O que não foi dito sobre o submarino desaparecido ARA San Juan
Entrevista com Alexandre Galante, editor dos Portais Poder Naval e Defense Forces
Por Sergio da Motta e Albuquerque, do portal GGN
O desaparecimento do submarino argentino ARA San Juan em águas do Atlântico sul (15/11) trouxe novas e velhas questões de interesse nacional a respeito do papel estratégico atual dessas embarcações no mundo contemporâneo. O trabalho da grande imprensa nacional foi superficial , e só os portais especializados da web e algumas revistas temáticas impressas apresentaram uma cobertura convincente a atualizada sobre os detalhes mais relevantes sobre a embarcação argentina. Pouca gente sabia que o navio argentino foi concebida para superar a classe 209, usada pela Marinha do Brasil e mais alguns países do mundo. E que o ARA San Juan era maior, mais veloz e possuía maior autonomia que os nossos 5 submarinos. O público também não foi informado que o ARA San Juan por pouco não recebeu um reator nuclear.
O submarino argentino pertence à classe 1700, feita sob encomenda para a Argentina nos estaleiros HDW em Kiel, Alemanha e foi comissionado para serviço em 19 de novembro de 1985 . Ele, e seu irmão ARA Santa Cruz são embarcações maiores e mais possantes que a linha 209 da Marinha do Brasil – o maior sucesso de vendas deste tipo de embarcação, com mais de 60 unidades vendidas pelo mundo afora, Brasil incluso. O tipo 209 de submarinos que o Brasil emprega ainda não está completamente ultrapassado. A TyssemKrupp Marine Systems (controladora da HDW desde 2005) em sua página da web ainda divulga a propaganda da série 209 em seu último modelo mais atual (o 209-1400), e alguns países ainda tem interesse em equipar suas marinhas com tais meios. O Egito, por exemplo, recebeu um 209-1400 em agosto deste ano do estaleiro alemão.
Quando eu li pela primeira vez sobre a possibilidade do ARA San Juan receber um reator nuclear imaginei um sistema poderoso de propulsão como o dos submarinos americanos, russos ou franceses. Eu estava errado. O que aconteceu na realidade. foi publicado em detalhes pelo portal “Poder Naval” ( 23/11). O site explicou que o reator era um pequeno modelo canadense de baixa potência tipo AMPS(N) ( Autonomous Marine Power Source [Nuclear]), produzido pela firma ECS canadense, e que converteria o submersível argentino em um submarino AIP, ou seja, um submarino com propulsão independente da atmosfera, com autonomia para permanecer duas emanas ou mais submerso. Os submarinos convencionais tradicionais funcionam com motores a diesel que alimentam baterias elétricas que acumulam energia para movimentá-lo quando submerso. Quando descarregam, as baterias precisam ser recarregadas pelo motor diesel e o submarino deve voltar à superfície (ou próximo à ela) para a recarga das baterias e renovação de oxigênio a bordo.
Os submarinos AIP, a depender do sistema empregado, descem às profundezas com seu oxigênio à bordo, ou produzem o mesmo submerso. O reator canadense não converteria o ARA San Juan em submarino nuclear, mas em um AIP. Um submarino AIP pode permanecer submerso por um tempo muito maior que um convencional, que necessita voltar a superfície entre 4 e 6 dias, expondo-se a riscos de detecção. O tipo 1700, desenhado sob medida pelos alemães para a Marinha Argentina, suportava até uma semana sem precisar subir à superfície.
Nos últimos anos, com a evolução dos sistemas de propulsão para submarinos, os AIPs parecem não ter concorrência em águas costeiras. São furtivos, muito silenciosos e ideais para patrulhas nessas águas perigosas nos dias de hoje. Com a ampliação do tempo de submersão, tais embarcações poderiam por em xeque a fabricação dos caros submarinos nucleares. Que são muito grandes e barulhentos para a vigia das faixas costeiras da maioria dos países. Além de não disporem da mesma mobilidade vertical dos submarinos convencionais. Um submarino nuclear não pode, por exemplo, mergulhar muito rápido ou esconder-se no fundo do mar e desligar os motores. Um reator nuclear de propulsão não pode ser desligado a qualquer momento.
Uma das lições que restaram da tragédia na Marinha Argentina foi a capacidade furtiva do submarino convencional. O submarino desapareceu no dia 15 de novembro, e o mundo testemunhou a dificuldade em localizá-lo. O ARA San Juan desapareceu por completo. Todas essas considerações tem levado muitos analistas de defesa a se perguntarem se o futuro dos submarinos não seria mais nuclear. A evolução das células de combustível, em um cenário onde as marinhas costeiras tem tido mais trabalho que as oceânicas, poderia condenar essas embarcações a um lento e gradual declínio. Em um cenário de guerra assimétrica, onde um poder maior enfrenta um muito menor e menos equipado, não parece fazer sentido a manutenção de monstros como “Kursk” russo, ou os enormes “boomers” norte- americanos da classe George Washington, capazes de destruir o planeta. As ameaças enfrentadas agora parecem demandar submarinos especializados e menores, e quem sabe, com propulsão à célula de combustível.
Tais questões são de suma importância para o projeto nacional de submarino nuclear, uma promessa que a cada dia parece cada vez mais distante da nossa realidade. Ainda faz sentido produzir uma embarcação tão cara , se hoje podemos navegar 2800 quilômetros sem voltar à superfície, como fez o submarino alemão AIP U-32 em 2006? Em 2013, o mesmo submarino permaneceu 18 dias submerso, a caminho de exercícios navais com a marinha norte-americana, informou o site “Fuel Cell Today” (16/5).
