A Marinha ‘Imperial’ deve explicações à Opinião Pública
Roberto Lopes*
O Comando da Marinha deve explicações à Opinião Pública sobre a transferência da corveta “Frontin” V-33 para a reserva do serviço ativo da Força.
O navio custou, na virada dos anos de 1980 para a década seguinte, várias dezenas de milhões de dólares que saíram dos cofres da União – alimentados, como se sabe, pelos impostos dos contribuintes. Explicar o que aconteceu à V-33 não é, portanto, um favor custoso, doído ou quase impertinente – como alguns parecem querer fazer crer –, mas um dever.
Infelizmente, nos últimos dois anos, o serviço de Comunicação Social da Marinha vem se omitindo acerca de uma série de fatos que soam estranhos não apenas ao público não-militar, mas também à parte ponderável do público militar.
Permanecem ocultos sob este véu de silêncio casos como (1) a série de denúncias que afloraram na imprensa do Rio sobre os riscos enfrentados pelos tripulantes do navio-aeródromo “A-12 São Paulo”, (2) o inusitado artigo de críticas aos gastos da Marinha com o programa de construção de submarinos, assinado por um jornalista especializado em Marinha Mercante (?!), e (3) a insistência da Marinha em injetar dinheiro na recuperação do “São Paulo” – um programa tão longo (e incerto) que, cumprido à risca, consumirá nada menos do que 14 anos (!!).
Poucas Marinhas no mundo podem se dar ao luxo de manter uma embarcação antiga (com mais de 50 anos de uso) em reparos por 14 anos. A do Brasil, aparentemente, pode.
Para a sorte do Centro de Comunicação Social da Marinha, a imprensa brasileira está desatenta aos vestígios de corrupção investigados pela Justiça do Rio nos concursos para Prático, e à indústria dos “seguro defeso” (auxílio-desemprego para pescadores artesanais), que, em alguns estados do Nordeste, já multiplicou por dez ou 15 vezes o número real de pescadores brasileiros.
Agora vem o caso da “Frontin”, um navio da classe “Inhaúma”, com 20 anos de uso, avaliado como de difícil recuperação pela escassez de recursos. Em contraposição a isso, o ”São Paulo”, que começou a navegar há 51 anos, foi selecionado para um projeto de modernização que irá durar mais 1.421 dias – tempo demais para um navio que, desde 2007, já não presta serviços apreciáveis à Esquadra (apesar de continuar a ser por ela condecorado).
O Comando da Marinha não se apequenaria se admitisse que a desativação da “Frontin” é só o desfecho de uma série de problemas que vêm atormentando a classe “Inhaúma”.
Problemas (a) inerentes ao projeto da embarcação (admissão excessiva de água do mar em mares tempestuosos, instabilidade derivada de problema no centro de gravidade do navio, e deficiência na geração de energia a bordo) e (b) acarretados pela incapacidade da Marinha de manter a aplicação de recursos necessários à conservação dos quatro barcos dessa classe.
A Marinha – como cada um de nós, em nossas vidas – precisou fazer escolhas. E sua opção primeira foi modernizar e prolongar a vida útil das fragatas “Niterói”, os navios principais da força de superfície da Esquadra. Depois veio a opção por desenvolver uma classe de navios-patrulha costeiros de 500 toneladas; depois a opção pela elevação do patamar operacional da Força de Submarinos… E as corvetas classe “Inhaúma” foram ficando para trás…
Agora chegou a hora de reduzir a erosão que elas produzem nas verbas de manutenção da Marinha.
Agarradas ao cais do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro como as cracas que aderem ao costado de um navio, as “Inhaúma” apresentam desgaste no casco, problemas nos motores e obsolescência em alguns de seus mais importantes sistemas eletrônicos.
Isso tudo poderia ser dito pela Comunicação Social da Marinha, sem que o mundo viesse abaixo, ou os programas estratégicos da Marinha “Imperial” corressem o risco de ficar inviabilizados.
A Comunicação Social da Marinha procura mostrar uma Força Naval exemplar, impermeável a problemas, que controla a contento o universo marítimo do país. Mas isso, simplesmente, não é possível. E, claro, impede que cheguemos à conclusão de que a Comunicação Social da Marinha esteja cumprindo o seu dever.
(Voltaremos ao tema.)
*Jornalista especializado em assuntos militares.
Graduado em Gestão e Planejamento de Defesa
pelo Centro de Estudos de Defesa Hemisférica, da Universidade
de Defesa Nacional dos Estados Unidos (turma de 2000).
Ex-correspondente de guerra da Rede Globo e do jornal Folha de S. Paulo na Faixa de Gaza, na guerrilha angolana e no Golfo Pérsico.
Autor do livro “As Garras do Cisne”, sobre
os programas de expansão da Marinha do Brasil.
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