Thales inaugurou centro de sonares no Brasil, mirando corvetas classe ‘Tamandaré’ e além
A Omnisys, subsidiária do grupo Thales no país, está recebendo tecnologia da matriz para iniciar fabricação do transdutor, um dos componentes críticos para sonares, nas instalações de São Bernardo do Campo – SP. Empresa já participou da produção de sonares para os submarinos do Prosub, da Marinha do Brasil, e pretende atender a futuros programas aqui e no exterior
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Na última sexta-feira, 29 de janeiro de 2016, o grupo Thales inaugurou o Centro de Excelência em Sonares nas instalações da Omnisys, seu braço industrial e de desenvolvimento no Brasil. O Poder Naval, a convite do grupo, compareceu à inauguração nas instalações da Omnisys em São Bernardo do Campo, São Paulo.
A iniciativa conta com um investimento de 15 milhões de reais para sua primeira fase, que compreeende a montagem da infraestrutura industrial e transferência de tecnologia, a partir da unidade Thales Underwater Systems (TUS) do grupo, para o início da fabricação no Brasil do transdutor eletroacústico, equipamento que faz a transformação da energia acústica das ondas sonoras em sinais elétricos e é um componente-chave para diversos tipos de sonares. Espera-se iniciar a fabricação do primeiro transdutor já em abril deste ano, com a chegada de novas máquinas, ferramentais e bancos de testes encomendados para a fábrica da Omnisys.
Nos meses seguintes até o final do ano, o objetivo é atender ao processo de certificação do equipamento para uso militar. A partir daí, viriam as etapas de produção em série do transdutor e de outros componentes cuja nacionalização seja viável técnica e financeiramente – itens já em vista são antenas, responsáveis por emitir e receber os sinais, e que são compostas por um conjunto de transdutores. Também se seguiria a fase de desenvolvimento local de software e integração a componentes importados, para fornecimento de sonares completos em 2018.
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Programas da Marinha na mira, além do mercado externo – Em coletiva de imprensa realizada antes da cerimônia de inauguração, executivos da Thales deram alguns detalhes desse processo. Participaram da coletiva Ruben Lazo, vice-presidente da Thales América Latina, Alcino de Sousa, diretor-geral da Thales Brasil, e Luiz Henriques, presidente da Omnisys.
Segundo Lazo, o objetivo final é produzir vários tipos de sonares do Brasil, numa visão de longo prazo que ultrapassa os limites da atual crise do país. Esse investimento feito pela própria Thales em sua subsidiária brasileira e a transferência de tecnologia são vistos, conforme Lazo, como pilar para crescer no mercado brasileiro e externo, além de demonstração de que a empresa acredita no Brasil. Lazo também disse que apesar dessa crise também afetar outros países da América Latina e se esperar um ano difícil, em que deverá continuar negativa a média de crescimento do investimento regional em Pesquisa e Desenvolvimento, a Thales acredita que o mercado voltará a ser comprador em alguns anos, o que inclui diversos setores em que a empresa atua.
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Independentemente da crise atual, para a Thales o principal argumento para investir localmente no mercado de sonares é que o litoral brasileiro tem mais de 7 mil quilômetros (e superior a 8 mil se levar em conta as reentrâncias na costa) e a superfície aquática de mais de 4 milhões de quilômetros quadrados é considerada estratégica pelo país, e em algum momento a continuidade da pesquisa e da defesa dessa área terá que ser encarada por novos programas.
Sobre programas que a empresa quer atender, o mais próximo é o das novas corvetas da Marinha do Brasil, a chamada classe “Tamandaré”. O programa das corvetas, em fase de projeto, visa primeiramente uma série de quatro unidades para iniciar a substituição de navios de escolta que acumularam décadas de serviço na Marinha. Para elas, a Thales pretende oferecer como sonar de casco o seu modelo Kingklip, do qual trataremos à frente, incluindo componentes de fabricação brasileira e manutenção no país. Também é objetivo da empresa oferecer este sonar para modernizações das capacidades de guerra antissubmarino das atuais fragatas e corvetas da Marinha, caso elas sejam realizadas.
Luiz Henriques, perguntado pelo Poder Naval sobre haver algum requerimento atual da Marinha do Brasil junto à empresa para essas iniciativas, em especial as de modernização de navios em serviço, respondeu que hoje ainda não há compromisso firme a esse respeito. O objetivo, segundo o executivo, é a Thales se posicionar para quando a Marinha resolver tocar esses projetos, oferecendo o Kingklip para aplicação como sonar de casco. Lazo aproveitou para acrescentar que a empresa também visa o mercado de exportações, tanto na América Latina quanto além, como é o caso dos radares primários Banda L fabricados na Omnisys, dos quais metade das 40 unidades fabricadas foram exportadas para países de vários continentes.
