Submarino Ceará - S14, visitando Fortaleza na sua chegada ao Brasil, no início dos anos 70

Submarino Ceará – S14, visitando Fortaleza na sua chegada ao Brasil, em 1974 (Fotos: DPHDM)

Por Alexandre Galante e Fernando “Nunão” De Martini (adaptação e atualização da matéria publicada na revista Forças de Defesa número 11, em 2014)

Ainda dentro do Acordo de Assistência Militar com os americanos, foram recebidos até 1974 mais cinco submarinos Guppy II e dois Guppy III, cedidos pela Marinha dos EUA, na administração do almirante Adalberto Nunes, no governo Médici.

Como os submarinos da US Navy recebidos anteriormente, os Guppy eram exemplares com construção iniciada durante a Segunda Guerra Mundial, mas reconstruídos e modernizados pelo programa “Great Underwater Propulsion Power – GUPPY” (maior potência de propulsão sob a água), no qual foram aplicadas as tecnologias usadas no submarino alemão Tipo XXI que surgiu no final de 1944.

O programa eliminava os canhões e estruturas externas que produziam resistência ao avanço sob a água, adicionava uma “vela” com desenho hidrodinâmico para ocultar os mastros e instalava baterias mais poderosas e o esnorquel, mastro que permite aos submarinos renovar o ar ambiente e recarregar as baterias em cota periscópica, sem precisar vir à superfície.

A Marinha do Brasil recebeu os seguintes submarinos da classe Guppy II: Guanabara – S10, ex-USS Dogfish – SS-350; Rio Grande do Sul – S11, ex-USS Grampus – SS-523; Bahia – S12, ex-USS Sea Leopard – SS-483; Rio de Janeiro – S13, ex-USS Odax – SS-484 e Ceará – S14, ex-USS Amberjack – SS-522. Os Guppy III recebidos foram o Goiás – S15, ex-USS Trumpetfish – SS-425 e Amazonas – S16, ex-USS Greenfish – SS-351.

Submarino Goiás – S15, um Guppy III facilmente reconhecível pelas barbatanas do sistema de sonar BQG-4 PUFFS

Os submarinos Guppy II tinham deslocamento carregado de 1.870 toneladas na superfície e 2.420 toneladas em imersão. As dimensões eram de 93,7m de comprimento, 8,3m de boca e 5,5m de calado.

A propulsão era diesel-elétrica com 3 motores diesel Fairbanks Morse de 16 cilindros em V, com 1.600hp cada, 4 geradores Allis Chalmers de 1.100Kw, 4 motores elétricos Allis Chalmers de 2.700hp, acoplados a dois eixos e dois hélices de 4 pás. Um motor diesel auxiliar e um gerador auxiliar de 300Kw.

A velocidade máxima na superfície era de 18 nós e 15 nós em imersão. O raio de ação era de 12.000 milhas náuticas a 10 nós na superfície ou submerso com esnorquel. A profundidade máxima de mergulho era de 122 metros (400 pés).

Submarino Bahia – S12

Classe

Nome

Local de Construção

Data de Incorporação

Data de Desincorporação

GUPPY II

Submarino “Guanabara” (S10); ex-USS Dogfish
(SS-350)

Estaleiro Eletric Boat Company – Grotton, Connecticut, EUA

28/07/1972

10/10/1983

GUPPY II

Submarino “Rio Grande do Sul” (S11); ex-USS Grampus (SS-523)

Estaleiro Navy Arsenal – Boston, EUA

13/05/1972

16/11/1978

GUPPY II

Submarino “Bahia” (S12); ex-USS Sea Leopard (SS-483)

Estaleiro Portsmouth Naval Shipyard – New Hampshire, EUA

27/03/1973

14/07/1993

GUPPY II

Submarino “Rio de Janeiro” (S13); ex-USS Odax
(SS-484)

Estaleiro Portsmouth Naval Shipyard – New Hampshire, EUA

08/07/1972

16/11/1978

GUPPY II

Submarino “Ceará” (S14); ex-USS Amberjack (SS-522)

Estaleiro Navy Arsenal – Boston, EUA

17/10/1973

21/12/1987

GUPPY III

Submarino “Goiás” (S15); ex-USS Trumpetfish
(SS-425)

Estaleiro Portsmouth Naval Shipyard – New Hampshire, EUA

15/10/1973

16/04/1990

GUPPY III

Submarino “Amazonas” (S16); ex-USS Greenfish
(SS-351)

Estaleiro Eletric Boat Company – Grotton, Connecticut, EUA

19/12/1973

01/08/1992

 

O armamento era composto de 10 tubos de torpedos de 21 polegadas, sendo quatro tubos na popa, com capacidade para 24 torpedos no total. A tripulação era de 83 homens, sendo 7 oficiais e 76 praças.

