos cardumes disponíveis e preservação dos recursos marinhos.

FONTE: Valor Econômico – 28/12/2012

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