Ciclo completo, mercado mundial e nacionalização – A ideia da Thales, com a inauguração do Centro de Excelência em Sonares, é dominar no Brasil o ciclo completo para sonares de navios e submarinos, num processo gradual que pode chegar até os modelos helitransportados. O processo, segundo Luiz Henriques, começou em 2014 com o início do investimento de 15 milhões de reais para treinamento, reestruturação da área industrial (mudança do “layout” da planta em São Bernardo do Campo, incluindo alterações no sistema de energia e climatização), além da encomenda de máquinas. Esse esforço incluiu equipe de engenheiros franceses da matriz e pessoal da própria subsidiária brasileira.
O presidente da Omnisys afirmou que a fabricação do transdutor eletroacústico, que incorpora materiais cerâmicos e envolve processos específicos não dominados pela filial brasileira, é o primeiro passo, por ser o elemento chave para a comunicação eletrônica / acústica. A fabricação do componente visa não apenas programas para o mercado brasileiro, mas o fornecimento do transdutor para o mercado externo. Mundialmente, Ruben Lazo frisou que a Thales é líder mundial em sonares, com o fornecimento de mais de 500 equipamentos para cerca de 50 países.
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Até 2018, pretende-se atingir a capacidade de fornecer sonares no Brasil para atender a programas brasileiros, como o das corvetas classe “Tamandaré”, além de ampliar a participação da Thales no programa do Submarino Nuclear Brasileiro (SNBR). O Poder Naval pediu a Luiz Henriques para esclarecer os índices de nacionalização pretendidos. O executivo respondeu que o objetivo é oferecer sonares com índice de 60% de nacionalização dos componentes e manutenção integral no país.
Ruben Lazo complementou que partes importadas continuarão a existir, por uma questão de escala e viabilidade financeira, mas o objetivo é nacionalizar componentes-chave e realizar a integração no Brasil, assim como o desenvolvimento numa área crítica, que é a de processamento (mais informações a seguir). Sobre o índice de nacionalização do transdutor eletroacústico, Luiz Henriques informou que será de 100%.
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O passo seguinte é a capacitação para fornecer sonares do tipo Cylinder Array, instalados na proa de submarinos e, a partir de 2020, a exportação de sonares, ainda que o grande objetivo seja o mercado brasileiro e que a empresa seja considerada a referência brasileira em sonar e o principal parceiro da Marinha nessa área. Quanto a esse mercado, além do que Lazo já havia dito sobre a visão da Thales da importância estratégica da proteção e pesquisa no espaço marítimo do Brasil, foi mencionada uma demanda considerada crucial: a de sonares para o monitoramento do futuro Estaleiro e Base de Submarinos de Itaguaí, da Marinha. Para viabilizar essas fases que se seguem à atual, focada no transdutor eletroacústico e com investimento de 15 milhões de reais, novos investimentos estão previstos, segundo a Thales.
Contratações, treinamento no Brasil e no exterior – Os planos são de que o Centro de Excelência em Sonares ocupe cerca de 300 profissionais – vale lembrar que hoje a Omnisys responde por 200 dos 300 funcionários do grupo Thales no Brasil. Quinze profissionais já estão envolvidos na parte industrial do centro de sonares. A empresa realizou em setembro de 2015, em parceria com o Instituto Mauá de Tecnologia, um primeiro curso de quatro dias sobre aplicações acústicas. Participaram 40 pessoas, entre engenheiros da Omnisys, pessoal do Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM), de instituições acadêmicas e também da prefeitura de São Bernardo do Campo.
Há uma previsão de cursos que serão ministrados no Brasil por funcionários da Thales Underwater Systems (TUS). Entre as instituições acadêmicas envolvidas neste programa para sonares, está agora a Universidade de São Paulo (USP). As parcerias com instituições de ensino são voltadas, primordialmente, para a formação de mão de obra, segundo o presidente da Omnisys, Luiz Henriques.
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Um conhecimento crítico para sonares é o de processamento de sinais, e um engenheiro da Omnisys deverá ser responsável, daqui a três anos, por liderar uma equipe brasileira dedicada a esse trabalho. Para isso, ele foi enviado à França para realizar um doutorado em acústica submarina nesse prazo, durante o qual também integrará as equipes de desenvolvimento da TUS, trabalhando em projetos da empresa naquele país.
Esses e outros treinamentos, para capacitação de profissionais brasileiros fazem parte do processo de transferência de tecnologia. Este processo leva em conta a existência nos centros de pesquisa da Marinha do Brasil e nas universidades brasileiras especialistas na área de acústica submarina e de sonar, com experiência e conhecimento reconhecidos internacionalmente, segundo a empresa. Ruben Lazo mencionou outros processos de transferência de tecnologia da Thales no Brasil, como a capacitação de 40 brasileiros na França para o Centro Tecnológico Espacial inaugurado pela Thales Alenia Space e pela Omnisys em março do ano passado em São José dos Campos – SP, além de projetos como o “seeker” (cabeça de busca) do programa MANSUP, do míssil antinavio brasileiro, para a Marinha.
