Belgrano (2)
O cruzador argentino ARA General Belgrano fotografado depois de ser torpedeado pelo submarino de propulsão nuclear britânico HMS Conqueror

O emprego de redes de sensores e minas navais contra submarinos

 Por Marcelo Souza Besser*

A Guerra das Malvinas foi decidida 2 de maio de 1982 pelo submarino nuclear HMS Conqueror ao afundar o cruzador General Belgrano, o maior navio da Armada Argentina, com sua tripulação – metade das perdas humanas argentinas na guerra. Dois dias depois, a Argentina fez um ataque aéreo rasaste brilhante com mísseis Exocet utilizando outra esquadrilha como chamariz, afundando o destróier HMS Sheffield, mas mesmo assim, já não tinha chances de vitória.

Uma primeira conclusão a qual um país sul-americano poderia chegar, a partir da Guerra das Malvinas, seria querer uma arma dessas para si. Porém, uma conclusão muito mais importante seria que ali foi claramente demonstrada a Ordem de Batalha para ações contra as costas da América do Sul na doutrina militar, igualmente valida para qualquer potência sediada fora do subcontinente.

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Destróier HMS Sheffield depois de atingido por um míssil AM39 Exocet lançado por jato Super Étendard da Aviação Naval Argentina

A estratégia brasileira para a Amazônia Azul e o litoral é indefesa contra um submarino moderno, ou uma frota, que seria a primeira arma usada para nos ameaçar. As distâncias continentais tornam o submarino muito mais útil que um ataque aéreo, para um ataque surpresa. Um bombardeio estratégico, além de exigir uma  esquadrilha de reabastecimento, entraria – mas dificilmente depois conseguiria sair – do hemisfério. Apenas um ICBM estaria a salvo do abate. As distâncias continentais proporcionam um tempo de reação muito maior do que, por exemplo, no Hemisfério Norte ou na Europa e Oriente Médio.

O relativo isolamento geográfico nos permite um tempo de resposta maior para ataques aéreos, nosso tamanho opera a nosso favor, desde que tenhamos o Sivam ou equivalente em funcionamento e esquadrilhas de interceptação de prontidão nos principais centros – mesmo que subsônicas e de fabricação nacional, porém com armamento e contramedidas de ultima geração, conforme for o caso, em apoio de caças supersônicos. A aviação brasileira empregaria com sucesso mísseis com guiagem térmica contra jatos stealth, o que porém exigiria para surtir efeito salvas com muitos disparos e, claro, exigindo esquadrilhas inteiras. Um contra-ataque dispendioso e de baixa eficiência, mas melhor que nenhum.

A forma mais prática de fazer um ataque surpresa aqui envolverá, geralmente, o uso de submarinos nucleares. É a arma que permite a aproximação sorrateira até se encontrar a distância de ataque. Sempre que qualquer potência for nos atacar, o ataque inicial deverá ser desta forma. O posicionamento de uma flotilha de submarinos nucleares de última geração (com mísseis de cruzeiro) ao largo da costa, colocará todos os centros urbanos relevantes – inclusive Brasília – sob raio de tiro e, assim, bastará para efetivamente render o país, que ficaria refém do agressor.

Concepção do submarino com propulsão nuclear Álvaro Alberto
Concepção do submarino com propulsão nuclear Álvaro Alberto

 

O litoral esconde um meio opaco dentro do qual pode-se navegar sigilosamente até quase nossas praias, sem temor de detecção. Imagine o seguinte cenário: um belo dia, amanhecemos com uma pequena frota de submarinos nucleares de ultima geração – os de verdade, com mísseis de cruzeiro – ao largo do Rio de Janeiro, em atitude beligerante. Não haverá tempo de lançarmos submarinos, mesmo que tivéssemos um submarino nuclear com armamento convencional, como o planejado, de prontidão no cais. Mesmo que o fizéssemos, dificilmente a situação seria revertida. Com efeito, já estaríamos rendidos.

O mar é muito grande e controlar a entrada de submarinos alheios, usando uma frota de submarinos, exigiria um grande número deles em mobilização permanente. Talvez por isso que o embaixador norte-americano no Brasil, Clifford Sobel, tenha chamado de “elefante branco” e uma “obsessão ridícula” o submarino nuclear brasileiro. Seria praticamente inútil contra os submarinos nucleares de uma potência agressora. Serviria apenas para intimidar forças navais de países menores – como os dos nossos vizinhos sul-americanos, por exemplo.

