Submarino K-129

O submarino K-129 era uma unidade da classe Project 629A, designação Golf II da OTAN

Por Greg Myre

A CIA (Central Intelligence Agency) tem uma frase favorita: “Nós não podemos confirmar nem negar”.

A frase nasceu como parte de um estranho drama da Guerra Fria, envolvendo Howard Hughes, que agora tem um novo significado.

Em março de 1968, um submarino soviético com seus mísseis nucleares sofreu um acidente catastrófico e foi parar no fundo escuro e frio do Pacífico. Todos os 98 tripulantes morreram.

Os soviéticos enviaram uma grande força de resgate, mas após dois meses de busca, finalmente desistiram. O submarino estava a mais de 3 milhas (5.500 metros) abaixo da superfície no meio do Oceano Pacífico.

Mas, da perspectiva dos EUA, essa era uma mina de ouro de inteligência potencial, depositada ali. E os EUA tinham uma grande vantagem.

A Marinha Americana e a Força Aérea possuíam sofisticados dispositivos de escuta acústica em todo o Pacífico. Ambos os sistemas captaram algo estranho do acidente do submarino e compararam os dados.

“Alguém tinha cérebro na Marinha para dizer, bom, vamos conversar com a Força Aérea. Acontece que, eles podiam identificar o ruído em uma certa área”, disse o historiador naval Norman Polmar. Ele co-escreveu um livro sobre este episódio,  Project Azorian: The CIA and the Raising of the K-129. O projeto Azorian foi o nome dado pela CIA à sua operação secreta para encontrar — e capturar — o submarino, que era conhecido como K-129.

Um submarino soviético Golf II acompanhado na superfície pela fragata USS Pharris (FF-1094) ao largo de Copenhagen, em fevereiro de 1978

Os soviéticos acreditavam — erroneamente — que um submarino americano tinha colidido com seu submarino, conhecido como K-129, fazendo com que ele afundasse.

Documentos da CIA recentemente lançados mostram que os soviéticos também acreditavam que os EUA nunca seriam capazes de localizar ou recuperar o submarino.

A CIA não revela suas fontes, contudo os documentos mostram que a Marinha Soviética concluiu em 1970 que “não valia a pena temer que os americanos resgatassem o submarino. Em primeiro lugar, eles ainda não possuíam equipamentos apropriados. Em segundo lugar, o submarino ainda precisava ser descoberto no fundo do mar, que a essa profundidade, era muito difícil”.

Localização do K-129

Os EUA não tinham na época nenhum submarino que pudesse realmente ir tão fundo. Entretanto, submarino americano, o Halibut, baixou uma sonda com uma câmera e conseguiu tirar milhares de fotos do submarino soviético, mostrando que ainda estava em grande parte intacto.

Mas como se resgataria um submarino soviético de 2.000 toneladas sem que ninguém percebesse?

É aí que entra Howard Hughes.

Restos do K-129 no fundo do mar
Plano detalhado do submarino Golf II. Observar os três silos de mísseis balísticos na vela (clicar na imagem para ampliar)
Perfil do submarino Golf II, Project 629A

Hughes, um bilionário excêntrico e recluso, concordou em ser o disfarce da CIA. Ele encenou um plano inventado pela agência, anunciando que ele construiria um enorme navio para explorar minas valiosas de nódulos de manganês no fundo do mar.

Parecia plausível.

Na realidade, este navio único tinha um veículo submersível com uma enorme garra para arrancar o submarino soviético de sua cova aquosa.

“Era um ótimo disfarce. Ao escolher alguém que era tão conhecido, ninguém acreditaria que era um disfarce”, disse Polmar.

O navio Hughes Glomar Explorer

O projeto não era nem barato nem rápido. Foram necessários centenas de milhões de dólares e seis anos de construção antes do Hughes Glomar Explorer zarpar de Long Beach, Califórnia, em junho de 1974.

O disfarce ainda estava firme nos EUA. Mas os soviéticos estavam claramente desconfiando.

