A perigosa degradação do arsenal nuclear americano
Por MICHAEL AUSLIN
Tradução e edição de Nicholle Murmel
A guerra nuclear parece coisa do passado. A União Soviética desmoronou há quase 25 anos. A guerra disfarçada de contra-insurgência e contraterrorismo definiu uma nova geração de combate. Ainda assim, no começo deste mês o secretário de Defesa, Chuck Hegel, convocou a liderança militar dos Estados Unidos para uma reunião de emergência acerca da força nuclear do país. Escândalos envolvendo demissões, trapaças e falhas contínuas em inspeções resultaram em uma crise do que antes era o símbolo do poder dos EUA.
Um fato ainda mais preocupante – enquanto os guerreiros nucleares lutam para recuperar a confiança da liderança civil, nossos 20 anos de férias atômicas estão acabando. Ao contrário do sonho do presidente Obama de um futuro global sem armas nucleares, a tecnologia de destruição mais perigosa do mundo está se espalhando. O Pentágono precisa revitalizar suas forças estratégicas em face do risco de se tornar cada vez mais incapaz de responder a um mundo instável de potências nucleares.
Mesmo que as forças estratégicas americanas tenham ficando em segundo plano em relação ao fortalecimento interno e às guerras recentes no Oriente Médio, o equilíbrio atômico global mudou de forma permanente. Ainda que Washington se recuse a admitir, a Coreia do Norte se tronou um estado nuclear que também conta com mísseis balísticos de longo alcance. Apesar do tom apaziguador do governo Obama, o Irã garantiu para si um espaço para respirar enquanto negociações lhe permitem continuar seu programa nuclear relativamente a salvo da comunidade internacional.
Enquanto isso, a China acaba de testar uma plataforma balística móvel de longo alcance capaz de atingir alvos no território americano – o que é apenas uma parte da expansão nuclear chinesa. O país também começou a montar uma força de submarinos lançadores de mísseis balísticos. Índia e Paquistão continuam a fazer jus às previsões dos analistas de que a fronteira entre os dois países é o local mais provável para um embate atômico – cada uma das partes recentemente forneceu novos mísseis a suas forças. E acima de tudo isso, Vladimir Putin está modernizando os massivos arsenais atômicos da Rússia, à medida em que seu governo recupera influência na Europa e na Ásia.
Ao passo em que o mundo abraçou as armas nucleares, o poder dos Estados Unidos na área se degradou. Entre as potências atômicas declaradas, apenas os EUA e o Reino Unido não estão modernizando seus armamentos nem os veículos necessários. Os padrões organizacionais da força nuclear americana também decaíram. A Força Aérea passou por uma série de lapsos vergonhosos nos anos 2000 – por exemplo, transportar por engano armas atômicas operacionais dentro o território nacional e enviar dispositivos de disparo para Taiwan. O vice-comandante do Comando Estratégico, equivalente atual do Comando Aéreo Estratégico da Guerra-Fria, foi retirado de serviço em outubro de 2013 por usar fichas falsas de pôquer em um cassino, o que e crime federal. Uma semana depois, a Força Aérea demitiu publicamente um oficial-general de duas estrelas, encarregado do arsenal americano de 450 ICBMs, por comportamento inapropriado durante visita a Moscou. Em janeiro deste ano, notícias revelaram que diversas equipes de lançamento de ICBMs trapacearam em testes e inspeções.
Agora, o cenário dos Estados Unidos cercados por potências atômicas mais fortes está causando um mini-renascimento do esforço nuclear interno. Não há dúvidas de que os oficiais superiores encarregados do arsenal estão comprometidos com sua revitalização e com a “liderança exemplar e conduta pessoal inatacável” necessária para operar as armas mais perigosas que existem, conforme me disse recentemente o atual vice-comandante do Comando Estratégico americano, general James Kowalski. Ainda assim, o governo Obama precisa se movimentar mais rápido para planejar um futuro em que as armas atômicas provavelmente desempenharão um papel crescente na defesa nacional. Por mais difícil que seja admitir, o Dr. Strangelove está de volta.
