Docagem e desmanche do ex-CT Pernambuco (D30)
Breve Histórico
O Contratorpedeiro Pernambuco (D30) foi lançado em 1964, então, como USS Bradley (FF-1041), que atuou na Guerra do Vietnam. Chegou à cidade do Rio de Janeiro, em 13 de dezembro de 1989, acompanhado pelos CT Pará (D27), CT Paraná (D29) e CT Paraíba (D28), que formaram, na época, os Classe Pará da Força de Contratorpedeiros da nossa Esquadra. Destacavam-se pelos seus inéditos sistemas propulsores de um só eixo, com plantas de vapor trabalhando a 1200psi e, também, pelos potentes sonares AN/SQS-26 de 240 Kw, cujos transdutores pesavam 27t. A aludida Classe serviu à Marinha do Brasil de 1989 a 2004. Em maio de 2006, a Portaria nº 126/2006 destinou o ex-D30 para ser utilizado como alvo da Esquadra.
Por demanda do CASOP, em abril de 2010, a empresa Qualytech Inspeção e Serviços Ltda. apresentou um relatório no qual classificou os cabeços e as obras vivas do casco como “não satisfatórios” para o seu reboque como alvo. Instada pela DSAM, a DEN inspecionou o casco e considerou inexequível a sua utilização como alvo, no estado em que se encontrava, tendo sugerido uma série de obras estruturais necessárias para o reboque do casco, em segurança, até a área de exercício. Em função do relatório, o CASOP sugeriu que o casco fosse alienado, o que foi ratificado pelo ComemCh, em junho de 2010. Seu processo de vistoria, avaliação e destinação fui concluído, em abril de 2011.
Em julho de 2012, a EMGEPRON realizou o primeiro leilão do casco, que foi arrematado pela Mafra Comércio de Equipamentos Automotores Ltda, pelo valor de R$ 300.000,00. A referida empresa, após ter tomado posse do bem, não cumpriu o prazo limite para a retirada do casco – 29 de outubro de 2012 – tendo concordado em pagar R$ 42.000,00 pelo período de uso do cais. Após uma série de pendências de ordem administrativa e judicial, em abril de 2013, a EMGEPRON aplicou a penalidade administrativa de perda da propriedade do casco à Mafra e, em maio de 2013, realizou novo leilão para sua venda, mas não obteve sucesso.
O Reboque
O estado de degradação estrutural do casco, aliado ao fato de já ter ocorrido o seu desmanche parcial no cais, com a total retirada de cabeços, cunhos e buzinas dos conveses (foto1), acarretou enormes dificuldades e riscos para a execução das manobras de desatracação e seu reboque seguro até o dique Alte. Branco.
Assim, objetivando executar o necessário reboque, com o mínimo de riscos, a BNRJ contratou uma empresa especializada – PICOLO E ASSOCIADOS LTDA. – para periciar a situação estrutural do casco (viga navio) e elaborar um plano de reboque para a condição em que ele se encontrava.
Em 14 de outubro de 2014, a citada empresa apresentou o aludido trabalho, que, após ter sido analisado e ratificado pela DEN, apontou a necessidade de em uma série de ações, por parte do Departamento Industrial da BNRJ, no sentido de reforçar os pontos do casco que apresentavam fragilidade estrutural e, também, para instalar dispositivos de fortuna, em substituição aos cabeços, buzinas e balaustradas, que foram retirados durante o desmanche parcial no cais.
Coube ao CASOP a colocação de caixões de concreto nos locais fragilizados do chapeamento das Bravos, bem como a instalação e operação de moto-bombas para um eventual esgoto em emergência, durante o reboque do casco do Píer 3 interno até o dique (fotos 2 e 3).
A Docagem
Devido ao considerável calado de navegação e pelas características dimensionais dos apêndices dos seus cascos (sonar, leme e hélice), os Classe Pará nunca foram docados na BNRJ. Assim, para viabilizar sua docagem seria condição sine qua non a redução do seu calado de navegação. Consequentemente, a primeira dificuldade a ser transposta seria evitar que, durante a passagem do casco ao longo do dique, seu gigantesco domo do sonar (16 x 6m) não derrubasse as dezenas de picadeiros e berços montados para apoiar o casco.
Tal obstáculo foi contornado, literalmente, pelo tipo de manobra adotada, deslocando-se o casco ao longo do dique, sempre na diagonal em relação à linha de centro do dique, de forma a garantir que o seu domo passasse entre a linha de berços laterais de bombordo e a parede lateral do dique, onde a folga máxima era de 0,30m. Em virtude dessa folga ser crítica, para manter o correto posicionamento do domo, foi usado o artifício de talingar a sua proa ao chassi da grua, que o acompanhou, paralelamente, durante o seu deslocamento até área segura para ele voltar ao centro do dique, sem o risco do domo derrubar os berços e picadeiros (foto 4).
A segunda dificuldade seria a necessidade do casco docar sobre um arranjo de picadeiros e berços “em rampa”, pois, pelo fato do domo calar 3,04m abaixo da quilha, mesmo utilizando-se um dos fossos existentes naquele dique para alojá-lo (foto 5), no instante que a parte inferior do domo apoiasse no fundo do fosso, haveria um desnível de 0,85m da sua quilha em relação à horizontalidade da linha de base do plano de docagem original dos Classe Pará. Tal condição implicou na criação de um novo plano de docagem, especialmente elaborado para a inédita situação.
