Menos ativa que na Guerra Fria, Esquadra russa vive agora de propaganda
Roberto Lopes
Editor de Opinião da Revista Forças de Defesa
Enquanto a China estende ao Sri Lanka, às Ilhas Seychelles e à República da Namíbia, os acordos que lhe permitirão estabelecer bases de apoio à sua frota de guerra oceânica, os russos estão fazendo o caminho oposto.
Dados colhidos por analistas americanos do poderio militar de Moscou indicam que a atual força de submarinos nucleares da Rússia em condições de operar é pequena e tem baixa disponibilidade.
Suas tripulações estão constantemente empenhadas em treinamentos e exercícios com os navios amarrados ao cais, e só algumas vezes ao ano vão para águas azuis, a fim de comprovar o nível de adestramento.
O governo do presidente Vladimir Putin está construindo novos submarinos nucleares, mas a um ritmo lento, ditado pela má situação dos seus estaleiros (que demandam várias modernizações) e por verbas limitadas – uma decorrência da economia afetada pela queda do preço do barril do petróleo, e do desvio de recursos para a aquisição de suprimentos que, em consequência de sanções impostas pelo Ocidente, já não chegam ao território russo nas quantidades de antes.
Lançamentos – O quadro de deficiências da força de submarinos – conhecida por ser, tradicionalmente, o braço de maior alcance de Moscou – coincide, perfeitamente, com o estado geral da Marinha.
Na última década, quase todos os lançamentos de unidades de superfície corresponderam a barcos de menos de 2.000 toneladas: corvetas mais adequadas à patrulha costeira e navios ligeiros porta-mísseis, também indicados para a proteção de águas jurisdicionais.
Não por outro motivo os russos encomendaram dois porta-helicópteros – o “Vladivostok” e o “Sebastopol” – à indústria naval francesa. Como é sabido, as duas embarcações estão em fase final de prontificação mas sem data para serem entregues, devido à política inflexível de Putin em apoio aos separatistas ucranianos.
Em 2012, a Rússia anunciou que os seus subs nucleares dotados de mísseis balísticos (SSBN, na sigla em inglês) retomariam, aquele ano, as chamadas “patrulhas de combate” de longa duração. Mas a verdade é que isso não aconteceu.
Antes de 2012 foram registradas só umas dez dessas patrulhas ao ano, cada uma demorando, em média, três meses (ou um pouco menos) – e a maioria não se afastou muito do litoral russo. De acordo com dados recolhidos por satélites, aeronaves e embarcações a serviço da Organização do Tratado do Atlântico Norte e de potências amigas da Aliança Atlântica, alguns desses patrulhamentos sequer foram cumpridos por submarinos nucleares porta-mísseis.
Propaganda – Desde o fim da Guerra Fria, em 1991, a Marinha da Rússia não apenas encolheu, ela também se tornou bem menos ativa.
Seu maior reforço não veio dos estaleiros, mas dos teclados dos computadores da mídia fortemente controlada pelo Putinismo: a agência de notícias Ria Novosti, o diário “Kommersant” e outras ferramentas de difusão como a “Voz da Rússia” e a “Gazeta Russa”.
Esses órgãos são usados para difundir a ideia de que a a marujada de Moscou – seus canhões e mísseis – continua presente e vigilante pelos quatro cantos do mundo.
Foi assim, por exemplo, em novembro de 2013, quando uma flotilha da força de superfície russa, capitaneada pelo cruzador “Moskva”, apareceu na Nicarágua para comemorar os 33 anos da Força Naval local. Os navios entraram no Caribe pelo Canal do Panamá, visitaram Cuba antes de chegar ao litoral nicaraguense, e seguiram para a Venezuela depois disso.
Um tour com direito a declarações atrevidas (mais tarde desmentidas) do subchefe da Frota do Mar Negro, almirante Vladimir Ruban sobre a capacidade da sua Marinha de cooperar militarmente com a Nicarágua, e generosa cobertura da imprensa moscovita.
Substituição – Na Arma Submarina, as dificuldades financeiras e operacionais da Marinha da Rússia são denunciadas pelo emprego crescente dos submarinos de ataque diesel-elétricos, em substituição aos barcos de propulsão nuclear lançadores de mísseis.
Mesmo assim, a maior parte das travessias dos submersíveis correspondeu a comissões de adestramento que duraram apenas alguns dias – ou mesmo, só algumas horas.
É preciso lembrar que a capacidade de uma frota militar é medida pelo seu estado de prontidão para o atendimento às “patrulhas de combate”, e dos “desdobramentos” em proveito dos interesses estratégicos da Força.
