Navios de propósitos múltiplos: vetor anfíbio do futuro

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BPC Dixmude - foto Alexandre Galante - Poder Naval

CF(FN) José Carlos Silva Gioseffi, na Revista “Âncoras e Fuzis”, nº 45, de dezembro de 2014

Introdução

Atualmente, há elevado grau de incerteza de ameaças aos Estados Nacionais, o qual é associado à diversidade e à imprevisibilidade de ocorrência das mesmas. Tais ameaças podem variar de forças militares antagônicas de países potencialmente inimigos até agentes não estatais de difícil identificação prévia.

Neste contexto, a preparação e a prontidão das Forças Armadas no cenário internacional vem sendo orientadas para atuação em uma miríade de missões, em diferentes locais e cenários, visando a respaldar a ação política dos respectivos Estados.

Desta forma, o emprego do poder militar, particularmente das Marinhas, busca a aplicação da força necessária no local, no momento e na intensidade adequados, de modo a possibilitar uma resposta oportuna e pronta a quaisquer ameaças.

É neste cenário de elevada incerteza, que os Navios de Propósitos Múltiplos (NPM) têm crescido de importância, pois maximizam a mobilidade e a flexibilidade de emprego dos meios navais, atendendo à imprescindível necessidade de serem capazes de atuar em áreas extensas, por longos períodos de tempo, com capacidade de transportar meios aéreos, navais e de fuzileiros navais e desembarcá-los ou lançá-los de diferentes formas. Assim, os NPM são necessários para combinar os orçamentos disponíveis, os vários atributos de uma capacidade de comando e controle, a aviação embarcada, a capacidade de carga, o descarregamento, as instalações médicas e um grande volume interno de pessoal, veículos e outros meios de transporte de material.

Como demonstração inconteste da crescente relevância deste tipo de navio, ressalta-se os seguintes projetos de NPM que vêm sendo construídos ou empregados por diversas Marinhas no mundo:

LPD 17-copyright-northrop-grumman-corporation

a.Landing Platform Dock (LPD) 17 USS “San Antonio” (EUA) – O primeiro foi comissionado em 2006. Possui comprimento de 208,5 metros; deslocamento de 24.900 toneladas; capacidade de lançamento de aeronaves de: dois CH53E “Super Stallion” ou quatro helicópteros CH-46 “Sea Knight” ou dois MV-22 “Osprey”, que podem ser lançados ou recolhidos simultaneamente; capacidade de transporte de dois Landing Craft Air Cushioned (LCAC) ou duas Embarcações de Desembarque de Carga Geral (EDCG); quatorze CLAnf; e capacidade de transportar 699 militares, sendo 66 Oficiais e 633 Praças (LAGE, 2011, p. 92).

America

b.Classe America LHA-6 (EUA) – Possui comprimento de 257,3 metros; deslocamento de 44.971 toneladas; capacidade de lançamento de seis Boeing AV-8B Harrier II Plus ou F-35Bs, doze MV-22 Ospreys, quatro Sikorsky CH-53E / K Super mar garanhões, quatro de Bell AH-1W / Z Super cobras e três UH -1N / Y Hueys, além de duas de transporte de MH-60S Seahawk / helicópteros SAR; e capacidade de transporte de 1.687 militares (PERUZZI, 2014, p. 15).

Juan Carlos I - foto Marinha Espanhola

c.Buque de Proyección Estratégica – BPE “Juan Carlos I” (Espanha) – Possui deslocamento de 27.050 toneladas carregado; 202,3 metros de comprimento; capacidade de operar de 18 a 25 helicópteros de combate, com 12 blindados, 65 viaturas sobre rodas e 27 CLAnf; e capacidade de transportar 910 militares (PERUZZI, 2014, p. 17).

