Navios de guerra congestionaram o Porto de Santos em 1981
Porto de centenária significação mundial, Santos tem recebido ao longo do tempo a visita dos mais diversos tipos de navios, curiosos por sua estrutura ou mesmo pela sua funcionalidade. O editor de Novo Milênio, jornalista Carlos Pimentel Mendes, então editor interino de Porto & Mar do jornal santista A Tribuna, noticiou em 24 de janeiro de 1981 (na página 16) a curiosa situação em que os representantes da navegação mercante se arriscavam a ferir suscetibilidades (o país ainda estava sob regime militar), solicitando o adiamento ou cancelamento da chegada da Esquadra a Santos. Motivo: o congestionamento das operações portuárias:
Congestionamento começou a diminuir
Caiu consideravelmente ontem o número de navios ao largo aguardado atracação, que nos últimos dias vinha registrando níveis recordes, em meio ao congestionamento iniciado no período natalino e prolongado pelas chuvas diárias, entre outros fatores. Segundo as informações da Diretoria de Operações da Codesp, na tarde de ontem havia um total de 75 navios no complexo portuário, contra 94 anotados na manhã de quinta-feira.
[…]
Como o atual congestionamento já ocorria há quase um mês, embarcadores, agentes de navegação, comissários de despachos e armadores já demonstravam grande preocupação, pois um navio parado representa um grande prejuízo diário (no mínimo 6 mil dólares, no caso de um cargueiro antigo, ou 20 mil dólares, no caso de um moderno liner, e até mais, no caso de grandes navios, ficando a média diária em 12 mil dólares por navio parado).
Além dos prejuízos com afretamento, existem os que os embarcadores enfrentam, com o armazenamento extra das mercadorias, e até com a quebra de prazos contratuais. Ao mesmo tempo, é prejudicada a regularidade das linhas, causando problemas em diversos portos.
Pedido raro – Por esses motivos, ao tomarem conhecimento da vinda de 15 embarcações da Marinha de Guerra ao porto, vários setores ligados à Marinha Mercante se movimentaram, gestionando por meio das entidades representativas no sentido de que fosse adiada a vinda das belonaves, que inevitavelmente contribuiriam para o congestionamento.
Trata-se de uma medida que raramente é solicitada, porque os embarcadores procuram a todo custo não ferir suscetibilidades, mantendo perfeito relacionamento com a Marinha de Guerra.
Todavia, até à noite de ontem a solicitação não havia surtido o efeito esperado. Segundo informações da Capitania dos Portos do Estado, fora confirmada a vinda hoje da Força-Tarefa, apenas com a redução de dois navios (por causas ainda desconhecidas em Santos): o navio-tanque Marajó e o contratorpedeiro Marcílio Dias.
Assim, são esperadas, hoje, as seguintes belonaves: as fragatas Defensora e Liberal, os contratorpedeiros Alagoas, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Mariz e Barros e Santa Catarina (este comandado pelo ex-capitão dos Portos do Estado, Rubens Vereza); o porta-aviões Minas Gerais e o submarino Riachuelo.
As embarcações chegam à barra às 7 horas, iniciando a atracação às 8 horas, numa operação que deve completar-se até às 10,30 horas. A Esquadra deve ocupar o cais entre os armazéns 29 e 31, com navios acostados até três a três, para ocupar menos espaços.
Ao atracarem, deverão encontrar o submarino Tonelero e o navio de desembarque de carros de combate Duque de Caxias (este, deixando o porto).
A bordo do Minas Gerais virão várias autoridades navais – portanto, esta será a nau capitânia -, como o comandante-em-chefe da Esquadra, vice-almirante Paulo de Bonoso Duarte Pinto, o chefe do Estado-Maior da Esquadra, contra-almirante Nayrthon Amazonas Coelho; o comandante da Força de Contratorpedeiros, contra-almirante Walter Faria Maciel; e o comandante da Força de Fragatas, contra-almirante Hugo Stoffel.
As autoridades serão recepcionadas no cais pelo capitão dos Portos do Estado, capitão-de-mar-e-guerra Adhemar Soutinho, seguindo-se o cerimonial protocolar para esses casos. Não foi confirmado o tempo de permanência da Esquadra – normalmente apenas pelo final de semana -, e nem se haverá visitação pública. Quando deixarem o porto, as belonaves participarão de exercícios de adestramento em alto-mar, inclusive de artilharia no Arquipélago de Alcatrazes, voltando depois ao Rio de Janeiro.
Visitação pública a onze belonaves
Ocupando toda a faixa de cais entre os armazéns 29 e 32, atracaram ontem mais 10 navios da Marinha de Guerra do Brasil, juntando-se ao submarino Tonelero, chegado na tarde de sexta-feira. Segundo a Capitania dos Portos, as embarcações ficarão abertas à visitação pública hoje e amanhã, das 14 às 18 horas (exceto o Tonelero, que só poderá ser visitado hoje, pois amanhã retorna ao Rio de Janeiro).
Chegando à barra às 7 horas, as belonaves começaram a atracar a partir das 8 horas, numa operação concluída cerca de duas horas e meia depois; cinco navios ficaram acostados ao cais, enquanto os restantes atracaram a contrabordo.
