Marinha do Chile, exemplo a ser seguido?
Por Luiz Monteiro (LM)
Na segunda metade da década de 1990, a Armada do Chile lançou dois programas de reaparelhamento, o “Projeto Netuno” e o “Projeto Tridente”. O primeiro, visava substituir os velhos submarinos do Tipo “Oberon” em operação, complementando os 2 submarinos IKL 209 que permaneceriam no serviço ativo daquela armada. Já o segundo, objetivava construir 8 fragatas a fim de substituir os navios escolta até então operados por aquela marinha.
O ‘Projeto Netuno’ foi concluído com a escolha do submarino ‘Scorpène’, da DCNS/Navantia, cujas duas unidades – ‘General Carrera’ (SS-22) e ‘General O’Higgins’ (SS-23) – [foram construídas na França e na Espanha e entregues à Armada do Chile em 2005 e 2006, respectivamente.
Quanto ao Projeto Tridente, no final de 1999, a Armada do Chile, após analisar diversas classes de navios, selecionou as fragatas da classe MEKO A200, da B+V (As mesmas escolhidas pela marinha da África do Sul). Naquela ocasião foi autorizada a contratação das quatro primeiras unidades. A primeira das quais deveria fazer as provas operacionais no segundo semestre de 2005, entrando em serviço no ano seguinte. As outras se seguiriam ao ritmo de uma por ano, estando, portanto, todas já em serviço em 2009. Os navios seriam construídos localmente pelo estaleiro ASMAR, em Talcahuano.
O custo total do programa (8 unidades) era pouco superior a 1,6 bilhão de dólares. Contudo, no início de 2002, as pretensões da Armada do Chile sofreram um revés, quando o presidente Ricardo Lagos decidiu adiar o programa, por razões orçamentárias.
Sem alternativas diante do inexorável sucateamento de sua Força de Superfície, a Armada do Chile recorreu às chamadas “compras de oportunidade”. O primeiro navio adquirido foi a fragata Tipo 22 Batch 2, HMS Shefield, da Royal Navy, rebatizada na Armada do Chile como ‘Almirante Williams’ (FF-19), adquirida em 2003.
Dando continuidade as compras de oportunidade, a Armada do Chile adquiriu duas fragatas para defesa aérea de área da Classe Jacob Van Heemskerck (Classe L, da Marinha da Holanda), as fragatas ‘Capitán Prat’ (FFG-11) e ‘Almirante Latorre’ (FFG-14) recebidas em 2005. Estes navios de escolta antiaérea utilizam os mísseis SAM Standard SM-1 e Sea Sparrow.
Ainda na Holanda, juntamente com a Classe L, a Armada do Chile adquiriu duas fragatas de emprego geral da Classe Karel Doorman (Classe M), a ‘Almirante Blanco Encalada’ (FF-15) e a ‘Almirante Riveros’ (FF-18), recebidas em 2006. Estes navios são armados com a versão de lançamento vertical do missil Sea Sparrow (ESSM).
Em 2005, a Armada do Chile adquiriu 3 fragatas do Tipo 23, também junto à Royal Navy, por cerca de 250 milhões de dólares. Os três navios: ‘Almirante Cochrane’ (FF-05) ex HMS Norfolk; ‘Almirante Condell’ (FF-06) ex HMS Marlborough e ‘Almirante Lynch’ (FF-07) ex HMS Grafton recebidas entre 2006 e 2008.
Desta forma, em pouco mais de 5 anos, a Armada do Chile recebeu 8 escoltas modernos, por uma fração do valor inicialmente planejado no ‘Projeto Tridente’. Contudo, estas aquisições não estão livres de críticas. Os opositores reclamam da falta de padronização destes meios, gerando grande diversidade de sistemas e sensores, que acabam por encarecer a manutenção e a logística.
Situação brasileira
Semelhante ao que ocorreu com sua congênere chilena, a Marinha do Brasil possui três programas de obtenção de meios, o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), o Programa de Obtenção de Meios de Superfície (PROSUPER) e o Programa de Construção de Corvetas Barrosso Modificadas (CV03), ou Classe ‘Tamandaré.
O PROSUB, inegavelmente, é muito mais ambicioso que ‘Projeto Netuno’. Enquanto o programa chileno visava à construção no exterior de dois submarinos, o PROSUB prevê a construção de um estaleiro e de uma nova base naval, capazes de construir e manter não só submarinos de propulsão diesel-elétrica, como, também, submarinos de propulsão nuclear.