A Força Aérea só agora está começando a desenvolver uma nova geração de bombardeiros para substituir os B-52 com 50 anos de serviço, os B-1s da década de 1980, e o efetivo minúsculo de B-2 dos anos 1990. Por mais que bombardeiros invoquem os tempos da Guerra-Fria, eles serão cada vez mais importantes nas próximas décadas. Diferente dos mísseis, as aeronaves podem ser reagrupadas, o que é vital para a resposta americana à proliferação nuclear de regimes dissidentes como o Irã. Os aviões também são um elemento dissuasório flexível contra potências atômicas maiores como a China. É necessário lembrar que não temos canal de contato direto ou outras formas de entendimento com Pequim como as que existiam entre Washington e Moscou mesmo nos dias negros da Crise dos Mísseis de Cuba.
A US Navy, por sua vez, está iniciando os trabalhos para um sucessor da classe Ohio de submarinos balísticos, que carregam em torno de metade do arsenal operacional de armas nucleares e são atualmente o elemento com maior capacidade de sobrevivência entre as os suportes desse tipo de armamento. Os futuros SSBN(X) precisarão de vida-útil de 40 anos, começando no ano de 2030, mas a um custo estimado entre seis e oito bilhões de dólares por unidade, o programa enfrentará batalhas duras. Cogita-se também a substituição dos mísseis baseados em terra, uma vez que o ICBM Minuteman III entrou em serviço em 1970, e teve sua produção encerrada em 1978. Nossas armas atômicas precisam, também, de atualização, já que nossas ogivas atuais foram projetadas e construídas entre as décadas de 1960 e 1980.
À medida em que esse renascimento nuclear ganha força, as verbas para a modernização e manutenção não devem ser reduzidas, apesar de os cortes orçamentários sistemáticos afetarem as Forças Armadas como um todo. É preciso que permaneça o compromisso total com o desenvolvimento do novo Bombardeiro de Ataque de Longo Alcance, dos SSBN(X), e particularmente com a extensão da vida útil das nossas ogivas. O custo da renovação atômica é estimado em 132 bilhões de dólares ao longo dos próximos dez anos – a cifra é assustadora em épocas de austeridade, mas a perspectiva de mais armas nucleares na mão de regimes instáveis ou agressivos ao redor do mundo é um lembrete de que segurança nunca é algo barato.
Juntamente com a modernização, enfatizar a importância do arsenal nuclear ajudará a combater o moral baixo e as irregularidades entre os militares encarregados desses armamentos. O engajamento intelectual mais forte também é necessário. Em dezembro do ano passado, o Comando Global de Ataque da Força Aérea realizou seus primeiros jogos de guerra tômica, batizados de Strategic Vigilance, em resposta ao novo ambiente de ameaças – essa é a abordagem correta. A medidas como essa, deve ser somado o encorajamento de uma nova geração de pesquisadores e intelectuais civis da área atômica, que trariam a visão dos fatores políticos e econômicos que podem ser considerados pelo Comando Estratégico e as unidades a ele submetidas.
Ainda que os dias do icônico Comando Aéreo Estratégico tenham acabado, a tríade nuclear certamente se tornará mais e mais relevante nos próximos 20 anos do que foi nos 20 anos passados. A instabilidade dramática que resultará da capacitação nuclear do Irã ou de uma arma atômica norte-coreana, bem como os temores de uma China nuclear mais forte e da Rússia, farão com que a segurança estratégica em casa volte a ocupar posição de destaque nos planos de Defesa. Lideranças políticas hoje precisam começar a pensar em como as armas nucleares se encaixam em um mosaico mais amplo dos planos de defesa dos Estados Unidos diante de um futuro cada vez mais incerto.
Michael Auslin é pesquisador do American Enterprise Institute em Washington
FONTE: Forbes.com (tradução e adaptação do Poder Naval a partir de original em inglês)