Temas ausentes
Mario Cesar Flores
Dois temas que frequentam o cotidiano da mídia mundial estiveram ausentes das campanhas eleitorais de 2014: relações internacionais e defesa nacional. Na retórica das campanhas de Dilma, Aécio e Marina – e muito mais na dos nanicos – o Brasil aparentava ser um país que não afeta as/nem é afetado pelas atribulações do mundo na economia, na (des)ordem política e social e no meio ambiente; aparentava ser um país seguro, imune a ameaças e sem motivos para se preocupar com a defesa nacional. Não é essa a realidade.
Vivemos enredados nas injunções da integração econômica global, sujeitos a seus trancos e solavancos; ao contrário do que disse o presidente Lula por ocasião da crise econômico-financeira de 2008 – tsunami lá fora, marolinha aqui – fomos atingidos por tempestade tropical, cujos efeitos ainda não estão de todo superados – quando já o foram em outros países! O caos econômico vigente na Venezuela e, mais impactante, na Argentina está tumultuando nosso comércio exterior e, é claro, nossa economia. A redução do ritmo de crescimento do mundo, em particular, da China, prejudica nossa exportação de recursos primários, forte alicerce econômico brasileiro. E a deterioração ambiental, a destruição de recursos naturais e a alteração perigosa do padrão climatológico transcendem fronteiras nacionais – afeta fora o que fazemos aqui, afeta aqui dentro o que é feito lá fora…
Finalmente: o Brasil de 200 milhões de habitantes e 7.ª economia global já não pode ser indiferente, sobretudo em sua região (com atitude ao menos cooperativa mais além), a destemperos desumanos, como têm sido os massacres africanos e está sendo a atuação do Estado Islâmico (organização criminosa que a presidente Dilma viu, na ONU, como susceptível de diálogo); já não pode ser indiferente ao sofrimento infligido a povos mundo afora pela desordem político-social ou por catástrofes naturais (o terremoto no Haiti, por exemplo). A pretensão à cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU pressupõe a aceitação da responsabilidade correlata.
No tocante à defesa propriamente dita, de fato não existem hoje ameaças clássicas (ameaças de Estados) ao Brasil, mas a dinâmica da História não nos sugere a continuidade indefinida da situação atual e Forças Armadas modernas não podem ser improvisadas quando surgir a ameaça, de um dia para o outro. Ademais, à semelhança do que ocorre no mundo em geral, o Brasil está sujeito às varias modalidades de ameaça irregular, dia a dia mais presentes no mundo do século 21. O poder político competente e responsável tem de estar atento a esse quadro inseguro. Não há hoje por que cultivar perspectivas radicais na defesa nacional, mas considerá-la prescindente de atenção é atitude incompatível com a responsabilidade do alto nível político.
Admitindo haver cabimento no conteúdo dos parágrafos anteriores – e os políticos postulantes aos altos cargos da República provavelmente o admitem -, cabe perguntar: então por que a omissão desses temas nas campanhas eleitorais? A razão não é a desimportância objetiva de tais temas, é sua desimportância eleitoral. Os marqueteiros das campanhas são balizados menos pela realidade nacional – e por ela no quadro internacional – e mais pelo que afeta o dia a dia do eleitorado, em grande parte alheio aos temas, por indiferença apoiada na ignorância ou na pressão de suas necessidades elementares mal atendidas – no que, sob o ponto de vista da vitória eleitoral, lhes cabe razão.
Passam ao largo do marketing popular/populista quaisquer comentários sobre assuntos como a competitividade econômica no mundo integrado, as relações com países desenvolvidos versus preferência pelo relacionamento neoterceiro-mundista bolivariano, as atribulações do Mercosul prejudicado pela tarifa externa comum (TEC) e pelo protecionismo argentino, a moderação do ritmo de crescimento global e sua consequência sobre nossa exportação de produtos primários… tudo em detrimento do comércio externo brasileiro. Mesmo questões que hoje sacodem o mundo – meio ambiente, ecologia, clima e recursos naturais – tampouco emocionam o eleitorado despreparado. A classe média já “mais ou menos” instruída lhes dá alguma atenção, mas a grande massa as ignora. Na verdade, ignora as influências em geral, que emolduram a inserção do Brasil no mundo. Assuntos dessa natureza soariam como perda de tempo no horário de propaganda gratuita.
O vazio é ainda mais evidente na defesa nacional. É curioso observar que nas pesquisas de opinião as Forças Armadas vêm sendo sistematicamente hierarquizadas em primeiro lugar no quesito confiabilidade. Mas não se trata de confiabilidade na capacidade militar de dissuadir ou abortar ameaças, de contribuir para a ordem regional e global. Isso não passa pela cabeça da grande massa, nem mesmo da classe média. Trata-se de confiabilidade na retidão comportamental, num universo público que nesse quesito beira a vergonha. A apatia estende-se a segmentos societários cujo preparo deveria qualificá-los para compreender a interação da defesa nacional com a vida nacional – fato que provavelmente ainda reflete algum resquício psicopolítico do passado de presença militar na vida política nacional.
Sintetizando, para finalizar: a propaganda eleitoral de 2014 praticamente ignorou a política externa e a defesa nacional, objeto de raras e superficiais menções, se tanto. Razão: ambas não rendem votos, por ignorância, indiferença mental e porque se trata de temas que – tanto quanto a grande massa pode entender – não afetam seu cotidiano comumente sofrido. Mas os candidatos não poderiam deixá-los de lado: suas postulações a cargos de alta relevância nacional implicam – no mínimo – deixar claro que eles reconhecem a existência desses temas e se preocupariam com eles, no exercício do mandato. Isso não aconteceu.
*Mario Cesar Flores é almirante
FONTE: O Estado de S.Paulo
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