Assim, a estratégia para a defesa litorânea e da Amazônia Azul sofre de uma lacuna fundamental. Há um flanco aberto grave e essencial que põe a perder todo o resto da estratégia. A capacidade dissuasória que nossa pequena frota apresenta basta para garantir a paz regional, mas é pífia contra qualquer potência. Além dos recursos naturais nela presentes, as águas territoriais são uma importante área tampão, aonde precisamos ter a capacidade de negação de acesso. A melhor proteção contra um submarino nuclear alheio, porém, não é outro submarino nuclear, exceto se a frota fosse mantida em patrulha permanente. Tratando-se de um território marítimo, não basta monitorar acima da superfície, quando o que mais importa fica abaixo dela. A implantação de capacidade – não dissuasória mas de negação de acesso – sobre um território não disputado sobre o qual se tem soberania, é absolutamente necessária.

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Meios de Guerra Antissubmarino – ASW

A boa noticia é que a guerra antissubmarino é singularmente desigual no tocante ao custo do lado atacante e do que defende; redes de minas e de sonares e helicópteros equipados com torpedos inteligentes antissubmarino, não se comparam ao custo de um submarino moderno. Enquanto investimos somas volumosas na equipagem de um instrumento de ataque que permita uma reação – o submarino nuclear nacional – não nos equipamos nos procedimentos comparativamente muito mais econômicos e de maior custo-benefício que nos permitem de fato evitar ou conter agressões similares – o submarino nuclear de uma potência agressora. Se um submarino é uma das armas mais caras que existem e com utilidade apenas em situação de guerra, seu antídoto natural é o dispositivo naval mais econômico que existe, e o com melhor custo-benefício.

As modernas redes de sensores e de minas acionadas por controle remoto, com diversas opções disponíveis no mercado, proporcionam a capacidade de negação de acesso sobre um território naval. As redes de sensores são essenciais para o  controle de uma área submarina; as redes de minas acionadas por controle remoto são reconhecidas em diversos artigos como sendo ideais para a estratégia naval defensiva, especialmente litorânea. Elas permanecerão, ocultas e dormentes, até o momento de uma eventual agressão.

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A vulnerabilidade diante das minas é tema freqüente de artigos em revistas navais das diversas potências.

“De fato, minas marítimas são fundamentais para as capacidades de negação de acesso das marinhas regionais e suas estratégias e operações de controle do espaço naval. (…) Minas e IEDs subaquáticas são fáceis de adquirir ou construir e são baratas, mas seu baixo custo não reflete seu potencial de dano. Com custos de apenas algumas centenas a milhares de dólares, são as armas de escolha para as “marinhas pobres” proporcionando um excelente retorno sobre o investimento: baixo custo, mas grande efeito. Em 18 de fevereiro de 1991, por exemplo, o cruzador Aegis de um bilhão de dólares USS Princeton (CG 59) foi avariado por uma mina de fundo italiana de influência classe Manta, lançada  pelo Iraque, ao custo de cerca de 25 mil dólares, e tirou de ação o navio durante o período da Operação DESERT STORM e posteriormente. (Ref 1)

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A mina Asteria EM57 de controle remoto para uso em rede, vendida pela Itália, é considerada a primeira mina por controle remoto comercialmente disponível.

Pode ser comprada em quantidade e em médio prazo, ser fabricada localmente por engenharia reversa. As redes de sensores e minas controladas remotamente são atualmente a melhor e mais avançada estratégia naval defensiva. As minas distinguem entre meios amigos e inimigos  – Identification friend or foe (IFF) capability – e as caixas das minas são anti-magnéticas, camufladas, semi-enterradas. As minas ficam dormentes até serem ativadas e lançam torpedos para os alvos (EM57); outras soltam minas-torpedos com raio de centenas de quilômetros (EM56).

Também existem minas chinesas similares próprias para profundidades costeiras, além das PMK-2 russas, lançáveis por submarino e próprias para profundidades abissais e, em caso de tensionamento, as próprias redes da EM57 podem ser ampliadas rapidamente, lançadas por avião.

