100 anos da Aviação Naval: os aviões da Marinha
No segundo semestre de 1960 o NAeL Minas Gerais encontrava-se na Europa realizando testes com o aparelho de parada e com a catapulta. Nesta época, a MB recebeu três Grumman Avenger usados, doados pelo Governo dos EUA. Foram os primeiros aviões da Marinha desde o início dos anos de 1940. Porém, as aeronaves eram somente para adestramento da equipe do convés de voo e não para uso operacional. No entanto, elas tinham plenas condições de vôo e assim o fizeram quando vieram ao Brasil.
A Marinha, através da Diretoria de Aeronáutica, passou então a avaliar a compra de aeronaves de asas fixas de uso operativo. Não era uma tarefa fácil, pois a Marinha não contava com o respaldo do Governo e o Ministério da Aeronáutica exercia forte oposição. Em 1962, sob o mais absoluto sigilo, a DAerM passou a negociar a aquisição de aeronaves no exterior. A aquisição, o transporte e o desembarque dessas aeronaves também foram cercados por mistérios e ainda hoje alguns pontos não foram totalmente elucidados.
Seis Pilatus P.3 para instrução foram adquiridos diretamente do fabricante. Um outro lote de seis NA T-28 convertidos, também foi comprado para ser utilizado em operações aéreas embarcadas. Ambos vieram para o Brasil desmontados e encaixotados no interior de Navios de Transporte da própria Marinha.
Quando o NTrT Soares Dutra, atracou no cais do AMRJ, as caixas contendo as partes dos T-28 foram transferidas durante a noite para o NAeL Minas Gerais através de embarcações de desembarque. No hangar do NAeL, os aviões foram montados sob a supervisão de um técnico dos EUA, prontificados e testados para vôo. No dia 17 de outubro de 1963, os aviões decolaram do NAeL em direção a BAeNSPA.
Uma pista “clandestina”
Assim como os T-28, os Pilatus também vieram desmontados em caixotes. Quando os mesmos chegaram, decidiu-se enviá-los para o hangar do esquadrão HU-1, na época localizado no km 11 da Av. Brasil (Rio de Janeiro). Lá, as aeronaves foram desencaixotadas e montadas. Mas havia um porém. As instalações do HU-1 não contavam com uma pista para aviões. Optou-se então por construir uma pista de solo compactado nos fundos do terreno do HU-1. Com um comprimento de 600 m, a pista seria paralela a pista principal do Aeroporto do Galeão (onde também funcionava algumas unidades da FAB), afastada cerca de 2 km da mesma. Para noroeste, a pista seria limitada pelas instalações da Liga de Esportes do Arsenal de Marinha e para sudeste o limite seriam os prédios da Escola de Marinha Mercante. Para evitar a detecção por aeronaves da FAB a decolagem ocorreria logo nas primeiras horas da manhã. Naquele horário, o vento predominante vinha da barra, portanto os aviões teriam como obstáculo o prédio da Escola de Marinha Mercante.
A pista foi construída em três meses e contou com a assessoria técnica do 8º distrito do DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem). O Corpo de Fuzileiros Navais contribuiu com o maquinário necessário e alguns operários foram contratados nos bairros próximos.
As aeronaves decolaram ao nascer do sol conforme programado anteriormente. Porém, quando a primeiro Pilatus acelerava sob a pista improvisada, um C-47 da FAB preparava-se para fazer o mesmo no Galeão. O Pilatus passou por cima do prédio da Escola de Marinha Mercante e seguiu em direção a São Pedro da Aldeia. A rota passava por Saquarema e Araruama, antes do pouso na base aeronaval. Como as aeronaves não dispunham de rádio, cinco helicópteros do HU-1 ficaram posicionados ao longo da rota e informavam sobre a passagem dos Pilatus. A manobra com os cinco Pilatus foi bem sucedida e a sexta aeronave, por motivos técnicos, foi enviada posteriormente via terrestre.
Surge o “Fragata”
A chegada ao Brasil do NAeL Minas Gerais só piorou a relação entre as duas pastas ministeriais (Aeronáutica e Marinha), que já não era boa. A rápida expansão da Aviação Naval encontrou um sério obstáculo. A FAB passou a vigiar toda e qualquer nova encomenda aeronáutica para a Marinha. Inclusive ameaçou com retaliações os seus fornecedores que atendessem as solicitações da Marinha. Sabendo das suas necessidades e reconhecendo as dificuldades, a Aviação Naval opta por uma solução “caseira”.
A idéia inicial era projetar e fabricar em série uma aeronaves de treinamento. Foi então criada a Companhia Brasileira de Aeronáutica (CBA), ocupando parte das instalações da Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia na área conhecida como “Divisão V-3”. Coube ao Eng. Marc William Niess o projeto do avião. Niess também era piloto e instrutor de vôo.
O projeto foi então denominado Niess 7-250. O número “7” representava o sétimo modelo criado pelo engenheiro Neiss e o número seguinte indicava a potência proposta para o motor. Além disso, foi acrescentado o nome de uma ave marinha – “Fragata”. O “Niess 7-250 Fragata” foi projetado como uma aeronave biplace (em “tandem”), monomotor, de construção metálica, dedicada a cumprir missões de treinamento avançado e treinamento armado.
Em linhas gerais, lembrava muito o T-34 Mentor da Beech Aircraft, porém com a deriva inclinada. Uma segunda versão do avião seria equipada com asas dobráveis e gancho para operação a bordo do NAeL Minas Gerais. Isso fez do Fragata o primeiro avião projetado no Brasil para uso em navios-aeódromos.
O projeto evoluiu relativamente rápido diante da situação. Um protótipo chegou a ficar pronto no final do ano de 1964. Porém, quando estava quase pronto para voar, o presidente Castelo Branco decidiu encerrar a crise entre os dois Ministérios, cabendo à Marinha operar somente o uso de helicópteros. Essa decisão decretou o final do projeto Fragata bem como o encerramento das atividades da Companhia Brasileira de Aeronáutica.
NOTA: texto originalmente publicado no site ANB – Aviação Naval Brasileira
Bibliografia
- LYNCH, P. O voo do Falcão Cinza. Ed. Grafitto: Rio de Janeiro, 2003. 391 p.
- FLYING REVIEW INTERNATIONAL. Naval Air Arm Goes Onboard. News in Brief. Dez. 1963. v. 19, n. 7, p.4.
- MARINHA DO BRASIL. Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA)
- ANDRADE, R. P. – 1991 – História da Construção Aeronáutica no Brasil. Artgraph Ed.: São Paulo, 1991. 327 p.