Os 100 anos da Força de Submarinos e o Prosub – parte 2
Por Alexandre Galante e Fernando “Nunão” De Martini (adaptação e atualização da matéria publicada na revista Forças de Defesa número 11, em 2014)
A Flotilha de Submarinos
Em 1928, a Flotilha de Submersíveis e a Escola de Submersíveis tiveram suas denominações alteradas, por decreto, para Flotilha de Submarinos e Escola de Submarinos. Em 1929, mais uma unidade era incorporada à Flotilha de Submarinos, o submarino de esquadra Humaytá.
A ideia era renovar a Flotilha, pois ainda que de qualidade compravada, os exemplares da classe “F” estavam obsoletos e já acumulavam 15 anos de serviço (considerado, em média, o limite para a época). Porém, apesar de serem planejados vários programas navais após a Primeira Guerra, que além de submarinos incluíam novos cruzadores e contratorpedeiros, simplesmente não havia verba disponível. A encomenda do Humaytá, feita à Itália por conta da boa impressão que seus fabricantes mantinham junto à Marinha, só foi viabilizada com verbas da venda ao México do antigo encouraçado guarda-costas Deodoro (uma das aquisições pontuais feitas após a Revolta da Armada de 1893).
Sob o comando do capitão de corveta Alberto de Lemos Basto, cumpriu uma histórica travessia de 5.100 milhas náuticas, em 23 dias, de La Spezia ao Rio de Janeiro (onde chegou em 18 de julho de 1929), sem escalas, feito inédito à época.
O Humaytá deslocava 1.450 toneladas padrão e 1.884 toneladas carregado. Seu comprimento era de 86,7m, a boca de 7,8m e o calado e 4,3m. A propulsão era diesel-elétrica, com 2 motores diesel Fiat Q 458 gerando 2.000hp a 360 rpm e 2 motores elétricos principais Savigliano de 500 hp a 221/242 rpm, acoplados a dois eixos acionando dois hélices de três pás cada.
A velocidade máxima era de 18,5 nós na superfície e 10 nós em imersão. O raio de ação era de 12.840 milhas náuticas a 10 nós na superfície ou 120 milhas a 4 nós em imersão. A profundidade máxima de mergulho era de 100 metros. Durante as provas de aceitação, desceu a 105 metros, mais do que o dobro da profundidade de teste de resistência estrutural dos submersíveis da classe “Foca”.
A armamento consistia de 6 tubos de torpedos de 21 polegadas (533 mm), sendo dois na popa, com capacidade para 12 torpedos Whitehead tipo SI. O submarino também era armado com 1 canhão de 120 mm/41, 2 metralhadores Hotchkiss de 13,2 mm e podia transportar 16 minas do tipo Ansaldo. A tripulação era de 68 homens, sendo 5 oficiais, 6 suboficiais, 12 sargentos, 40 cabos e marinheiros e 5 taifeiros.
O submarino Humaytá era um submarino capaz de lançar minas (mineiro), de grande porte, se considerarmos a época em que foi incorporado. Foi o primeiro submarino a realizar operações de minagem no Brasil, e o fez com intensidade, apesar de muitas vezes serem relatados problemas em sua operação, o que levava a manutenções frequentes e difíceis. Ainda assim, estava operando à época da Segunda Guerra Mundial, quando participou de operações de patrulha e de adestramento de unidades de superfície que realizavam a escolta a comboios, incorporadas à Força Naval do Nordeste, e também do adestramento de tripulações aéreas brasileiras e norte-americanas.
