Denúncias de favorecimento fazem Marinha suspender concurso para práticos
Serviço de aproximação de navios aos portos é considerado um dos mais caros do mundo e um profissional do setor pode ganhar até R$ 300 mil por mês
HENRIQUE GOMES BATISTA
RIO – Dez meses após a presidente Dilma Rousseff ter determinado, no pacote de investimentos em portos, uma modernização da praticagem no Brasil — serviço de aproximação dos navios aos terminais que, segundo os críticos, faz com seus profissionais, os práticos, recebam até R$ 300 mil por mês —, o setor continua a gerar dor de cabeça ao governo. Segundo fontes do mercado, a comissão para modernização e barateamento dos custos da praticagem no Brasil ainda não trouxe resultados. E denúncias de irregularidades e favorecimentos no concurso para a categoria promovido pela Marinha forçou os militares a suspender, nesta quarta-feira, parte do processo seletivo. No total, já há mais de 50 ações judiciais questionando este concurso.
Nesta quarta-feira, a Marinha informou, por meio de nota assinada pelo vice-almirante Cláudio Portugal de Viveiros, diretor de Portos e Costas, que o órgão tomou conhecimento de que “foram tornados públicos alguns dados das Provas Prático Orais do certame” e que, por isso, o órgão decidiu abrir uma sindicância para apurar os fatos e suspender o concurso. Isso pode, segundo fontes do setor, atrasar em até seis meses a conclusão da seleção de novos práticos. O concurso visava a seleção de 206 “praticantes de práticos”, como são chamados os práticos no início de carreira.
“Os dados até aqui coletados autorizam esta Diretoria a concluir que o fato compromete o objetivo da Prova Prático-Oral, consistente em se avaliar a capacidade do candidato em realizar uma faina de praticagem, sem qualquer conhecimento prévio da mesma. Por tal razão, independentemente das conclusões a que se chegar na sindicância instaurada, esta Diretoria, cautelarmente, com fundamento no art. 53 da Lei 9784/99, Súmula 473 do STF, e a fim de assegurar o interesse público, a isonomia entre os candidatos e a integridade do certame, torna pública a anulação da Prova Prático-Oral e a suspensão do Processo Seletivo”, afirmou a nota da Marinha, que se recusou a conceder entrevista para detalhar estes problemas.
A nota afirma, contudo, que as outras etapas da seleção, como a prova escrita, seguem valendo. Entretanto, alguns críticos ao processo de seleção de novos práticos informam que mesmo esta etapa conta com problemas. Segundo diversas ações judiciais que questionam o certame, muitas destas provas contavam com mais de uma resposta correta ou, em alguns casos, não se baseavam em uma bibliografia pública, o que dificulta a participação de interessados no concurso, além de abrir espaço para uma análise subjetiva dos candidatos, o que poderia ser uma porta para o beneficiamento de alguns. Candidatos que se sentiram lesados afirmavam que os problemas vão desde o privilégio nas informações sobre as datas do concurso, ausência de atas e irregularidades na designação da bancada examinadora do certame.
Diversos destes pontos foram levados á Justiça mas, segundo alguns concursantes, o entendimento majoritário do Judiciário, em caráter liminar, tem sido o de respeito à decisão da banca examinadora da Marinha — sem entrar no mérito das irregularidades da própria banca.
A Marinha se limitou à nota que suspende as provas orais, sem responder aos questionamentos do GLOBO sobre as ações judiciais e os demais problemas apontados pelos críticos do processo de seleção de práticos. A maior parte dos críticos ao concurso de práticos e ao serviços de praticagem no Brasil preferem manter o anonimato, por temerem represálias. Segundo empresas do setor, a comissão criada pelo governo para rever os serviços de praticagem, modernizar o setor e baratear seus custos tem se reunido, mas, de forma burocrática, até agora não apresentou resultados práticos. Os militares, que compõe o comitê de revisão da praticagem no Brasil, também não comentaram os resultados desta revisão do serviço, que não tem prazo para ser concluída.
FONTE: O Globo