Procurei Alexandre Galante, editor dos portais “Poder Naval”, aqui no Brasil, e do “Defense Forces”, em inglês, para tirar dúvidas sobre nosso projeto nacional de submarino nuclear. Ainda precisamos de um, quando podemos economizar dinheiro na compra de um modelo convencional com propulsão AIP, que poder permanecer muito tempo submerso com custo muito menor? A evolução dos submarinos será mesmo nuclear, ou os sistemas de propulsão independentes da atmosfera (AIP) são uma alternativa a considerar?
Entrevista com Alexandre Galante, editor do Portal “Poder Naval” e do “Defense Forces”
Sergio MA: No Poder Naval (23/11) vocês explicam que os canadenses ofereceram aos argentinos uma unidade AIP nuclear, através de um pequeno reator já usado em submersíveis de pesquisa e salvamento. Há alguma chance da Argentina ter pensado em equipar sua armada com um submarino nuclear? O que interrompeu a instalação do reator no ARA San Juan?
Alexandre Galante: “Sobre essa proposta da ECS de um reator para o TR-1700, só não me lembro por que o negócio não foi adiante, se por problema econômico da Argentina ou pressão do Reino Unido sobre o Canadá. A Argentina tinha grande interesse na propulsão nuclear, principalmente depois da Guerra das Malvinas, assim como a Marinha do Brasil”.
Sergio MA: Você não acredita que o Brasil poderia mover-se nesta direção proposta pelos canadenses aos argentinos? Que tal nosso programa nuclear fazer um “downsizing” e partir par um AIP nuclear como o canadense? Não podemos garantir, com o avanço das tecnologias AIP, que o futuro dos submarinos será nuclear para sempre. Ao contrário. O desaparecimento da belonave argentina provou que a furtividade dos submarinos convencionais (e dos AIPs, principalmente) permanece um grande problema para as grandes marinhas.
Poderíamos desistir de um reator grande e construir um pequeno AIP nuclear – que não depende da infraestrutura complexa dos os AIP’s. O que você acha da ideia? Um submarino com este sistema de propulsão não seria poderia desempenhar o mesmo papel que um nuclear?
Alexandre Galante: “Os submarinos convencionais com propulsão AIP, com suas diversas variantes, aumentam bastante a discrição do submarino, e ampliando os intervalos de utilização do snorkel para renovar as baterias. Mas o submarino continua com sua grande limitação, que é a baixa velocidade. Um submarino convencional não pode sair caçando suas presas, ele tem que ficar em pontos focais esperando os alvos passarem por ele.
Já o submarino de propulsão nuclear tem liberdade de movimentos, ele é mais rápido que os navios de superfície, portanto tem a iniciativa das ações. Ele é o caçador-matador, escolhe quando ataca ou foge. O submarino nuclear de ataque HMS Conqueror ficou sombreando durante dois dias o cruzador argentino ARA General Belgrano e seus escoltas antes de desfechar o ataque. Um submarino convencional jamais conseguiria isso.
Então não há comparação, o submarino convencional é como se fosse o peão do jogo de xadrez, já o nuclear é a Dama, tem movimento ilimitado”.
Sergio MA: Você não acredita que a evolução das tecnologias de propulsão através das células de hidrogênio ou outra assemelhada possa ameaçar o futuro dos submarinos nucleares no médio, longo prazo?
Alexandre Galante: “Complementando e respondendo sua última pergunta: os submarinos convencionais e com AIP nunca vão ameaçar os submarinos de propulsão nuclear, pois são de categorias diferentes. As potências navais como EUA, Reino Unido e França abandonaram o uso dos submarinos convencionais e Rússia e China ainda constroem submarinos convencionais por causa de sua doutrina e geografia.
Países que podem e querem ter os dois tipos de submarinos, convencionais e nucleares, empregam esses meios de forma complementar, os convencionais em estratégia de posição e o nuclear na estratégia de movimento.
Os submarinos convencionais operam melhor em águas rasas e costeiras, em pontos focais e os nucleares em mar aberto, águas azuis. Mas os nucleares terão sempre a vantagem da grande velocidade de deslocamento e autonomia virtualmente ilimitada, sem a necessidade de usar o snorkel, que compromete a discrição dos submarinos convencionais. Os submarinos nucleares podem ficar anos sem precisar trocar o combustível nuclear e os que estão entrando em serviço atualmente possuem núcleo (core) de reator que dura toda a vida útil do submarino.
Finalizando, as Marinhas que puderem e quiserem, terão os dois tipos de submarinos, convencionais e nucleares. Mas as potências navais já abriram mão dos convencionais, por suas limitações de velocidade, autonomia e discrição, devido à necessidade do uso periódico do snorkel”.
Notas do autor:
Snorkel: é um mastro com um entrada de ar e tubos de escape para os motores diesel de um submarino que pode ser estendido acima da superfície da água para que os motores possam ser operados enquanto o submarino está submerso (do Dicionário Merrian-Webster).
AIP: “air independet propulsion” – Tradução literal: propulsão independente do ar. Sistema de propulsão de submarinos que limita a exposição da embarcação à atmosfera da superfície por tempo consideravelmente maior que a de um submarino diesel-elétrico convencional.
FONTE: jornalggn.com.br
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