Assim, ficaram no cais 29 os contratorpedeiros Piauí (D31), Alagoas (D36), Rio Grande do Norte (D37). No cais entre os armazéns 29 e 30 está o porta-aviões Minas Gerais (A11); no cais entre os armazéns 30 e 31 estão as fragatas Liberal (F43) e Defensora (F41). Defronte ao Armazém 31 estão os contratorpedeiros Mariz e Barros (D26), Sergipe (D35) e Santa Catarina (D32). Por fim, no cais entre os armazéns 31 e 32, acostaram os submarinos Tonelero (S21) e Riachuelo (S22).
Cerimônia tradicional – Como as autoridades navais que acompanham a força-tarefa vieram no navio-aeródromo Minas Gerais, foi junto ao porta-aviões que se deu a cerimônia de recepção das belonaves pelo capitão dos Portos do Estado, capitão-de-mar-e-guerra Adhemar Soutinho.
Trata-se de uma tradição secular, de origem britânica, e herdada dos tempos da Marinha a vela, no período imperial. Ao ser recebido o oficial a bordo, por exemplo, há um toque de apito característico e a continência, e um grupo de marinheiros, chamados boys, ladeiam o oficial saudado, na escada do portaló e no convés.
É que costumava-se, no século passado (N. E.: século XIX), nas reuniões de comandantes de uma força naval em um determinado navio, e quando o mar não estava muito bom, içar o visitante por uma guindola, espécie de pequena tábua suspensa pelas extremidades. A manobra era comandada pelo mestre, ao som do apito, e para realizá-la vários marinheiros iam para o local de embarque. Hoje, a cerimônia representa apenas um gesto de cortesia para com o visitante.
O próprio apito é também um símbolo: os principais eventos da rotina de bordo são ordenados pelo apito de marinheiro, e os mais comuns são acompanhados de toque de corneta.
O apito de marinheiro tem sido através dos tempos uma das mais características peças do equipamento náutico de uso pessoal da gente de bordo. Os gregos e os romanos já o usavam para fazer a marcação do ritmo dos movimentos de remo nas galés. Com o passar dos anos, o apito se tornou uma espécie de símbolo de autoridade e mesmo de honra. Na Inglaterra, o lord high admiral usava um apito de ouro ao pescoço preso por uma corrente; um apito de prata era usado pelos oficiais, em comandos menos graduados, como apito de comando. Eram levados tais símbolos em tanta consideração que, em combate, um oficial preferia jogá-lo ao mar a deixá-lo cair em mãos inimigas. O apito continua hoje preso ao pescoço por um cadarço de tecido, conforme a tradição, e tem utilização para os toques de rotina e comando de manobras, por parte da guarnição dos navios.
E a saudação entre militares mais conhecida, e que será repetida muitas vezes durante a permanência das belonaves no porto, é a continência, que é apenas uma reminiscência do antigo costume que tinham os combatentes medievais, quando vestidos com suas armaduras, de levar a mão à têmpora direita, suspendendo a viseira e permitindo assim a sua identificação, quando inspecionados por um superior.
Adestramento – A escala no porto faz parte de uma viagem de adestramento dos marinheiros, que está sendo acompanhada por diversas autoridades navais: o comandante-em-chefe da esquadra, vice-almirante Paulo de Bonoso Duarte Pinto; o chefe do Estado-Maior da Esquadra, contra-almirante Nayrthom Amazonas Coelho; o comandante da Força de Contratorpedeiros, contra-almirante Walter Faria Maciel; e o comandante da Força de Fragatas, contra-almirante Hugo Stoffel.
Congestionamento – Além da atracação dos navios de guerra, as operações portuárias compreenderam ontem a escala do navio de passageiros Navarino (que inicia viagem à Terra do Fogo, com retorno previsto para o dia 12). Segundo a Diretoria de Operações da Codesp, 80 navios permaneciam ontem no complexo portuário, incluindo as 11 belonaves, e havendo dois berços vagos de atracação, no Terminal de Fertilizantes de Conceiçãozinha.
Desse total, apenas 22 navios permaneciam ao largo, sendo quatro por motivos alheios às operações portuárias (três aguardavam carga e um executava limpeza de porões), e 18 estavam na lista de espera para atracação (três para embarque de carga geral, 12 para embarque e desembarque de carga geral, dois para embarque de granéis líquidos e um para descarga de granéis sólidos).
Até às 24 horas de ontem, eram esperados 11 navios, e outros 11 deveriam talhar as operações, zarpando em seguida. Hoje, são esperados seis navios e cinco devem zarpar. Amanhã, chegam 12 navios, não havendo ainda uma previsão segura do número de embarcações que encerrarão as operações no cais.
Assim, confirma-se a tendência a uma certa estabilidade nas operações, embora a situação ainda seja de congestionamento. A ausência de chuvas no fim de semana é fator importante par ao desenvolvimento das operações, mas a diminuição da atividade portuária hoje e amanhã (quando os navios com carga geral, em muitos casos, não operam) pode ainda trazer reflexos negativos (N.E.: a segunda-feira, 26/1, correspondia ao feriado municipal Dia da Cidade de Santos).
De qualquer forma, a situação já representa um alívio para agentes de navegação, armadores e embarcadores, que viam no prolongamento do período de congestionamento a ameaça de ocorrência de sobretaxas nos fretes, como em outubro de 1979.