Um novo Programa Naval e os submarinos classe “T”
Em 1933, após a desativação dos classe “F”, a Flotilha foi extinta, permanecendo em atividade o tender Ceará e o submarino Humaytá. Naquela época, a “Esquadra de 1910” estava envelhecida e em estado de manutenção precário, o que gerava enorme desânimo no meio naval. O velho Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro continuava mal equipado, enquanto as obras no novo Arsenal de Marinha da Ilha das Cobras (já reprojetado de forma mais ambiciosa depois de 1928) avançavam com menos rapidez do que o necessário, devido à escassez de recursos após a Crise de 1929. Essa mesma crise econômica mundial, juntamente com uma crise política local, desencadearam a Revolução de 1930. Era o início da chamada “Era Vargas”, com uma postura governamental mais voltada ao desenvolvimento da indústria para diminuir a dependência das exportações de café e de outros produtos agropecuários (que, não obstante, ainda eram considerados fundamentais para nossa balança comercial).
Em 1932, um plano de renovação foi apresentado a Getúlio Vargas pelo ministro da Marinha, almirante Protógenes Pereira Guimarães, consistindo de dois cruzadores de 8.500t, nove contratorpedeiros de 1.500t (para substituir suas cansadas contrapartes de 1910), seis submarinos (dos quais dois seriam mineiros), seis navios mineiros-varredores, três navios-tanques e dois diques flutuantes. O programa teve rápida aprovação, assim como um crédito anual de 40 mil contos de réis ao longo de 12 anos para executá-lo, verbas que se esperava disponibilizar apesar da crise.
Dois anos depois, em 1934, foi aberta uma concorrência internacional para escolher os fornecedores dos navios, e publicado um decreto estabelecendo que ao menos três dos contratorpedeiros deveriam ser construídos no Brasil. A insuficiência da verba, após se apurar os valores das ofertas dos fabricantes, levou ao aumento das parcelas anuais para 60 mil contos, mas ainda assim havia alguns problemas: as compras no exterior necessitavam de moedas fortes (ouro, libras, dólares), e os valores em moeda brasileira só se prestariam a pagamentos no país. Ao mesmo tempo negociava-se um contrato para seis submarinos com a Itália, cuja oferta era a melhor da concorrência, mas as condições de prazo para entrega eram ruins, e os valores comprometeriam por vários anos as parcelas anuais de crédito – isso se fosse possível conseguir moeda forte para o pagamento. O programa não conseguia, assim, deslanchar.
Em 1935, teve início a administração do almirante Aristides Guilhem, que tentava dar continuidade ao programa de renovação da Esquadra, mas não assinou o contrato dos submarinos por considerar ruins os seus termos. Paralelamente, o governo procurava contornar os problemas gerados pela crise econômica mundial, num contexto em que diversos países tinham carência de moedas fortes. A solução foi buscar acordos de comércio de compensação com outras nações, praticamente um sistema de trocas de mercadorias, com os respectivos pagamentos aos fornecedores locais com moedas também locais.
Esse sistema foi bem-sucedido inicialmente com a Alemanha, que no caso da Marinha forneceu máquinas para o novo Arsenal de Marinha da Ilha das Cobras (AMIC). Pouco depois foi negociado um acordo com a Itália, relacionado principalmente ao fornecimento de carne. Nada disso foi realizado sem dificuldades de ordem política e comercial, pois ao mesmo tempo se tentava fazer acordos comerciais com os EUA, contrários ao sistema de compensações, e de renegociação da dívida externa com a Inglaterra.
No fim das contas, o Brasil conseguiu fazer acordos com todos esses países, ao mesmo tempo em que procurava renovar o equipamento do Exército e da Marinha combinando, por um lado, trocas de armamentos por mercadorias brasileiras e, por outro, com o máximo possível de construção no próprio país (de forma a se economizar divisas), nas instalações ainda em finalização no novo AMIC.
Nesse meio-tempo, ao invés de um contrato de seis submarinos construídos especificamente para o Brasil, a Itália acenou com a possibilidade de três exemplares similares da classe “Perla”, em construção para a Marinha Italiana, terem suas entregas realocadas para a Marinha do Brasil. Os preços e condições seriam mais convidativos, devido aos trabalhos já se encontrarem em andamento. Finalmente, e contando com o empenho pessoal de Mussolini para o negócio se concretizar, foi feito um acordo para a compra desses três submarinos. Em 14 de março de 1937, foi criada a Comissão Naval Brasileira encarregada do recebimento das unidades, entregues na Itália em 10 de outubro daquele ano.