Os exemplares de Guppy III eram ligeiramente maiores e mais avançados. Deslocavam 1.975 toneladas carregados na superfície e 2.450 toneladas em imersão. Tinham 99,5m de comprimento, 8.2m de boca e 5,2m de calado. A propulsão era a mesma dos submarinos Guppy II, com um motor diesel a mais. A velocidade máxima em imersão era a mesma, porém a de superfície era maior, atingindo 20 nós. O raio de ação era de 15.000 milhas náuticas a 8 nós (na superfície ou com esnorquel). O armamento e a tripulação eram os mesmos da classe Guppy II.

A principal diferença externa entre os modelos Guppy II e III era a adição, nestes últimos, de três “barbatanas de tubarão” que abrigavam equipamentos do sistema de sonar BQG-4 PUFFS no convés.

Os submarinos Guppy representaram um grande avanço para a Força de Submarinos, no campo tático e doutrinário. O Rio Grande do Sul (S11) foi o primeiro submarino a inaugurar o emprego do esnorquel no Brasil, por isso acabou recebendo o título de “O Pioneiro”.

Apesar de parte deles servir por longos anos na Marinha, juntamente com diversos contratorpedeiros usados dos EUA recebidos também naquele início da década de 1970, eram soluções para cobrir lacunas antes do recebimento de meios novos, previstos num programa criado ao longo da segunda metade da década anterior.

As classes de submarinos brasileiros nos anos 1980: Guppy II e III e Oberon — Desenho: Alexandre Galante
Submarino Humaitá – S20 sendo incorporado na Inglaterra, primeiro classe “Oberon” da Marinha do Brasil

Classe “Oberon”

Submarino classe Oberon usando o esnorquel para recarregar as baterias

No Programa de Reaparelhamento da Marinha desenvolvido e aprimorado no final da década de 1960, a Marinha do Brasil visava obter (e boa parte por construção local) dezenas de navios de diversos tipos, com destaque especial para os de escolta, no caso, fragatas (veja a edição número 5 da revista Forças de Defesa para saber mais sobre esse programa).

Entre os meios pretendidos, estavam novos submarinos destinados, principalmente, à luta antissubmarino, que era a principal arena prevista para emprego da Marinha no contexto da Guerra Fria, em que a grande ameaça eram os submarinos soviéticos.

Como a construção local estava descartada pela sua alta complexidade, esses novos submarinos foram encomendados à Inglaterra, que não tinha restrições para fornecer equipamentos com tecnologias mais avançadas.

Incorporados na mesma época em que eram recebidos os Guppy americanos usados, os submarinos classe “Oberon” eram considerados os mais modernos do tipo convencional do mundo, inaugurando o conceito de “one man control”, no qual apenas um homem manobrava a embarcação em rumo e profundidade, com controles semelhantes aos de um avião.

Essa classe também dispunha de maior velocidade sob a água, maior autonomia e um sofisticado sistema digital com computadores Ferranti TIOS 24B para direção de tiro, além de um sonar mais avançado, num grande domo no alto da proa. Este era do modelo THORN EMI Type 197CA de media freqüência, passivo/ativo para busca e ataque, e a suíte de sonar incluía o hidrofone lateral BAC Type 2007AA de baixa frequência, para busca, tornando-os especialmente adequados à luta antissubmarino.

Submarino Humaitá – S20

Classe

Nome

Local de Construção

Data de Incorporação

Data de Desincorporação

Oberon

Submarino “Humaitá” (S20)

Estaleiro da Vikers Limited – Barrowfurness, Inglaterra

18/06/1973

08/04/1996

Oberon

Submarino “Tonelero” (S21)

Estaleiro da Vikers Limited – Barrowfurness, Inglaterra

10/12/1977

21/06/2001

Oberon

Submarino “Riachuelo” (S22)

Estaleiro da Vikers Limited – Barrowfurness, Inglaterra

12/03/1977

12/11/1997

 

Foram recebidos três submarinos: Humaitá (S20), Riachuelo (S21) e Tonelero (S22). As características básicas eram: deslocamento padrão de 1.620 toneladas, 2.040 toneladas de deslocamento carregado na superfície e de 2.410 toneladas em imersão. Mediam 89,9m de comprimento, 8m de boca e 5,5m de calado.

A propulsão era diesel-elétrica: 2 motores diesel Admiralty Standard Range 16 VVS-ASR-1 (de 16 cilindros), dois geradores de 1.280Kw, 2 motores elétricos AEI gerando 6.000hp, acoplados a dois eixos e dois hélices de três pás cada. A velocidade máxima era de 17,5 nós na superfície e 15 nós em imersão. O alcance era 11.000 milhas náuticas a 11 nós (superfície ou com esnorquel) e com 56 dias de autonomia.