A última dificuldade a ser eliminada seria a redução do calado de navegação para viabilizar a entrada do casco no dique, mesmo considerando as preamares de sizígias. Ocorre que, pelo fato dele apresentar, na ocasião, um acentuado trim de popa, provocado pela expressiva redução de peso da sua Seção Alfa em função do desmanche parcial da proa, enquanto atracado, verificou-se que, embora o seu sonar estivesse com um calado favorável à entrada no dique, o seu leme não.
Como solução, optou-se pela realização do corte submerso de 0,80m da porta do seu leme, com o emprego de mergulhadores da BACS. Ressalta-se que a precisão na realização do citado serviço seria fundamental para o sucesso da operação de docagem, pois, além de assegurar a passagem daquele apêndice pela soleira do dique, viabilizaria a utilização do próprio leme como coluna de “fortuna” para apoiar toda a seção Charlie, que ficaria em balanço, após o esgoto do dique (foto 6).
Finalmente, em 20 de novembro de 2014, foi realizada a docagem bem sucedida, dando início ao inusitado serviço de desmanche de um contratorpedeiro num dique da MB.
O Desmanche
A inexperiência e ausência de históricos sobre desmanches de navios, no âmbito da MB, fez com que essa se tornasse a fase mais difícil, trabalhosa e arriscada de ser solucionada, dentro do exíguo prazo de liberação daquele dique para permitir a importante docagem do NE Brasil.
Assim, a partir de 21 de novembro de 2014, iniciou o grande desafio de desmanchar e retirar 2.243t do dique, composta por 1.596t de estruturas metálicas e equipamentos a serem cortados a maçarico, 516t de material sólido não metálico (concreto, isolamentos térmicos etc), 75t de resíduos oleosos, 25t de água remanescente embarcada nos tanques e, aproximadamente, 30t de borracha que formava o gigantesco domo e revestia, internamente, todas as estruturas de aço de proa.
Priorizando a situação trabalhista e, principalmente, a segurança dos operários envolvidos na realização do volumoso e arriscado serviço, bem como a garantia legal para atuação da fiscalização por parte do Departamento Industrial, o Comandante da BNRJ decidiu que o desmanche fosse realizado pela SAND Serviços Ltda., empresa possuidora de Contrato de Natureza Contínua com a BNRJ para prestação dos serviços de caldeiraria. Já o entulho, por ser, em sua maioria, composto por material contaminante (amianto, asbesto, lã de vidro, borras de óleo e graxas etc) foi removido pela TRANSUNIVERSAL Pinturas e Anticorrosão Ltda., outra empresa com Contrato de Natureza Contínua e possuidora de certificação ambiental para o transporte e destinação de material contaminante.
Inicialmente, o desmanche estava programado para ser concluído até o final de janeiro de 2015, mas os seguintes complicadores comprometeram tal meta:
- o ineditismo e a inexperiência por parte de todos – Marinha e Empresas – na execução desse tipo de serviço, principalmente com relação às interferências inesperadas encontradas, durante o corte das estruturas de aço, tais como conveses concretados e grandes áreas revestidas com borracha e isolamentos térmicos contaminantes e de difícil remoção;
- a falta de fluidez para retirada do material oriundo do desmanche para fora do Complexo de Mocanguê, ocasionado pelo gargalo da Ponte Rio-Niterói, que limitava o fluxo e a carga dos caminhões e carretas que transportavam a sucata;
- a capacidade de içamento das gruas dos diques ser limitada a 3t;
- as altas temperaturas ocorridas nos meses de dezembro e janeiro, que prejudicaram, sobremaneira, o rendimento dos operários, que, além de estarem trabalhando numa atividade irradiadora de calor (maçaricos), estavam dentro de estruturas metálicas sob sol e não ventiladas.
Constatando que, pelo ritmo do desmanche, a docagem do NE Brasil na BNRJ estaria ameaçada, o Comandante da BNRJ, em 06 de fevereiro de 2015, realizou uma reunião, com todos os entes envolvidos no desmanche, para elaboração de uma estratégia que acelerasse a liberação do dique, estipulando como data limite o dia 12 de março de 2015.
Assim, após os necessários ajustes no plano de corte elaborado pela SAND ao novo cronograma estipulado pela BNRJ, as seguintes ações foram adotadas objetivando o cumprimento da meta:
- criação do 2º turno de trabalho, em regime de horas extras, por parte dos funcionários das empresas envolvidas – inclusive nos feriados e finais de semana;
- contratação de guindastes com grande capacidade para retirada dos grandes equipamentos e de seções do casco com maiores pesos e volumes (foto 7);
- solicitação do apoio de CavMec (cavalos mecânicos) do Batalhão Logístico do CFN, para realizar deslocamentos intra-Base dos grandes equipamentos e blocos do casco (foto 8), para que fossem desmontados, posteriormente, fora do dique, a fim de encurtar o caminho crítico para sua liberação (foto 9).
Assim, graças à acertada “correção de rumo” na realização do desmanche do ex-D30, em 06 de março de 2015, o NE Brasil docou na BNRJ, seis dias antes da data estipulada como limite e sem comprometimentos para o seu PMG2015.
JÚLIO FRANCISCO DE ARAÚJO ALFRADIQUE
Capitão-de-Fragata (T-RM1)
Assessor para Operação e Manutenção dos Diques
FONTE: Informativo Porta-Batel da BNRJ – Edição I – 2º Semestre de 2015 / COLABOROU: Ezequiel Ferreira Leite