Saab mira na classe Tamandaré, estaleiros civis e Arsenal de Marinha
De fornecedora de sistemas e armamentos, empresa sueca quer se tornar construtora de navios para a MB
Por Fernando “Nunão” De Martini
Na disputa de empresas mundiais do setor naval por oportunidades no reequipamento da Marinha do Brasil (MB) as quatro novas corvetas classe “Tamandaré” são o programa da vez. Afinal, nada menos do que 21 empresas ou consórcios apresentaram, no primeiro semestre deste ano, documentações em resposta ao aviso de chamamento da Marinha, para o processo de construção dos navios. O grupo de defesa sueco Saab é um desses concorrentes, e nesta segunda-feira (16/10/17) realizou, no Rio de Janeiro, um encontro com a imprensa para dizer por que se considera em boa posição nesse páreo. O Poder Naval esteve presente ao encontro e resume aqui alguns dos pontos principais apresentados.
Alencar Leal, oficial da reserva da Marinha que hoje é analista de projetos da Saab Brasil, ficou encarregado da exposição geral dos sistemas navais do grupo. Leal destacou que, após programas militares bem-sucedidos no setor aéreo do Brasil (em especial os caças Gripen E/F para a Força Aérea) e terrestre (sistemas de mísseis superfície-ar para o Exército), a continuidade da presença da Saab no reequipamento das Forças Armadas não é mais vista como apenas uma opção, mas se tornou uma missão para o grupo sueco. Missão que agora inclui o mar.
O Brasil é visto não só pela sua própria capacidade de adquirir material de defesa, mas também um meio para que esse material chegue a outros países da região (México foi um dos exemplos citados), dentro de uma perspectiva de expandir mercados pela exportação que, para Leal, vem da própria experiência sueca: um país pequeno com grandes necessidades de defesa, mas que precisa explorar o mercado externo para gerar a escala de seus produtos (o que vale também para seus produtos do mercado civil). E um caminho para isso é realizar parcerias, o que é o caso pretendido, agora, no setor naval brasileiro.
Aqui se insere a oferta do grupo Saab para o programa de quatro corvetas da classe “Tamandaré”, que enfatiza a capacitação para construção no Brasil, como pretende a Marinha.
Estaleiros privados e AMRJ
O executivo da Saab informou que a empresa já vem realizando visitas de conversações com estaleiros privados — uma delas ocorria naquele dia — e que essas ações fazem parte do objetivo de ir além da posição atual do grupo sueco como fornecedor de armamentos, sistemas e equipamentos para a MB (dos quais os exemplos mais conhecidos são as alças eletro-ópticas que equipam fragatas e corvetas) e se tornar um construtor de navios para a força. Para a disputa do programa da classe “Tamandaré” por meio da divisão Saab Kockums, o grupo apresentou ofertas que podem incluir parcerias tanto com estaleiros privados quanto com o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ).
Sobre o AMRJ, a pergunta do Poder Naval ao executivo da Saab foi sobre como pretendem trabalhar com o arsenal, frente à sua realidade em pessoal e equipamentos. Afinal, é uma organização que possui em suas oficinas e instalações algumas áreas modernizadas em meio a máquinas operatrizes pesadas, ferramentas e processos representativos de várias décadas atrás — ainda que boa parte das centenas de máquinas como tornos, conformadoras e plainas seja mantida em condições de operar — e carências diversas em mão de obra. Em outras palavras, um arsenal que se mostra como um “case” vivo de arqueologia industrial, onde convivem extratos modernos e camadas de antiguidades, adquiridas ao longo dos surtos de construção naval militar do último século.
No caso do AMRJ, o que a Saab está oferecendo formalmente é, entre outras possibilidades de uma oferta flexível, uma revitalização ampla, tal qual realizou no tradicional estaleiro sueco de Karlskrona (junto à principal base da Marinha da Suécia), transformado de uma instalação ultrapassada em uma organização moderna, com equipamentos, métodos e processos atuais e mão de obra capacitada. Não se trata, segundo Leal, de simplesmente ocupar e modernizar algum edifício do AMRJ para cumprir um contrato de corvetas, mas de realizar uma ampla transformação.
Nesse ponto, o executivo Pieter Verbeek, diretor de desenvolvimento de negócios da Saab do Brasil, completou que o objetivo do grupo sueco não é apenas vender navios, e sim recapacitar a construção naval militar do país. Sobre isso, Alencar Leal também afirmou que, pela capacitação da Saab Kockums em construir de navios de superfície a submarinos e transferir tecnologia de ponta para países que, como o Brasil, têm capacidade técnica e de recursos humanos para absorver, trata-se de uma pretensão real.
Reforçou que há várias opções na mesa, que incluem não só o AMRJ mas diversos estaleiros privados, cabendo à Marinha decidir o caminho, caso escolha a proposta da Saab para as corvetas. Em qualquer dos casos, segundo Leal, a busca é por parcerias de longo prazo, ampla atuação tecnológica, com flexibilidade e qualidade. Ainda sobre o tema, informou que não só estaleiros estão sendo visitados, mas também navios da Marinha do Brasil, como a corveta Barroso (que serviu de base para o projeto melhorado da classe “Tamandaré”.
Exportações e perspectivas
A apresentação enfatizou, como já mencionado, o caso da Suécia ser um país pequeno (sua área é relativamente grande para padrões europeus, mas a população é pequena) que para viabilizar sua defesa focou em desenvolver o ciclo de vida de seus produtos e em exportar. Essa perspectiva também é válida para o caso das futuras corvetas classe “Tamandaré”, de forma que a modernização da capacidade de construção proposta pela empresa torne essa atividade competitiva, e que exportações de navios da classe possam gerar royalties para a Marinha.
Sobre as perspectivas de uma decisão a respeito do programa das corvetas, a situação política e econômica do país foi apontada como dificuldade para que se tenha uma escolha e início do processo antes do final do próximo ano, que é de eleições presidenciais. Ainda assim, Leal ressaltou que o grupo Saab tem condições de oferecer, além de sistemas, equipamentos e navios completos, formas de financiamento para viabilizar a proposta.
Além dos já mencionados Alencar Leal e Pieter Verbeek, os executivos Fredrik Hillbom e Robert Petersson participaram das conversas que se seguiram à apresentação e rodada de perguntas.
Antes, o evento contou com exposição de Sabrina Evangelista Medeiros, professora associada da Escola de Guerra Naval, no Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM-EGN/MB). A pesquisadora de Ciência Política e Relações Internacionais fez uma exposição sobre cooperação internacional para segurança e defesa, no contexto das ações de reequipamento naval da América Latina, numa perspectiva geopolítica em que as oportunidades de cooperação devem ocorrer tanto entre países quanto dentro de um mesmo país (interagências).
O colaborador do Poder Naval viajou ao evento a convite da Saab