Sherman Wetmore, agora com 82 anos, era engenheiro no navio. Ele disse que um navio soviético, depois substituído por um segundo, acompanhou de perto os americanos enquanto ancoravam acima do submarino soviético. Havia até um helicóptero que circulava acima dele, tirando fotos.

“Observaram tudo o que fizemos, e o disfarce ainda estava funcionando”, disse Wetmore.

Ilustração do Glomar içando uma parte do K-129

O Hughes Glomar Explorer precisava de duas semanas para descer seu veículo submersível a 3 milhas de profundidade e prender a garra gigante no submarino soviético. Foi uma façanha notável da engenharia marítima que nunca antes havia sido experimentada, e ninguém tinha certeza de que funcionaria.

Mas depois de alguns percalços, isso aconteceu. O submarino soviético foi suspenso mais de uma milha ao longo de vários dias, embora ainda tivesse 2 milhas a percorrer.

Então, de repente, o Hughes Glomar Explorer estremeceu.

“Se você já esteve em um pequeno terremoto na Califórnia, sentiria isso por provavelmente 10 segundos”, disse Wetmore. “Você saberia que era algo sério”.

O submarino havia se partido — e a maior parte dele voltou para o fundo.

A CIA teria que se contentar com um pedaço de cerca de 12 metros do submarino de mais de 90 metros de comprimento.

No entanto, esses navios soviéticos nunca descobriram exatamente o que estavam testemunhando. Wetmore disse que o plano era levar o submarino para o navio à noite com a esperança de que os soviéticos não percebessem.

Mas, à medida que o submarino se aproximava da superfície, o barco soviético “soprou seu apito três vezes, que é um símbolo de “te vejo mais tarde”, adeus, e eles foram embora”, disse Wetmore.

Pouco depois, os restos do submarino foram trazidos a bordo do Hughes Glomar Explorer. O navio então dirigiu-se ao Havaí. Toda a jornada durou pouco mais de dois meses.

Então, o que a CIA encontrou?

Dois torpedos de ogiva nuclear e alguns manuais de submarinos. Coisas muito interessantes, embora não fossem o que a inteligência esperava.

A operação começou a vazar seis meses depois, com uma série de reportagens na mídia dos EUA no início de 1975.

A revista Rolling Stone apresentou um pedido pela Lei da Liberdade de Informação para obter mais detalhes. A CIA ainda não queria confirmar a operação, porém, não podia mais negá-la.

Daí a frase “Nós não podemos confirmar nem negar”.

O embaixador soviético em Washington, Anatoly Dobrynin, exigiu uma resposta do secretário de Estado Americano, Henry Kissinger.

Os documentos da CIA, citando oficiais soviéticos, dizem que Kissinger “admitiu essencialmente o sucesso parcial”.

Após a Guerra Fria, em 1992, os Estados Unidos deram à Rússia um vídeo que mostra os americanos no navio sepultando respeitosamente no mar os restos de seis marinheiros soviéticos encontrados no submarino:

Meio século depois da missão, Polmar ainda pensa que valeu a pena.

“A CIA, ao longo de um período de seis anos, fez um trabalho fenomenal de construir a capacidade de resgate para capturar um submarino, a 16.000 pés de profundidade, no meio do Oceano Pacífico, com a Marinha Soviética observando, e os soviéticos não tinham ideia do que estava acontecendo”, disse ele.

Duas notas finais:

O Hughes Glomar Explorer viveu o resto da sua vida marítima perfurando poços de petróleo no mar profundo. Há dois anos ele foi para o desmanche para virar uma pilha de sucata, vítima dos baixos preços do petróleo.

Quando a CIA inaugurou sua conta no Twitter em 2014, começou assim: “Nós não podemos confirmar nem negar que este é o nosso primeiro tweet”.

Greg Myre é um correspondente de segurança nacional

FONTE: NPR / Tradução e adaptação do Poder Naval

Subscribe
Notify of
guest

42 Comentários
oldest
newest most voted
Inline Feedbacks
View all comments