Em 14 de dezembro, partiram de La Spezia os submarinos Tupy, Tymbira e Tamoyo, os chamados “classe T”. Acompanhou-os o navio transporte Mandú, realizando escalas em Livorno (Itália), Cagliari (Sardenha), Alger (Argélia), Oran (Argélia), Gibraltar, Casablanca (Marrocos), Las Palmas (Ilhas Canárias), São Vicente (Cabo Verde), Recife-PE, onde chegaram em 14 de fevereiro de 1938, Salvador-BA, Vitoria-ES e Rio de Janeiro em 12 de março. Na chegada ao Rio de Janeiro, os submarinos foram visitados pelo presidente da República Getúlio Vargas e comitiva. Com sua incorporação, reativou-se no organograma da Marinha a Flotilha de Submarinos.
A classe “T” deslocava 615t padrão e 853t carregada. O comprimento era de 60,2m, com boca de 6,5m e calado de 4,7m. A propulsão era diesel-elétrica, com motores diesel de 1.400 hp e elétricos de 800 hp acoplados a dois eixos, acionando dois hélices de três pás cada. A velocidade máxima era de 14 nós na superfície e 7,5 nós em imersão. O raio de ação atingia 2.150 milhas náuticas a 8.5 nós na superfície ou 72 milhas a 4 nós em imersão. A profundidade máxima de mergulho era de 80 metros. O armamento consistia de 6 tubos de torpedos de 21 polegadas (533mm), sendo dois na popa, 1 canhão OTO L/47 de 100mm/41 e 4 metralhadores Hotchkiss de 13,2mm. A tripulação era de 33 homens.
Classe |
Nome |
Local de Construção |
Data de Incorporação |
Data de Desincorporação |
“TUPY” |
Submarino |
Estaleiro Odero Terni, Itália |
10/10/1937 |
26/08/1959 |
“TUPY” |
Submarino “Tymbira” (T-2) |
Estaleiro Odero Terni, Itália |
10/10/1937 |
26/08/1959 |
“TUPY” |
Submarino “Tamoyo” (T-3) |
Estaleiro Odero Terni, Itália |
10/10/1937 |
26/08/1959 |
Com a entrada dos italianos na Segunda Guerra Mundial em 1940, e do Brasil em 1942, não foi possível adquirir mais três unidades junto à Itália para completar as seis pretendidas. Cogitou-se construí-las aqui, utilizando os serviços de um engenheiro naval que trabalhou na construção dos submarinos em La Spezia. Era uma consequência natural de uma linha de ação que já resultava na construção no Brasil de seis navios-mineiros (estes de projeto nacional) e de todos os nove contratorpedeiros do Programa de 1932: três de modelo americano, somados a outros seis de projeto inglês (adaptado pelos americanos para receber equipamentos por eles fornecidos), cujos planos foram entregues devido à incorporação pela Grã-Bretanha, após o início da guerra, de uma igual encomenda feita a estaleiros britânicos, seguindo uma cláusula contratual.
Conversações para o fornecimento de planos de submarinos americanos chegaram a ser feitas com os EUA, que já forneciam materiais para os contratorpedeiros e seus armamentos, substituindo os fornecedores europeus e tornando-se o principal aliado do Brasil, tanto na empreitada de construção naval militar no país quanto na guerra. Porém, a capacidade do AMIC já estava bastante comprometida com todos esses navios, e as prioridades para o conflito eram os meios de superfície, capazes justamente de se contrapor à grande ameaça dos submarinos do Eixo – cujas ações no afundamento de mercantes brasileiros efetivamente arrastaram o Brasil para a guerra.