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A experiência no Prosub e o futuro – Em reportagem do Poder Naval publicada em agosto de 2012, abordamos a produção na Omnisys de partes para sonares dos 4 submarinos convencionais do PROSUB (Programa de Submarinos) da Marinha do Brasil. À época, a empresa informou que havia uma divisão de trabalho e um repasse progressivo de atividades locais na fabricação dos sistemas dos sonares, com partes produzidas no Brasil para integração na França, e partes produzidas na França para integração no Brasil. Nesse processo, ampliava-se gradativamente os trabalhos sob a responsabilidade da subsidiária brasileira da Thales, assim como o treinamento dos engenheiros brasileiros envolvidos no programa. Pudemos ver (embora sem autorização para fotografar), módulos dos equipamentos de sonar em montagem.
Essa experiência, que incluiu a fabricação pela Omnisys de 7 bastidores de processamento e 4 gabinetes do transmissor para integrar 4 sonares, foi destacada por Ruben Lazo tanto durante a coletiva quanto na cerimônia de inauguração. Também foi lembrada pelo engenheiro e executivo francês Frédéric Andre, da Thales Underwater Systems, que se envolveu com este programa como parte de seu trabalho junto à Omnisys nos últimos cinco anos, dos quais os três últimos semestres incluíram os esforços para implantar o Centro de Excelência em Sonares no Brasil. Sobre o futuro, Andre aproveitou para ressaltar que a Thales está no Brasil pensando no longo prazo, para “escrever história”, e a grande importância desse novo passo, de fabricação do transdutor eletroacústico, é que quando você o domina, pode produzir uma ampla gama de sonares.
A cerimônia de inauguração – Falando na cerimônia, realizada logo após a coletiva de imprensa, cabe destacar a presença de autoridades não só da Marinha do Brasil, mas da Força Aérea,do Exército e do Ministério da Defesa. Da primeira, entre mais de dez oficiais presentes, estavam quatro almirantes, dos quais o Vice-Almirante José Carlos Mathias, Diretor de Sistemas de Armas da Marinha (DSAM), representou o comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira*.
Da Força Aérea Brasileira, entre os oficiais, estava presente o Brigadeiro do Ar José Augusto Crepaldi Affonso, diretor do Departamento de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, do qual destacou-se a presença da Secretária de Produtos de Defesa, Perpétua Almeida. Representantes da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), da Escola Politécnica da USP, do Instituto Mauá de Tecnologia, além do Prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho. Também esteve presente o Embaixador da França no Brasil, Laurent Bili.
Discursaram os três executivos da Thales / Omnisys presentes à coletiva, o já mencionado executivo Frédéric Andre da TUS e o prefeito Luiz Marinho. Este último destacou a satisfação de presenciar inaugurações como as recentes da Thales e investimentos num período em que se fala tanto em crise.
Após a placa ser descerrada, realizou-se uma visita ao local onde serão instaladas as novas máquinas para produção dos transdutores, além de outras áreas da empresa, como as que produzem os diversos componentes dos radares Banda L e cujo maquinário e ferramental também apoiam outros programas realizados pela empresa no Brasil. As fotos a seguir dão ao leitor uma ideia das instalações, dentro da proposta que o Poder Naval e os demais sites da “trilogia” Forças de Defesa há anos procura seguir, de fazer o leitor se sentir “por dentro” dos eventos, visitas e coberturas de operações militares das quais os editores participam.
Kingklip – Este sonar ativo e passivo da Thales Underwater Systems de média frequência é otimizado para instalação nos cascos de plataformas de porte médio e pequeno, com foco em desempenho superior na guerra antissubmarino em águas litorâneas e agitadas. Segundo a TUS, tem capacidade de detecção de ameaças simultâneas para alerta antecipado de lançamentos de torpedos, além de capacidade de evitar minas. O desenvolvimento também visou um posicionamento acurado dos alvos para engajar ameaças distantes, cooperando com meios aéreos, robustez, facilidade de integração, reduzida carga de trabalho para operadores e baixo culto do ciclo de vida.
O Kingklip, ainda segundo a TUS, foi selecionado pela Marinha Sul-Africana para equipar a classe Meko A200, para as classes Sigma da Marinha da Indonésia e da Marinha Real Marroquina, além da classe Abu Dhabi da Marinha dos Emirados Árabes Unidos.
Com peso de 1,4 tonelada, altura de 0,7 metros e diâmetro de 1,2m, opera no modo ativo na faixa de frequência média entre 5250 e 8000 Hz, nos pulsos FM Hiperbólico, CW e combo, em comprimento de pulso de 60 ms a 4s e escala de alcance entre 1 e 72 kYds. As funções passivas de vigilância em todas as bandas, LOFAR, DEMON e canais de áudio, entre 1000 e 8000 Hz.
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Reportagem e fotos do evento: Fernando “Nunão” De Martini. O autor visitou a empresa a convite da Thales.
*NOTA DO EDITOR: em notícia publicada no seu informativo Nomar na quinta-feira, 4 de fevereiro, a Marinha do Brasil informou que o oficial incumbido de representar na cerimônia o Comandante da Marinha foi o Comandante do 8º Distrito Naval, Vice-Almirante Glauco Castilho Dall’Antonia, diferentemente do que informamos no texto acima.
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