Navio-Aeródromo: Capitânia de Esquadra balanceada para o Brasil
Mauro Cesar Rodrigues Pereira
Almirante de Esquadra (Ref) – Foi o último ministro da Marinha do Brasil, de 1 de janeiro de 1995 a 1 de janeiro de 1999. A partir de então, com o Ministério da Defesa, o cargo passou a ser de Comandante da Marinha
Antes de abordar tópicos relativos à esquadra necessária ao Brasil é forçoso relembrar suas responsabilidades em função da área de atuação esperada.
Cabe, portanto, falar sobre a fronteira oriental do país, a mais desconhecida de nossa sociedade, pois a muito poucos é dado conhecê-la, por suas condições singulares.
Trata-se de uma fronteira marítima, cujas características nada têm a ver com o que se considera, normalmente, em relação às fronteiras terrestres, bastante conhecidas e estudadas por todos.
Para simplificar esta introdução, algumas comparações serão destacadas.
Inicialmente, a fronteira terrestre é tomada como uma medida linear, é passível de demarcação no terreno, por marcos ou acidentes geográficos e separa territórios sob a responsabilidade de estados nacionais constituídos, que sobre eles exercem soberania plena.
Fronteira marítima
No caso marítimo, principalmente na condição brasileira, que se abre frontalmente para o oceano Atlântico, a fronteira é uma superfície de mar, que começa em uma linha imaginária, sem possibilidade de demarcação, delimitando regiões de massa líquida e do solo subjacente, onde são conferidos ao país direitos, mas não soberania, sendo livre à navegação de qualquer um, de qualquer bandeira.
Enquanto a fronteira terrestre possui cerca de 16.000 quilômetros de extensão e nos separa de nove estados soberanos, a fronteira marítima tem um bordo externo com aproximadamente 11.000 quilômetros, medidos sobre a linha imaginária, e apresenta como dimensão principal 4.500.000 quilômetros quadrados. Acima e além dessa área não há países com responsabilidade sobre o espaço, que pode ser frequentado por quem o deseje, trazendo à nossa fronteira qualquer país do mundo.
Enquanto as regiões internas às fronteiras terrestres são fruto de conquistas legítimas e, portanto, propriedade, os direitos nos espaços marítimos decorrem de convenções internacionais que, ao atribuírem tais direitos a alguém, também lhe impõem deveres, dentre os quais o de exercer os direitos segundo regras universais, cabendo-lhe impedir que terceiros as deixem de observar, sem falar ser de sua responsabilidade o impedimento a outrem de desfrutar do que lhe é ali atribuído.
Embora as semelhanças de tamanho, de biodiversidade, de recursos vivos e não vivos nelas existentes e as cobiças externas que despertam justifiquem a denominação de Amazônia Azul ao espaço marítimo onde exercemos jurisdição limitada, por ser comparável à bem conhecida Amazônia, essa verde, há inúmeras diferenças importantes a considerar entre ambas, algumas já mencionadas linhas atrás. Enquanto a posse da área terrestre garante-se pela fixação de população brasileira, sendo viável incentivar, para tanto, o aumento da densidade populacional, tal não pode acontecer na área marítima, essencialmente desabitada, o que requer patrulhamento constante por forças navais.
A fronteira oriental, portanto, nasce de direitos assegurados internacionalmente em contrapartida à aceitação e bom cumprimento de deveres. Estes resultam, por vezes, em aumento considerável da área sob responsabilidade brasileira. É o caso das obrigações assumidas em tratados sobre salvaguarda, busca e salvamento da vida humana no mar, comumente conhecida pela sigla SAR, derivada do idioma inglês. A área marítima atribuída ao Brasil passa, com isso, de quatro milhões e meio de quilômetros quadrados, cerca de metade do território continental, para perto de treze milhões e novecentos mil quilômetros quadrados, atingindo distâncias da costa de até 1.850 milhas náuticas, ou seja, quase 3.500 quilômetros.
Além de precisarmos manter patrulhamento naval nessas áreas imensas, em função dos compromissos obrigatórios, há por considerar que delas e até além delas podem ser desfechados ataques ao território nacional ou às águas jurisdicionais, sendo, assim, região em que a capacidade de tomar ações de defesa tem de ser considerada.
Controle de área marítima
Não é lícito ou viável cogitar-se, liminarmente, da negação do uso do mar em casos de crise, seja pela prudência de não escalar as reações a possíveis opositores em limites superiores à gravidade da situação, de forma contraproducente, seja porque a liberdade dos mares terá de ser mantida em relação a não adversários. Conclui-se daí que a esquadra terá de contar com alta capacidade de exercer o controle de áreas marítimas.
Falar-se em tal controle significa a formação de considerável força de superfície à qual caberá, também, em tempos de paz, exercer o patrulhamento naval, tanto com navios menores em águas próximas, como com os de maior porte em distâncias longínquas.