Uma história de guerra com a classe “T”
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Flotilha de Submarinos, incorporada à Força Naval do Nordeste baseada em Recife, participou ativamente do adestramento de escoltas a comboios e de tática antissubmarino para unidades de superfície e aeronaves que, juntamente com a 4ª Esquadra da Marinha dos EUA, operaram contra as forças do Eixo.
De uma dessas missões de adestramento participou o então tenente José Carlos Coelho de Sousa, que mais tarde seria um dos personagens centrais do reequipamento da Marinha com as fragatas classe “Niterói” (matéria especial publicada na revista Forças de Defesa número 5).
Coelho de Sousa era da turma da Escola Naval formada no início de 1944 e, por isso mesmo, composta por guardas-marinha ansiosos em participar das ações de guerra nos navios de escolta da Força Naval do Nordeste. Mas dois terços da turma tiveram seus anseios frustrados, sendo destinados aos velhos encouraçados Minas Gerais e São Paulo, da Esquadra de 1910, que serviam como defesa flutuante dos portos de Salvador e Recife. Porém, o jovem tenente sempre que possível tentou fazer parte da ação, entre os turnos de serviço como chefe da divisão de eletricidade na praça de máquinas do São Paulo, tarefa ingrata num velho navio que ainda queimava carvão. Algumas dessas “aventuras” foram num submarino classe “T”, como contou Coelho em entrevista a Forças de Defesa:
“Esse submarino brasileiro estava lá em Recife para servir de treinamento para o pessoal, para que todo mundo, americanos e brasileiros, treinassem detecção e ataque ao submarino, e como lidar com a carga submarina. Então o submarino saía, ia mar afora, e navios de superfície executavam o que aprenderam sobre como atacar o submarino. Ele era para ser ‘vítima’ do pessoal treinando guerra antissubmarino. Eu embarquei umas duas ou três vezes no submarino brasileiro e fiquei lá, embaixo da água, vendo as coisas acontecerem.”
“O submarino, mergulhado, rebocava uma boia que aparecia na superfície, para o navio atacante não fazer barbeiragem. E a regra era: se partisse o cabo da boia, o navio de superfície tinha que sair correndo da área e o submarino tinha que ficar embaixo da água, aguardando trinta minutos para subir, para evitar uma colisão. Numa das vezes em que eu fui, um navio americano cortou o cabo da boia preso ao submarino. Aí o comandante ‘sentou no fundo’. Ali era mais ou menos raso, e a gente ficou esperando.”
“Quando acabou a meia hora, um oficial disse: ‘Chefe, vamos embora logo, vamos subir.’ E o comandante respondeu: ‘Tá louco, seu! Esses caras aí são todos advogados de Kansas, de Chicago, que fizeram o cursinho de trinta dias para virar capitão-tenente da Marinha Americana! Não subo já não!!!’ E foi dito e feito: pouco depois dele falar, ouvimos o barulho do navio passando por cima do lugar que a gente estava: ‘bruuuuuuum’… Fez um barulhão. E o comandante falando: ‘Não disse? Tá vendo?!!!’ Isso aconteceu.”
Coelho de Sousa também falou sobre um detalhe importante dos submarinos “classe T”, cujo pequeno tamanho os assemelhava aos modelos alemães, levando a soluções interessantes de engenharia devido ao pouco espaço interno para movimentação:
“Aqueles submarinos brasileiros construídos na Itália despertaram, em ‘priscas eras’, uma curiosidade dos americanos porque os periscópios eram Zeiss, como os dos alemães. Havia um arranjo óptico em que o comandante, olhando pelo periscópio, continuava de pé, parado na posição, mas comandava o içamento e arriar do periscópio, além da virada para lá e para cá. E isso os periscópios dos submarinos americanos não faziam. Neles, o comandante girava em torno do periscópio, levando para lá e pra cá, e para cima e para baixo.”
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