‘Compras de oportunidade’ como a do ‘Siroco’ permitem avanços à Marinha do Brasil
Roberto Lopes
Editor de Opinião da Revista Forças de Defesa
e autor do livro “As Garras do Cisne”
A política das “compras de oportunidade” implementada até os últimos dias de sua gestão pelo comandante da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto, centrada na aquisição de navios modernos (novos ou de pouco uso) que se encontravam em circunstância de súbita disponibilidade, constitui, ao lado da elevação de patamar da flotilha nacional de submarinos, o grande legado da administração naval que se encerra.
O interesse sempre demonstrado pelo “Siroco” (apesar de até o início de 2014 ele ser dado como aquisição certa da Marinha do Chile), e agora a notícia de que os técnicos da Força Naval recomendam sua compra, equivalem a um apagar das luzes sereno – que certamente dá, ao chefe que deixa o comando, a sensação do dever cumprido.
O almirante Moura Neto é humano, e, portanto, sujeito a falhas (como sua tendência de ser um chefe concentrador), mas, no início da década, assistido por bons oficiais, ele mostrou competência e agilidade, ao liderar a compra dos três patrulheiros classe Amazonas. E exercitou esse seu bom senso, de novo, nos últimos meses, ao manter o “Siroco” sob mira.
Essas aquisições relâmpago – repito, centradas sobre embarcações que agregam modernidade (valor real) à Esquadra – permitem que uma Força de recursos limitados como a brasileira, sitiada por contingenciamentos orçamentários decorrentes de erros em setores governamentais que nada, rigorosamente, têm a ver com as Forças Armadas, mantenha o nível de adestramento do seu pessoal. E ainda coloque seus meios à disposição do Executivo, de forma a poder atender os requerimentos das Nações Unidas, e eventuais missões de mostrar a bandeira.
“Menino” – A classe “Amazonas” – que a Marinha do Brasil deveria replicar no seu plano de obter novas embarcações de patrulha oceânica – multiplicou a capacidade de vigilância e fiscalização da Marinha, dentro e fora das águas jurisdicionais brasileiras.
As unidades dessa categoria contribuíram para o treinamento das nossas tripulações na custódia das bacias petrolíferas, no combate à pirataria e nas técnicas de abordagem – indispensáveis à repressão ao contrabando (especialmente de armas e entorpecentes) por via aquática, e à pesca ilegal.
Agora, também o “Siroco” vai, mercê das suas qualidades marinheiras e das suas capacidades, implementar um outro salto de qualidade. Na Armada e no Corpo de Fuzileiros Navais.
A equipe de vistoria técnica – seis militares e um engenheiro de Tecnologia Militar civil – que viajou ao porto francês de Toulon para inspecioná-lo, gostou do que viu.
Entre os dias 16 e 18 de dezembro de 2014 os sete cumpriram diferentes visitas ao “Siroco”, todas guiadas por oficiais da tripulação, que se estenderam aos mais diversos setores do barco.
O “Siroco” deveria permanecer na ativa da Marine Nationale até o ano de 2022, mas sua desincorporação foi antecipada no bojo de uma série de medidas de economia adotadas, ano passado, pelo Ministério da Defesa francês.
O barco é um LPD com doca alagável, que permite a saída de lanchas de desembarque, transportadoras de pessoal, viaturas e suprimentos. E é relativamente novo. Está em serviço há apenas 17 anos.
Mede 168m de comprimento por 23,5m de largura, e desloca, a plena carga, 12.400 toneladas. Apesar de pertencer à classe Foudre (atual “Sargento Aldea”, da Armada chilena), é um navio um tanto diferente e consideravelmente mais moderno do que seu antecessor (cabeça-de-série).
Talvez muitos não saibam, mas há entre eles mais de oito anos de diferença. E oito anos em termos de tecnologia naval não é pouca coisa.
Em relação ao porta-aviões “São Paulo”, ex-“Foch”, a distância é ainda mais gritante. Apesar de ambos exibirem a mesma origem – a indústria naval francesa – o “Foch” é uma embarcação dos anos de 1950; o “Siroco” é um “menino” 40 anos (!) mais novo.
Doca – Em seu convés de vôo existem dois pontos de aterrissagem para helicópteros, e um hangar capaz de abrigar dois desses aparelhos de porte médio. Um terceiro heliponto pode ser improvisado por cima da área correspondente à cobertura da doca, na popa.
Em caso de emergência o “Siroco” é capaz de transportar um batalhão inteiro de fuzileiros navais. Além disso, é preciso ter em conta que a classe Foudre foi configurada para o transporte de uma dezena de viaturas blindadas AMX-10RC – um AFV 6×6 de 15 toneladas – e mais 50 veículos táticos de diferentes tipos e tamanhos. Caso a doca não seja utilizada, seu espaço interno acolherá um número bem maior de viaturas: entre 180 e 200…
Trabalhando por 30 dias a uma média de 15 nós horários, as máquinas do “Siroco” são capazes de levá-lo a qualquer ponto num raio de 19.000km.
Seu advento na Esquadra brasileira (entristecida pela falta de autorização da Presidência da República para a renovação da força de superfície) é, portanto, de se comemorar.
Ganha o pessoal da Armada, ganham os pilotos da Força Aeronaval e os fuzileiros, que sempre almejaram um transporte dessa comodidade e segurança.
Ganha o próprio Moura Neto que, nesta sexta-feira, ao despedir-se do cargo, percorrerá aqueles corredores monótonos (feiosos?) do Comando da Marinha, ladeados por divisórias claras de fórmica, com o semblante tranqüilo (apesar da emoção).
Sob o olhar de mudo agradecimento daqueles que continuarão a, literalmente, tocar o barco.