Base chinesa em Walvis Bay põe em xeque trabalho da Missão Naval do Brasil na Namíbia
Uma delegação da República Popular da China desembarcará proximamente em Windhoek, capital da Namíbia, para negociar a instalação, ainda este ano, de uma base naval chinesa em Walvis Bay, porto de águas profundas que abriga a principal base da Marinha namibiana e também a Missão de Assessoria Naval do Brasil (MAN-Namíbia) no país.
A informação, publicada na última segunda-feira (19.01) pelo jornal “The Namibian” – e repetida um dia mais tarde pelo diário “Informanté” –, vem causando, nos círculos diplomáticos e oficiais da capital, constrangimento e irritação. Na terça-feira, o governo de Windhoek a desmentiu, tachando-a de “fabricada”.
Os jornais aludiram aos termos de uma carta confidencial datada do mês passado, em que o embaixador namibiano em Pequim, Ringo F. Abed, de 58 anos, comunicava aos seus superiores o plano de viagem dos chineses.
De acordo com o noticiário, Abed – que serve na China desde outubro de 2013 – discutiu o assunto, pessoalmente, com o diretor de Comunicação (e porta-voz oficial) do Ministério da Defesa chinês, Geng Yansheng, numa reunião que os dois mantiveram em Pequim, no dia 19 de dezembro de 2014.
Os desmentidos vieram logo, e de todos os lados.
“A troca de informações entre os líderes da Defesa da China e funcionários da Embaixada da Namíbia conforme relatado pelo ‘Namibiano’ é pura invenção”, reagiu nesta quarta-feira (21.01) o Ministério da Defesa chinês. “Desde que fui nomeado ministro da Defesa, em 2012, não houve discussão com os chineses sobre a construção de uma base naval”, reforçou o ministro da Defesa da Namíbia, Nahas Angula, que foi primeiro-ministro do país entre 2005 e 2012. “Eu realmente não estou ciente de um projeto deste”, concluiu.
Destoando ligeiramente do tom de indignação geral, a ministra das Relações Exteriores namibiana, Netumbo Nandi-Ndaitwah, de 62 anos – uma ex-guerrilheira da SWAPO (movimento pró-independência da Namíbia) formada, na década de 1970, na Escola Política da (extinta) União Soviética –, foi cautelosa: “Eu não sei nada sobre a base naval, eu vou acompanhar o assunto e investigar para saber mais”.
‘Elephant’ – A carta de Abed descreveria os dois objetivos da base chinesa: cooperar na repressão à pesca ilegal (que, segundo os meios diplomáticos de Windhoek, é praticada em larga escala por barcos de pesca chineses…) e cooperar na formação da Marinha namibiana – tarefa de que a Marinha do Brasil se ocupa desde a assinatura de um acordo Naval entre os dois países, em 2001.
Atualmente, além de treinar as tripulações dos navios militares da Namíbia, oficiais e praças do Corpo de Fuzileiros Navais trabalham na organização do primeiro batalhão de fuzileiros navais da Namíbia.
As novidades publicadas pela imprensa namibiana foram reportadas ainda no início da semana pela Embaixada do Brasil em Windhoek para o Itamaraty, e pela Missão Naval brasileira em Walvis Bay diretamente ao Comando da Marinha. Mas a verdade é que elas não surpreendem.
O aumento da influência militar chinesa na Namíbia é perceptível desde que, a 13 de agosto de 2012, a Marinha local recebeu o “S-11 NS Elephant”, um navio-patrulha de 180 m de comprimento e 2.660 toneladas de deslocamento construído pelo estaleiro Wuchang, da cidade chinesa de Wuhan.
A incorporação do barco (dez vezes maior que o classe Grajaú fornecido em janeiro de 2009 pelo estaleiro INACE aos namibianos), foi assistida pelos oficiais da Missão Naval do Brasil, e prestigiada por Wang Xiaochao, presidente da Poly Technologies, empresa que comandou o programa de construção do “NS Elephant”, com a assistência do conhecido Centro de Design e Desenvolvimento de Navios da China (China Ship Development and Design Center), também sediado em Wuhan.
Inspeção Operativa – Dotado de canhão na proa e de convés de vôo para helicópteros de médio porte na popa (mas não de hangar), o barco, de 65 tripulantes e velocidade máxima operacional de 22 nós, representou, no começo, desafio um tanto grande demais para o pessoal da Força Naval da Namíbia.
Tanto que entre 17 de junho e 21 de novembro de 2013, coube ao efetivo da MAN-Namíbia realizar uma “Inspeção Operativa” na unidade.
O próprio portal da Marinha do Brasil relatou, a 3 de dezembro de 2013:
“Inicialmente, a MAN-Namíbia prestou assessoria técnica e administrativa na organização do navio, sugerindo propostas para tabela de lotação, tabela mestra e tabela mestra individual, além da composição do reparo de Controle de Avarias e do Grupo de Socorro Externo.
Posteriormente, foram realizadas a Verificação de Chegada, os Programas de Adestramento no Porto e no mar, culminando com a Verificação de Eficiência. Diversos exercícios operativos realizados sob a coordenação da MAN envolveram os setores de marinharia, armamento, adestramento, manobra, navegação, comunicações, eletrônica, máquinas, controle de avarias, saúde e intendência.
Os militares da MAN-Namíbia participaram como assessores dos Oficiais e Praças namibianos e contribuíram diretamente na capacitação dos militares, possibilitando que as futuras inspeções operativas dos meios navais da Marinha da Namíbia sejam conduzidas exclusivamente por militares daquela Força”.(“Missão de Assessoria Naval na Namíbia realiza Inspeção Operativa em navio da Marinha”).
Bastidores – De acordo com uma fonte do governo brasileiro consultada pelo Poder Naval, a aproximação militar entre a Namíbia e a China foi possivelmente negociada, ainda em 2011, pelo então primeiro-ministro Angula, que hoje ocupa a Pasta da Defesa.
O estreitamento das relações entre Pequim e Windhoek é, contudo, bem mais antigo. A 21 de novembro de 2006, o jornal “The Namibian” estimou em 44.000 o número de cidadãos chineses residentes na Namíbia, com base nos dados colhidos pelo Grupo de Ação de Monitoramento, uma entidade quer presta assessoria ao Parlamento namibiano. Admite-se, no corpo diplomático de Windhoek, que esse número seja, hoje, pelo menos 50% maior.
Para viabilizar o adensamento dessas relações, Pequim exigiu que a Namíbia se afastasse do governo de Taiwan. Em troca desse gesto político, a China Popular prometeu investimentos maciços na infraestrutura do território namibiano, que é o quarto maior produtor mundial de urânio.