O armamento era composto de 8 tubos de torpedos de 21 polegadas, sendo dois na popa; a capacidade era de 24 torpedos numa combinação que incluía o novo Mk.24 Tigerfish Mod.1 (filoguiado), Mk.37 Mod.2 (tubos da popa) e até o antigo torpedo antinavio Mk 8 Mod.4, podendo-se também embarcar uma combinação de minas e torpedos. A classe também dispunha de ejetores de despistadores de 102mm, Mk.2 (proa) e Mk.4 mod.1B (popa). A tripulação era de 74 homens, sendo 7 oficiais e 67 praças. Apesar de ter um porte semelhante aos “Guppy”, a classe “Oberon” era menos espaçosa e confortável, internamente.

Sumarinos Amazonas e Humaitá atracados na Base Almirante Castro e Silva em Niterói-RJ

O impacto da propulsão nuclear
Voltemos um pouco mais de 20 anos no tempo. Enquanto o Brasil ainda empregava seus submarinos classe “T” do pré-guerra, e pleiteava junto à US Navy substituí-los por modelos americanos, em 1954 foi lançado ao mar pelos EUA o primeiro submarino com propulsão nuclear do mundo, o USS Nautilus.

Foi considerado o primeiro submarino verdadeiro e não mais um submersível, pois não dependia da atmosfera para produzir energia. O USS Nautilus bateu recordes de velocidade e autonomia, tornando obsoletas as táticas e armas antissubmarino até então válidas contra submarinos convencionais, e que já eram postas à prova pelo desempenho dos modelos soviéticos inspirados no Tipo XXI alemão.

A diferença de desempenho em relação aos convencionais era gigantesca, principalmente em mar aberto e águas profundas. A Marinha do Brasil acompanhou com atenção, ao longo dos 20 anos seguintes, as mudanças trazidas por essa virada tecnológica que garantia ao seu detentor ampla superioridade diante de marinhas que não dispusessem dessa arma. Ainda que o principal emprego do submarino no pós-guerra, na Marinha do Brasil, estivesse voltado ou ao adestramento de unidades de superfície de escolta ou à própria luta antissubmarino, a visão clássica de emprego desse meio em ações ofensivas, e na negação do uso do mar por eventuais adversários do Brasil, não deixava de ser estudada.

E chegamos então, novamente, à década de 1970, quando da assinatura do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, para a construção de usinas nucleares. No contexto de uma longa aspiração para dominar o ciclo nuclear, e que vinha desde as iniciativas do almirante Álvaro Alberto (militar, físico, químico, criador do CNPq, o Conselho Nacional de Pesquisa), esse acordo era mais um passo. Porém, seus termos vetavam o uso da tecnologia adquirida para emprego militar. Era necessário seguir um caminho próprio para que a face militar desse esforço emergisse.

USS Nautilus

Projeto Nuclear Paralelo da Marinha
O ministro da Marinha entre 1974 e 1979, Geraldo Azevedo Henning, fez uma viagem da Bahia para o Rio de Janeiro a bordo de um submarino nuclear americano e ficou entusiasmado com a velocidade (muitos submarinos nucleares podem ultrapassar 30 nós em imersão). No final daquela década, Henning enviou aos EUA um oficial engenheiro naval para realização de um curso de engenharia nuclear no Massachussetts Institute of Technology (MIT). Com o retorno do oficial formado ao Brasil, foi feito um relatório que mostrava a possibilidade de um projeto que daria ao País o domínio completo do ciclo de combustível nuclear e, ao mesmo tempo, capacitaria a Marinha a construir um reator para o seu futuro submarino com propulsão nuclear.

A primeira etapa, enriquecer urânio e fabricar combustível nuclear, foi alcançada graças ao comprometimento de diversas administrações navais e à competência técnica do militar que fez o curso de engenharia nuclear nos EUA e liderou o projeto, o hoje vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. Ele foi Diretor de Pesquisas de Reatores do IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) entre 1982 e 1984 e foi fundador e responsável pelo Programa de Desenvolvimento do Ciclo do Combustível Nuclear e da Propulsão Nuclear para Submarinos entre 1979 e 1994. Exerceu o cargo de Diretor da Coordenadoria de Projetos Especiais da Marinha (COPESP), atual Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), de 1986 a 1994.

Othon é o autor do projeto de concepção de ultracentrífugas para enriquecimento de urânio e da instalação de propulsão nuclear para submarinos. Ele também exerceu a presidência da Eletronuclear – Eletrobrás Termonuclear, empresa sediada no Rio de Janeiro, responsável pela construção e pelo gerenciamento das usinas nucleares brasileiras.

Mesmo com todo o avanço, para concluir o projeto ainda era preciso realizar duas etapas: construir um reator PWR (de água pressurizada) em terra e obter a capacidade de construir submarinos no Brasil.

NO PRÓXIMO POSTconstruindo os submarinos IKL209-1400 no Brasil

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