O propósito deste texto é alcançar um grande público, incluindo as pessoas cujos interesses nos assuntos de defesa precisam ser aguçados e ter os conhecimentos sobre a matéria ampliados – e não só os conhecedores do tema. Cabe, então, alongar o comentário sobre o que seja uma força de superfície balanceada.
Conforme já mencionado, são necessários navios-patrulha de pequeno porte para cobrir o intenso tráfego nas águas costeiras e mais os de porte médio para as áreas oceânicas, mas ainda relativamente próximas e navios de maior porte, escoltas – como corvetas e fragatas – ou mesmo navios principais, para alcançar e permanecer em operação a milhares de milhas de terra, em mar aberto.
É este último componente que constituirá o cerne da esquadra apta ao combate nas ações em caso de crise ou conflito. Dadas as características de seu emprego em regiões afastadas das bases por largos períodos de tempo, navios de apoio logístico deverão igualmente dela fazer parte.
O poder de ataque dessa esquadra terá de ser capaz de enfrentar, com alta probabilidade de sucesso, forças equivalentes ou inferiores de inimigos eventuais, ou de desencorajar forças superiores a sofrerem o desgaste do enfrentamento. Tal capacitação exigirá meios de ataque e defesa nos ambientes de superfície, submarino e aéreo.
Ao contrário do forte encouraçamento de séculos passados, as unidades navais são, atualmente, protegidas por uma bolha formada por armamento antiaéreo, antimísseis e antissubmarino, além de considerável aparato de contramedidas eletrônicas e de guerra eletrônica. Essa bolha, para ser eficaz, exige a atuação conjunta e coordenada de navios especializados, inclusive submarinos, organizados em força-tarefa, que não podem prescindir de cobertura aérea constante e aproximada.
Avulta, então, a essencialidade do navio-aeródromo, que passa a ter o papel capital na força naval, onde pode, inclusive, assumir com vantagens as funções de comando e controle daquele conjunto complexo.
Projeção de poder
Os comentaristas menos avisados, frequentemente leitores de textos com apresentação sensacionalista de avanços tecnológicos nas armas e da arte da guerra, bem como de predições quanto ao futuro, provavelmente sem nunca terem sentido em exercícios e operações no mar as angústias e riscos com a falta de cobertura aérea de uma força naval, insistem em apontar a obsolescência do NAe. Ou, baseados em outro critério simplista, classificam-no como “arma de projeção de poder”, considerando-o impróprio em face de nossa política de defesa, não agressiva por natureza.
O campo principal de atuação de nossas forças navais encontra-se nos limites da Amazônia Azul e bem mais além, a distâncias que tornam inviável a cobertura aérea tempestiva e constante com aeronaves baseadas em terra. Também o progresso já alcançado pelos veículos aéreos não tripulados (VANT) e sua provável evolução, embora recomende incorporá-los às forças navais, ainda não permite vaticinar como próximo o abandono das aeronaves tripuladas. Assim, está plenamente justificada a presença obrigatória dos navios-aeródromo na esquadra corretamente balanceada, sendo ele, inclusive, excelente plataforma para operação de VANT.
No caso de acirramento de uma eventual crise, torna-se necessário escalar os procedimentos navais, passando-se à criteriosa negação do uso do mar.
Avulta, então, a importância de submarinos tanto convencionais como, dadas as dimensões e distâncias dos cenários previsíveis, os de propulsão nuclear. Sua presença na esquadra, ademais, contribui significativamente para a dissuasão de atitudes agressivas contra o país.
Resta examinar, das formas clássicas de operações navais, a projeção de poder. Ainda que nossa Política de Defesa não contemple iniciativas de agressão ou conquista, nada impede ser estrategicamente indicada a projeção de poder com caráter defensivo, como estava explícito na PDN (Política de Defesa Nacional) editada em 1996. Seria o caso de observar, por exemplo, a imensidão oceânica que se abre diante da fronteira oriental, onde há um colar de ilhas e, mais além, o continente africano – locais passíveis de abrigar bases de onde poderiam ser desfechados ataques ao nosso campo de defesa. No caso de ser adequado neutralizar tais bases, impõe-se a capacitação para executar operações de projeção de poder. A esquadra, portanto, precisará de navios e embarcações de desembarque, de vários tipos e, novamente, não poderá prescindir de navios-aeródromo para assegurar o apoio aéreo mandatório.
Em suma, do que foi acima brevemente exposto, conjugado ao constante desenvolvimento das capacidades nacionais, que têm de ser defendidas de forma eficaz, inclusive em sua imensa e vulnerável fronteira marítima, conclui-se pela essencial posse de uma esquadra completa, bem equipada e balanceada.
Destacou-se, face às afirmações infundadas de obsolescência, a atualidade e imprescindibilidade dos navios-aeródromo, como, aliás, são provas as recentes iniciativas da China e da Grã Bretanha. Deve um navio-aeródromo ser o Capitânia da Esquadra.
Artigo publicado originalmente na revista impressa Forças de Defesa número 3