Dispositivo de detecção da Asteria
Dispositivo de detecção da Asteria

As EM57 permanecem no fundo do mar, camufladas não-magnéticas e ocultas, em profundidades de até 100 m. São acionáveis por controle remoto por cabo enterrado a qualquer distância, ou por sinal acústico a até 30 km de distância, emitido por submarino, navio, base costeira, ou de dispositivo camuflado no leito do mar, e disparam torpedos na direção do alvo agressor. Ficam ‘dormentes’ até serem acionadas. Têm vida útil na água, após a qual devem ser trocadas, de seis meses (estas têm vida útil menor que as antigas, que costumam durar um ano na água), realçando a necessidade de fabricação local em médio prazo. Traçando-se linhas de perímetro ao redor das capitais litorâneas, e eventualmente, fixar minas lança-torpedo na parte inferior de plataformas marítimas em águas profundas distantes. Assim, pode-se proporcionar uma defesa concreta e de negação de acesso contra as frotas de alta tecnologia, garantindo uma primeira reação a tempo de se mobilizar as demais forças.

O desenvolvimento de minas e sensores (sonares passivos IFF) de fabricação nacional para uso em redes litorâneas e ao redor de ativos offshore seria o ideal.

Assim, propõe-se adotar medidas para “fechar a porta dos fundos” da Amazônia Azul, a partir do uso do  subsolo marítimo em uma rede, em grande parte cabeada com os cabos enterrados, com amplas redes de sensores e de redes menores de minas antissubmarino controladas remotamente, com todos os elementos camuflados, semi-enterrados e com caixas não-magnéticas.

O emprego da força naval ASW (Anti-submarine warfare) está, até mesmo, muito mais alinhado com a doutrina militar brasileira, basicamente defensiva, do que o próprio desenvolvimento de uma frota de submarinos nucleares. Há que se considerar o custo–benefício, outra tradição das nossas forças. Neutraliza-se um equipamento agressor caríssimo utilizando instrumentos que custam uma fração. Mais importante,  preserva-se o princípio da defesa legítima e não-agressão que a força ASW apresenta quando usada em águas territoriais, observando todos os melhores princípios da Lei Internacional. O componente que falta para efetivamente concretizar a aspiração estratégica do domínio naval da região da Amazônia Azul envolverá o desenvolvimento de uma força ASW nacional de ultima geração, que implicará em longo prazo uma industria nacional de fabricação dos equipamentos ASW (redes de minas torpedeiras de acionamento remoto, redes de sensores e, em um segundo momento, torpedos antissubmarino inteligentes e helicópteros).

Helicóptero SH-16 Seahawk e NPaOc Apa

Por fim, esquadrões de helicópteros antissubmarino, com grande autonomia e longo alcance, complementariam o aparato, tanto permitindo atacar em áreas onde houver sensores, mas não minas, bem como advertir eventuais invasores sobre as leis de passagem inocente. Um protocolo defensivo padrão seria acionar o sistema quando houvesse passagem não-programada de um submarino; se parecer ser um movimento de rotina, pode-se apenas escoltar o submarino até o limite das AJB – Águas Jurisdicionais Brasileiras.

A lição a aprender com a Guerra das Malvinas não é que o submarino nuclear ‘desarmado’ nos colocaria em pé de igualdade com as potências, mas que essa é a Ordem de Batalha das potências navais para o Atlântico Sul e será esse primeiro movimento de qualquer potência que deseje intimidar um país da América do Sul. A defesa moderna e eficaz contra os submarinos nucleares alheios – muito mais do que a sua posse – é de real relevância estratégica para o país. Assim, ficaria fechada a principal vulnerabilidade nacional – que é seu imenso litoral e a possibilidade de intimidação ou ataque por submarinos – repetindo o que aconteceu nas Malvinas com a Armada Argentina, que ficou retida nas bases após o ataque de um submarino com propulsão nuclear.

*É jornalista e tradutor cientifico ligado ao INCT/PPED – UFRJ.

Referencias

NOTA DO EDITOR: a opinião do autor não representa necessariamente a opinião do corpo editorial do site Poder Naval.

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