Uma lição a ser aprendida
Por Luiz Monteiro (LM)
Nas décadas de 1970 e 1980, a Armada Argentina desenvolveu um ambicioso programa de reaparelhamento, no qual se planejou obter 2 contratorpedeiros para defesa aérea de área do Tipo 42, uma construída na Inglaterra e outra no estaleiro argentino AFNE; 4 contratorpedeiros multipropósito Meko 360, construídos na Alemanha; 6 corvetas MEKO 140, a construir-se no estaleiro argentino AFNE; 3 corvetas do Tipo A69, adquiridas por oportunidade na França; 6 submarinos TR-1700, sendo 2 construídos na Alemanha e outros 4 a construir-se no estaleiro argentino Domeq.
Quanto ao programa de obtenção dos submarinos TR-1700, vale ressaltar que incluía a construção de um estaleiro especializado na construção de submarinos e, previa-se modificações no projeto, para instalar um reator nuclear no último submarino a ser construído.
Além das obtenções supramencionadas, o Plan de Renovacion Naval (Plano de Renovação Naval) previa a substituição de todo o sistema de propulsão do navio-aeródromo argentino ’25 de Mayo’, por uma planta propulsora de desenho mais moderno.
Inegavelmente, os mais ambiciosos programas de obtenção eram das corvetas Meko 140, e dos submarinos TR-1700, pois incluíam a transferência de tecnologia alemã, para a construção destes meios em território argentino, a construção de um estaleiro para submarinos, e obtenção de 6 desses meios, sendo um deles dotado de propulsão nuclear.
A aviação naval da Armada Argentina também se encontrava em processo de renovação. A Primeira Esquadrilha Aeronaval de Ataque recebeu 10 Aermacchi MB.326. A Segunda Esquadrilha Aeronaval de Ataque incorporava as aeronaves Super Etendard e o míssil Exocet AM-39. Para a Terceira Esquadrilha Aeronaval de Ataque, a Armada Argentina tentava adquirir 12 A- 4E Ayit, de Israel, mas a compra não foi autorizada pelo Congresso dos EUA.
Outrossim, diante da negativa do governo americano em fornecer os P-3 Orion, a Armada Argentina buscou comprar o Breguet Atlantique (Por utilizarem motores ingleses da Rolls Royce, a compra foi suspensa). Foram adquiridos 2 Westland Lynx WG.13, com opção para mais 8 unidades, para serem utilizados nos contratorpedeiros Tipo 42 e Meko 360, mas o embargo britânico acabou por impedir a aquisição de novas aeronaves. As duas unidades recebidas, logo pararam de voar por falta de manutanção. Para a formação dos aviadores navais, foram recebidos 14 Beech T-34C Turbo Mentor.
No entanto, a crise econômica vivida pela Argentina a partir da década de 1980, afetou os ambiciosos planos da Armada Argentina. Os prazos para conclusão das corvetas Meko 140 foram dilatados, sendo concluído quase duas décadas após o previsto. Somente os 2 submarinos TR-1700 construídos na Alemanha foram concluídos, os 4 que seriam construídos pelo Domeq Garcia foram cancelados em 1991. O programa de remotorização do navio-aeródromo ’25 de Mayo’ mostrou-se inviável economicamente e foi cancelado.
No início dos anos 2000, a Armada Argentina lançou o Plan Apolo 2020, para a recuperação das capacidades perdidas após a Guerra das Malvinas e retomar o projeto de possuir uma esquadra com capacidade oceânica. As principais metas deste plano são:
a) Construção de um navio-aeródromo, conhecido como Buque de Despliegue Principal, cujos Requisitos de Estado Maior (REM) ainda não foram concluídos;
b) Construção do Buque de Control de Emergencias, espécie de Navio de Propósitos Múltiplos, dotado de convés de voo, hangar e doca alagável, com deslocamento aproximado de 10.000 toneladas;
c) Construção de 2 fragatas de defesa aérea de área, para substituírem os contratorpedeiros Tipo 42;
d) Construção de 6 Navios-Patrulha Oceânicos, com deslocamento de aproximadamente 1.200 toneladas;
e) Construção de 2 navios-patrulha fluviais;
f) Conclusão da transformação do contratorpedeiro Hércules em navio rápido de assalto;
g) Instalação do sistema de comando e controle MINIACCO nos principais navios da Armada, iniciando-se pelas corvetas A69;
h) Modernização de meia vida dos contratorpedeiros Meko 360;
i) Modernização das 4 primeiras corvetas Meko 140;
j) Modernização dos submarinos TR-1700 (ARA San Juan e Santa Cruz) relacionados principalmente com sensores, eletrônica e modernização de armamento;
k) Estudo sobre o futuro do Avión Naval Táctico Argentino (ANTA), futura aeronave de alto desempenho da Armada Argentina;
l) Modernização das aeronaves Super Etendard remanescentes;
m) Substituição das aeronaves Aermacchi 326, para treinamento avançado de pilotos;
n) Incorporação de helicópteros Sea King modernizados, com capacidade para fornecer o apoio as campanhas antárticas, guerra anti-superfície e anti-submarino;
o) Aquisição de novos lotes do helicóptero AS.355, para servirem de helicóptero orgânico padrão dos navios escolta;
p) Aquisição de helicópteros utilitários para substituição dos Alouette; e
q) Repotencialização dos radares das aeronaves P-3 Orion.