Apenas como comparativo: na Marinha dos Estados Unidos, a maioria das travessias atribuídas aos submarinos nucleares duraram entre dois e seis meses. Na última década, as embarcações com propulsão nuclear americanas realizaram dez vezes mais patrulhas que os submarinos russos.
No papel, a Marinha do presidente Putin tem – incluindo as unidades de apoio e as de assalto anfíbio – 270 navios de combate. Mas a verdade é que só 15% desse conjunto impressionante correspondem a navios de superfície pesados e a submarinos. E só a metade, aproximadamente, está pronta a responder a um acionamento de emergência, e suspender. O resto da Esquadra é constituído por barcos muito antigos e mal mantenidos.
Já a US Navy possui 290 navios, com um índice de disponibilidade – garantem os analistas – da ordem de 85%; cerca de 45 embarcações estão, permanentemente, sendo reparadas ou submetidas a modernização.
Deficiências – Atualmente, a Rússia só tem 14 SSBN em serviço, e nem todos têm a carga de mísseis que deveriam transportar. Alguns estão com tripulações incompletas; outros exibem sistemas que requerem manutenção.
Doze deles são do tipo Delta IV, que raramente cumprem missões importantes – na verdade, apenas aguardam a data de sua aposentadoria.
Entre os 15 barcos nucleares de ataque tipo Akula, de 7.000 toneladas – construídos no fim da década de 1980 e comparáveis à classe americana Los Angeles –, a situação não é muito melhor.
Somente nove estão em serviço (um outro foi alugado para a Índia). O resto foi colocado na frota de “reserva” por falta de recursos e de material humano para tripulá-los.
Em nossos dias, os americanos mantém na ativa 11 dos novos subs de ataque tipo Virginia, de 7.700 toneladas; há mais dois se preparando para entrar em operação, e outros 17 têm sua construção já programada.
A base da Arma Submarina americana é, no entanto, o navio de ataque classe Los Angeles, de 6.100 toneladas. Sessenta e dois deles foram entregues, e desses 40 continuam em serviço – tornando-se, provavelmente, a mais numerosa classe de submarinos nucleares jamais posta em atividade.
Na Marinha russa, o auge das “patrulhas de combate” aconteceu em 1984, quando foram cumpridas 230 dessas missões.
Então, no final dos anos de 1990, esse número caiu vertiginosamente até 2002, época em que nenhuma “patrulha” de longo alcance foi realizada. Nos últimos anos os russos têm se esforçado por restabelecer a rotina das suas navegações mais demoradas, mas o orçamento da Marinha não é alto o suficiente para permitir a rápida reconstrução de uma força de submarinos com a importância daquela que pontificou na época da Guerra Fria.
Borei – Mesmo assim, grande parte das verbas destinadas à Marinha tem sido alocada à produção de submarinos com propulsão nuclear.
Seis Akulas foram concluídos desde a primeira metade da década de 2000. E os russos ainda deram início ao programa de construção das novas estrelas da companhia: os SSBN classe Borei.
As duas primeiras embarcações desse tipo custaram, cada uma, 1 bilhão de dólares, mas ainda estão fora das patrulhas por falta de dinheiro e dos problemas técnicos com seu novo míssil balístico (aprovado para a aquisição pela Marinha em 2014).
A questão dos recursos é crucial, e ameaça mesmo estrangular a incorporação dos Borei à rotina operacional.
Os almirantes russos já sabem que, devido às restrições orçamentárias, até o fim de 2015 ou 2016 (ou, até mesmo, mais para frente), não haverá mísseis balísticos em quantidade suficiente para preencher todos os silos dessa noca categoria de submarinos.
Não obstante isso, neste momento, a prioridade conferida aos submarinos nucleares está mantida, e concentrada na produção de seis novos Boreis.
Eles são considerados essenciais porque carregam SLBMs (mísseis balísticos lançados de submarinos, na sigla em inglês) que fornecem um componente crítico (decisivo) da força de dissuasão nuclear russa.
Os analistas americanos, porém, advertem: caso Moscou não equacione sua crise econômica, e o dinheiro para a indústria naval militar no país não volte a irrigar de forma prodigiosa as atividades dos estaleiros, em 2035 a Rússia terá apenas uma dúzia de submarinos nucleares portadores de mísseis balísticos e uma dúzia de submersíveis nucleares de ataque com armamento convencional.
Além dos textos elogiosos da mídia russa, é claro.