BPC classe Mistral - foto Marine Nationale

d.LHD classe Mistral (França) – o primeiro foi comissionado em 2006. Possui deslocamento de 21.300 toneladas; convés-doca com capacidade de transporte de quatro Embarcações de Desembarque de Viaturas e Material (EDVM) ou dois LCAC. Conta com capacidade de embarcar 230 viaturas ou 8 helicópteros e 60 viaturas. Sua capacidade de transporte de tropa é de 450 militares. Possui infraestrutura para comando e controle e possui, ainda, um hospital modular no hangar com área de 850m² com capacidade para 69 leitos, sendo 19 em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) (LAGE, 2011, p. 92).

e.Diversos outros projetos como: o LPD “Conde de Cavour” (Itália), LHD classe Canberra (Austrália); o novo BDSL (Bâtiment de Débarquement et de Soutien Logistique), plataforma que está sendo construída para a Argélia; 20000t Landing Patrol Dock, que está sendo construído pela China Shipbuilding & Offshore International Co (CSOC); a variante do projeto Endurance da Singapore Technologies Marine (ST Marine); LPD classe Osumi (Japão); e os de menor vulto como o classe Macassar (Coreia do Sul) (PERUZZI, 2014, p. 18-22).

As amplas possibilidades dos NPM e o emprego pela Marinha do Brasil (MB)

Os complexos projetos de NPM, ao permitirem a fundamental capacidade de transporte de diversos tipos de meios, ampliam, consideravelmente, o espectro de operações a serem desencadeadas pelo Conjugado Anfíbio. Além disso, o desembarque flexível por meio de EDCG, EDVM, CLAnf ou helicópteros de médio porte, a partir de um único navio, propicia a concentração de fuzileiros navais, viaturas, blindados e meios de apoio logístico em praias, portos e outros locais julgados de interesse operacional. Tal fato potencializa relevantes características do Poder Naval e dos Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav): a versatilidade, enquanto aptidão para executar ampla gama de tarefas; e a flexibilidade, como possibilidade de graduação do seu emprego.

Neste contexto, as possibilidades de realização de Operações de Evacuação de Não Combatentes, Operações de Paz, respostas a desastres naturais, ambientais e Operações Humanitárias, todas incluídas no espectro das Projeções Anfíbias, tornam-se bastante ampliadas com o emprego dos NPM.

CLAnf do CFN em operação Passex com o BPC Dixmude - foto Nunão - Poder Naval

Cabe ressaltar que, para assegurar sua capacidade de projeção de poder, a Estratégia Nacional de Defesa (END) preconiza que a Marinha possuirá meios de Fuzileiros Navais, em permanente condição de pronto emprego; e o Corpo de Fuzileiros Navais consolidar-se-á como a força de caráter expedicionário por excelência. Para tanto, sua Força Naval de Superfície contará tanto com navios de grande porte, capazes de operar e de permanecer por longo tempo em alto mar, como com navios de porte menor, dedicados a patrulhar o litoral e os principais rios navegáveis brasileiros. Não obstante, o mesmo documento estabelece que entre os navios de alto mar, a Marinha dedicará especial atenção ao projeto e à fabricação de Navios de Propósitos Múltiplos (END, 2008, p. 12-13).

Assim, conforme os Requisitos de Estado-Maior (REM) para NPM, estabelecidos pelo Estado-Maior da Armada, em 2013, a exploração das características dos referidos meios, favorecidas pela liberdade dos mares, pela disponibilidade de pontos de apoio logístico estrategicamente posicionados e pela incorporação de apoio logístico móvel às forças em operação, proporciona, entre outras, as capacidades de: atuar no mar e projetar-se sobre terra; aplicar o poder de destruição ou de ameaça, graduando-o adequadamente ao momento e ao local; atuar, balanceadamente, contra diversos tipos de ameaça (aérea, de submarinos e de superfície), que se apresentem isolada ou simultaneamente; exercer ameaça além do horizonte, como necessário; e prescindir, durante tempo ponderável, de linhas de apoio logístico longas e vulneráveis.

BCP Dixmude - foto 2 Nunão - Poder Naval

Em decorrência dos REM supracitados, o Comando de Operações Navais estabeleceu, em 2014, os Requisitos de Alto Nível de Sistemas (RANS) para os NPM, por meio dos quais diversas características de desempenho, fundamentais para o emprego do conjugado anfíbio, foram garantidas. Entre elas, destacam-se: autonomia; capacidade de operar com um Destacamento Aéreo Embarcado (DAE); capacidade de transportar, em convés doca, embarcações de desembarque e CLAnf; capacidade de transportar, em tanque deck, viaturas operativas e Carros de Combate; disponibilidade de diversos compartimentos de carga e habitabilidade em apoio à uma Unidade Anfíbia (UAnf); assim como disponibilidade de compartimento e facilidades de comando e controle em apoio ao EM do Comando de Força Anfíbia embarcada.