Além do estaleiro e da base, dentro do PROSUB estão previstas a construção de quatro submarinos de propulsão diesel-elétrica da Classe Riachuelo (S-BR – Scorpène modificado com 2.200 toneladas de deslocamento submerso): ‘Riachuelo’ (S40); ‘Humaitá’ (S41); ‘Tonelero’ (S42) e ‘Angostura’ (S43) e de um submarino de propulsão nuclear, o ‘Álvaro Alberto’ (SN10).
Apesar dos cortes no orçamento do Ministério da Defesa, que ocasionaram atrasos na conclusão do estaleiro e da base, além da consequente dilação no cronograma de entrega dos submarinos, a Marinha do Brasil vem dando prioridade a este programa e alocando os orçamentos possíveis a fim de concluí-lo integralmente.
Já o PROSUPER, prevê a obtenção, por meio de construção em estaleiros brasileiros, de cinco escoltas de 6.000 toneladas de deslocamento, cinco navios-patrulha oceânicos, com cerca de 1.800 toneladas de deslocamento e de um navio de apoio logístico, com deslocamento aproximado de 22.000 toneladas.
Se levarmos em consideração que um escolta moderno, com as características pretendidas pela Marinha do Brasil, não sai por menos de 800 milhões de dólares, um navio-patrulha oceânico, 150 milhões de dólares, cada, e o navio de apoio logístico cerca de 400 milhões de dólares, poderíamos concluir que os valores do PROSUPER superam os 5 bilhões de dólares.
No momento econômico vivido pelo Brasil, não parece haver espaço para aprovação imediata do PROSUPER. Neste sentido, o antigo Ministro da Defesa, Jaques Wagner, durante LAAD 2015, declarou que o PROSUPER estava ‘hibernando’.
Consciente desta realidade, a Marinha da Brasil resolveu por priorizar Programa de Construção de Corvetas Barrosso Modificadas (CV03), ou Classe ‘Tamandaré’, sem, contudo, cancelar o PROSUPER (Que fica aguardando condições econômicas mais favoráveis). O CV03 prevê a construção de 4 corvetas: ‘Tamandaré’ (V35); ‘”Jerônimo de Albuquerque’ (V36); ‘Cunha Moreira’ (V37) e ‘Mariz e Barros’ (V38), em estaleiros nacionais, cujo projeto é uma evolução da Corveta Barroso.
Cada navio da classe ‘Tamandaré’ deve custar cerca de 450 milhões de dólares. Desta forma, o investimento para construção dos quatro navios ficaria perto de 1,8 bilhão de dólares. Caso tenha orçamento aprovado, a previsão é que os quatro navios sejam entregues ao setor operativo da Esquadra na primeira metade da próxima década.
Nos últimos anos, muito em razão da situação econômica do país, parte dos especialitas e mesmo alguns entusiástas no assunto vêm defendendo a ideia da Marinha do Brasil cancelar seus programas de obtenção de meios e recorrer à compras de oportunidade, tal como ocorreu com a Armada do Chile.
Ocorre que, diferente da realidade vivida há 15 anos atrás, onde a Armada do Chile encontrou para aquisição navios de escolta com pouco mais de 10 anos de operação e com uma vida residual de aproximadamente mais duas décadas, hoje em dia, não há meios navais nestas condições.
Os destróieres, fragatas e corvetas que vêm sendo desincorporados nas marinhas dos países europeus, ou mesmo dos Estados Unidos da América têm idade semelhante aqueles operados pela Marinha do Brasil.
Aqui cabe um parêntese sobre o Japão, cujo congresso poderia liberar a venda de equipamentos militares operados por suas forças de autodefesa e que forem desincorporados. Por enquanto, somente equipamentos novos podem ser exportados. Também, não se tem qualquer informação se a Força Marítima de Autodefesa do Japão pretende desincorporar alguns de seus navios de escolta, ainda mais com a piora em suas relações com a China.
Pelas razões acima expostas, no que tange aos navios de escolta, o atual Comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, em conjunto com o Almirantado decidiram por priorizar a recuperação da capacidade operacional dos meios da Esquadra, bem como, pela construção das corvetas da Classe Tamandaré, em detrimento da compra de meios navais desincorporados por outras forças navais. Já o PROSUPER deverá aguardar a melhora na situação econômica do país.
Por fim, cabe salientar que este texto reflete a opinião exclusiva de seu autor e não o posicionamento oficial da Marinha do Brasil.