A grande maioria destes planos não foi levada adiante pelo Governo Argentino. Hoje a Armada Argentina precisa recuperar sua capacidade operativa, mas a situação econômica vivida por nossos vizinhos ainda não permitiu a implementação de um grande programa de reaparelhamento.
Coincidentemente, quase três décadas após o Plan de Renovacion Naval da Armada Argentina, a Marinha do Brasil (MB) lançou um ambicioso Programa de Reaparelhamento, que foi dividido em programas menores, dos quais destacamos o Programa de Obtenção de Meios de Superfície (PROSUPER); o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB); o Programa de Obtenção de Navios-Aeródromos (PRONAe); o Programa de Obtenção de Navios Anfíbios (PRONANF); e o Programa de Corvetas Barroso Modificadas (Classe Tamandaré).
O PROSUPER prevê a obtenção, por construção, de 5 navios escolta com cerca de 6.000 toneladas de deslocamento, 5 navios-patrulha oceânicos com deslocamento aproximado de 1.800 toneladas e de 1 navio de apoio logístico, com deslocamento de cerca de 22.000 toneladas.
O PROSUB prevê a construção de um estaleiro e uma base naval no Município de Itaguaí, no Estado do Rio de Janeiro, a obtenção, por construção (neste estaleiro), de 4 submarinos de propulsão diesel-elétrica, derivados do modelo Scorpène (Classe Riachuelo), com cerca de 2.100 toneladas de deslocamento e de 1 submarino de propulsão nuclear, com deslocamento aproximado de 6.000 toneladas (Álvaro Alberto).
O PRONAe prevê a construção de dois Navios-Aeródromos (NAe). Para tanto, os requisitos iniciais estabelecidos foram: deslocamento da ordem de 50 mil toneladas; propulsão convencional; e disponibilidade de catapulta e aparelho de parada para, respectivamente, a decolagem e o pouso das aeronaves.
O PRONANF prevê a construção de duas unidades de Navios Anfíbios, no Brasil, para substituir o Ex-NDD (Navio Desembarque-Doca) Rio de Janeiro, e o Ex-NDD (Navio Desembarque-Doca) Ceará. Nesse sentido, a Marinha do Brasil continua realizando pesquisa para obtenção de projetos prontos no mercado internacional, já tendo sido contatadas empresas de comprovada capacidade técnica, que possuem projetos/navios com características técnicas semelhantes aos Ex-NDD operados pela MB.
Prioridade na Marinha do Brasil, o programa das novas corvetas derivadas da Barroso prevê a aquisição de 4 corvetas, com características furtivas e deslocamento carregado de cerca de 2.700 toneladas.
A Marinha do Brasil também busca substituir o sistema de propulsão de seu único navio-aeródromo, o São Paulo (A12) e vem modernizando sua aviação naval, seja por meio de aquisição de novas aeronaves, seja pela modernização de outras, tal como tentou a Armada Argentina.
No entanto, a crise econômica vivida pelo Brasil poderá obrigar a Marinha do Brasil a rever seu programa de reaparelhamento, assim como ocorreu com a Armada Argentina nas últimas décadas.
Neste sentido, de forma muito hábil, a Marinha do Brasil vem adotando medidas como a recuperação da capacidade operativa dos meios existentes; a baixa de meios cuja operação não são mais economicamente viáveis; a dilação de prazos de conclusão dos programas já em curso; o delineamento de prioridades para aquisição de meios navais, aeronavais e para o Corpo de Fuzileiros Navais; redução de custos, dentre outras medidas, a fim de diminuir o impacto da crise econômica sobre seu programa de reaparelhamento.
Por fim, cabe salientar que a análise da situação vivida pela Armada Argentina nas últimas décadas, poderá servir para que a Marinha do Brasil consiga suplantar as dificuldades impostas ao seu programa de reaparelhamento.
Este texto reflete, apenas, a opinião pessoal de seu autor não podendo ser confundido, em nenhuma hipótese, com a posição da Marinha do Brasil sobre o tema.