Em síntese, percebe-se que a evolução dos estudos e os recentes estabelecimentos de requisitos relativos aos NPM pela MB ratificam a importância dos mesmos para o emprego contínuo e eficaz do Poder Naval brasileiro.

Projetos em estudo pela MB

A despeito dos requisitos e estudos supracitados, em decorrência da END, o Plano de Articulação e Equipamentos da Marinha do Brasil (PAEMB) estabeleceu no projeto de Construção do Núcleo do Poder Naval, como um de seus subprojetos de equipamentos, o de “Navios de Propósitos Múltiplos”. Este subprojeto aponta a necessidade da construção de quatro unidades (três para a 1ª Esquadra e uma para a 2ª Esquadra), que constituirão o principal meio para a tarefa de projeção de poder, para o transporte de Fuzileiros Navais, no atendimento às Operações de Apoio Humanitário e no transporte de pessoal e material para a região amazônica, em caso de crise ou conflito.

No âmbito do Programa de Obtenção de Navios Anfíbios (PRONANF), a MB iniciou, em 2011, estudos para o início do processo de obtenção de navio anfíbio, a ser construído no Brasil, a partir de projeto já aprovado e testado em outras Marinhas.

Assim, em 2013, a MB considerou de extrema importância a oportunidade de conhecer o projeto de construção do Navio Multipropósito (classe Makassar) produzido pela Marinha de Guerra do Peru, no estaleiro SIMA-CALLAO, cujo projeto pertence à empresa sul-coreana Daewoo Shipbuilding & Marine Engineering (DSME). O referido meio é empregado pela Marinha da Indonésia e possui as seguintes características consideradas positivas para a MB: lotação para tropa de 450 militares; convés doca para transporte de até duas EDVM; tanque deck para Viaturas Blindadas, CLAnf e Carros de Combate; uma porta lateral em cada bordo, o que facilita o embarque e desembarque portuário; convés superior para Viaturas Operativas (Convés-H) com capacidade de tráfego de até 20 toneladas; e previsão de uma sala odontológica, uma farmácia, três enfermarias com um total de 17 leitos, o que possibilita o emprego do navio como um dos elos das cadeias de evacuação, imprescindível às Operações Anfíbias.

Makassar - Coreia do Sul
Makassar – Coreia do Sul

Paralelamente, diversas possibilidades de obtenções por oportunidade foram avaliadas, entre elas a do Landing Platform Dock (LPD) da Classe “Austin” (USS Denver, comissionado em 1968) e doLanding Ship Dock (LSD) classe “Whidbey Island” (USS Whidbey Island e/ou USS Tortuga, comissionado em 1990). Contudo, a expectativa de maior vida útil e a propulsão a diesel dos LSD classe “Whidbey Island” são as principais vantagens em relação aos da Classe “Austin”, de propulsão a vapor.

Adicionalmente, em 2014, a MB manifestou o interesse na aquisição por oportunidade do “LPD SIROCO”, cujo descomissionamento da Marinha francesa está previsto para 2015, com possibilidade de aquisição do referido projeto para futura construção de segunda unidade no Brasil. O navio é da classe Foudre, possui capacidade de tropa de 450 militares, transporta até quatro helicópteros de porte médio, possui convés doca com capacidade para duas EDCG ou dez EDVM, além de dois centros cirúrgicos, 55 leitos e dois centros de tratamento de queimados. Tal LPD, em relação ao da classe Makassar, apresenta vantagens significativas para as Operações de Projeção Anfíbia, principalmente, por possuir capacidade de transporte de EDCG e helicópteros de médio porte simultaneamente.

06TLN0176i0228

Conclusão

A crescente priorização atribuída pela MB aos estudos para o estabelecimento de requisitos dos NPM, assim como para a obtenção de Navios Anfíbios, demonstra a relevância do tema e seu alinhamento com as diretrizes contidas na END.

Por fim, conclui-se que o crescimento harmônico e balanceado do conjugado anfíbio assegura, inequivocamente, a autossuficiência e a capacidade expedicionária dos Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais, conferindo maior credibilidade ao Poder Naval e mantendo-o, desta forma, em nível compatível com a posição e compromissos brasileiros no cenário internacional.”

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