Após 70 anos, justiça brasileira ainda discute ataque de submarino alemão

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Superior Tribunal de Justiça negou recurso de parentes de pescadores de barco abatido em Cabo Frio que pedem indenização por danos morais

 

Cley Scholz

vinheta-clipping-navalSÃO PAULO – Um caso que se arrasta desde a II Guerra mostra como alguns processos demoram a ser concluídos na Justiça Brasileira. Passados 70 anos, familiares de pescadores de um barco afundado na costa brasileira por um submarino alemão ainda discutem a indenização a que teriam direito.E o caso ainda deve prolongar-se por mais alguns anos, ou décadas.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso impetrado pelos parentes dos pescadores mortos no afundamento do barco Changri-lá, no litoral de Cabo Frio (RJ).

A Turma, especializada em direito privado, entendeu que o ataque de um estado a outro em período de guerra constitui decisão soberana, pela qual uma nação não se submete à jurisdição de outra nação.

Os familiares das vítimas do Changri-lá querem indenização por danos e morais do governo alemão. Eles já entraram antes com outros recursos, nos quais a mesma tese foi aplicada. Em um deles, foi apresentado recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda à espera de admissão pela Corte Suprema.

Ataque. De acordo com os parentes, em 1943, o barco Changri-lá, com dez tripulantes, foi abatido a tiros de canhão pelo submarino alemão U-199.

Nenhum dos pescadores sobreviveu e mais tarde o submarino alemão foi abatido pelas forças brasileiras. Familiares dos pescadores dizem que alguns sobreviventes do submarino foram resgatados e teriam confessado em interrogatório o afundamento do Changri-lá.

Em 1944, o Tribunal Marítimo arquivou o caso, alegando falta de provas. Porém, em 2001, com base em novos elementos trazidos por um historiador, o Tribunal Marítimo mudou o entendimento e concluiu que o submarino da Alemanha teria mesmo abatido o Changri-lá.

O acórdão do Tribunal Marítimo declarou que o U-199 foi afundado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e lembrou que, após os sobreviventes serem resgatados e interrogados, confessaram o ataque a um “veleiro”.

Depois de confrontados os depoimentos com documentos de bordo existentes no U-199, concluiu-se que a embarcação atacada era o Changri-lá.

Danos morais. Diante dessas conclusões, uma ação de reparação por danos morais sofridos pelos familiares dos pescadores foi ajuizada.

A Alemanha foi comunicada e declarou sua imunidade diante da jurisdição brasileira, pois entendeu que praticou ‘ato de império, numa ofensiva militar em período de guerra’.

A ação foi extinta sem julgamento de mérito em primeiro grau, em virtude da imunidade da República Federal da Alemanha. Os autores apresentaram então Recurso Ordinário contra a decisão.

Alegaram que não se aplica a imunidade nas hipóteses de afronta aos direitos humanos e que não existe imunidade de jurisdição por atos praticados no território do estado do foro.

Para a Terceira Turma, a imunidade de jurisdição não é vista de forma absoluta atualmente. De acordo com os ministros, ela existiria apenas na hipótese em que a causa tenha como fundo relações de natureza puramente civil, comercial ou trabalhista, ou que se enquadre no âmbito do direito privado.

Imunidade. Mas, segundo os ministros do STJ, quando se trata de atos praticados numa ofensiva militar em período de guerra, a imunidade é absoluta e “não comporta exceção”.

Segundo o relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, mesmo com as confissões dos tripulantes e do comandante do submarino, as afirmações “não socorrem os autores da ação, pois o prosseguimento do feito esbarra num óbice intransponível”.

Noronha garantiu que no caso em questão a imunidade é absoluta, “pois o ato praticado pelo estado estrangeiro deu-se numa situação excepcional, qual seja: estado de guerra, em que o Brasil se posicionou contra a Alemanha”.

Para a turma de juízes do STJ, nesse tipo de situação, considera-se que os ataques praticados contra o estado com o qual se guerreia são decorrentes da decisão soberana do estado agressor.

Direitos humanos. “Por mais irônico que possa parecer, em estado de guerra, a simples morte de alguém não é vista sob a ótica pretendida pelos recorrentes, que se aventaram na defesa dos direitos humanos”, ressaltou Noronha.

O relator citou outros julgamentos envolvendo submarinos da Alemanha. E concluiu: “Não há infelizmente como submeter a República Federal da Alemanha à jurisdição nacional para responder a ação de indenização por danos morais e materiais por ato de império daquele país, consubstanciado em afundamento de barco pesqueiro no litoral de Cabo Frio por um submarino nazista, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.”

FONTE: Estadão

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