80 anos do Monitor Parnaíba – quinta parte
Do pós-guerra à grande modernização de 1997
Por Fernando “Nunão” De Martini (adaptação e atualização da matéria publicada na revista Forças de Defesa número 8, em 2013)
A história do monitor Parnaíba após a Segunda Guerra Mundial é uma longa narrativa de gerações sucessivas de tripulantes, servindo nas duras condições da Fronteira Oeste, adaptando-se aos cenários da Guerra Fria, às operações conjuntas e combinadas, envolvendo as três Forças Armadas e os países vizinhos, e chegando ao combate às novas ameaças dos ilícitos transnacionais como o tráfico e o contrabando, entre outros. São décadas demais para tratar em detalhes nesta penúltima parte da matéria comemorativa dos 80 anos do navio, mas que podemos resumir a partir de alguns marcos, que representam gradativas mudanças nas operações fluviais.
Em 1948, o monitor Pernambuco teve sua merecida baixa após 38 anos de serviço, deixando a Flotilha com os dois monitores que continuaram navegando juntos pelas duas décadas seguintes, marcando presença no Rio Paraguai. A Primeira Companhia Regional de Fuzileiros Navais, criada em Ladário em 1932, também foi evoluindo juntamente com as doutrinas de Operações Ribeirinhas, tanto para casos de conflito externo quanto para manutenção da ordem interna, realizando exercícios de desembarque apoiados pelos monitores.
Falando em artilharia, em 1959 esta foi padronizada em relação aos principais meios distritais da Marinha: naquela década, as novas corvetas da classe “Imperial Marinheiro” entravam em operação e recebiam canhões de 76mm L/50 dos estoques da Diretoria de Armamento, numa época em que vários navios como os caça-submarinos construídos nos EUA na Segunda Guerra Mundial, e repassados ao Brasil durante o conflito, davam baixa e eram desarmados, ampliando a disponibilidade desses canhões.
Tanto o Parnaíba quanto o Paraguassu trocaram suas já desgastadas e imprecisas armas de 120mm pelos menos poderosos, porém mais efetivos, canhões americanos de 76mm, com maior cadência de tiro, precisão e farta munição.
O armamento antiaéreo do Parnaíba também foi aprimorado, com dois canhões Bofors 40mm L/60 instalados sobre a casaria de popa, o que resultou em mudança de posição das duas metralhadoras de 20mm ali localizadas. Vale dizer que essas armas também podiam engajar alvos de superfície. Essa foi a sua configuração de armamento por quatro décadas.
Em 1971, o monitor Paraguassu deixou o serviço, sendo sucedido em 1972 por outro navio de mesmo nome e que acompanha o Parnaíba até hoje nas diversas comissões no Rio Paraguai, numa mostra da evolução rumo a uma maior interação com os Fuzileiros: o navio-transporte fluvial Paraguassu. Capaz de transportar uma tropa de 178 homens para desembarques apoiados pela artilharia do monitor, o novo Paraguassu passou a operar juntamente com novas embarcações de desembarque de viatura e pessoal (EDVP), ampliando a flexibilidade nas operações.
Já o velho monitor Paraguassu, desativado e preservado em Ladário, acabou sofrendo um incêndio no cais e precisou ser encalhado na margem oposta, onde permanece até hoje servindo de base para equipamentos de sinalização. Seu velho casco rebitado, cuja quilha foi batida em 1890, fica bem visível na época da seca.
Já na década de 1980, a instalação de ar condicionado melhorou a habitabilidade do Parnaíba, também aprimorada pela transformação do paiol de mantimentos de ré (abaixo da linha d’água) em alojamento, diminuindo a lotação da coberta sob o convés de proa. Em 1983, começaram em Ladário as obras para instalação de uma unidade aeronaval, que veio na forma do 1º Destacamento Aéreo Embarcado (1º DAE), operando helicópteros UH-12 Esquilo a partir de 1990. A unidade foi rebatizada em 1995 como Esquadrão HU-4. Com sua chegada, o Parnaíba passou a operar em conjunto com helicópteros, mas sem as vantagens de possuir um convoo, como já ocorria desde 1973 com os novos navios-patrulha fluviais da classe “Pedro Teixeira”, de porte pouco maior que o do monitor, e que operavam na Amazônia.
Modificações menores e atualização de equipamentos diversos ocorreram durante os períodos de manutenção, mas isso não escondia o fato do monitor possuir uma propulsão totalmente ultrapassada. Que o digam as gerações de veteranos, muitos ainda residentes em Ladário, que não se esquecem das altíssimas temperaturas da praça de caldeiras (agravadas pelas altas temperaturas do ambiente), que tornavam o monitoramento dos mostradores e operação das máquinas uma tarefa desgastante.
A autonomia do navio, queimando o pesado óleo “bunker”, era muito inferior à atingida pelos navios-patrulha fluviais mais novos, com propulsão diesel. Planos para substituir o monitor já existiam desde o final da década de 1960. Um substituto foi projetado em meados da década de 1980: este seria um navio-patrulha fluvial dotado de convoo, semelhante ao Itaipu recém-construído no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) para o Paraguai e baseado na classe “Roraima” da Marinha do Brasil, de 365 toneladas (mas sem convoo). Porém, a iniciativa não vingou. No seu lugar, veio um estudo para mudar a propulsão do monitor, ordenado em 1993 pelo então ministro da Marinha, almirante de esquadra Ivan da Silveira Serpa.
Ladário, 27 de dezembro de 1997: o contrato para as obras de modernização do Parnaíba, junto ao Consórcio SCL/PEN, foi assinado pelo então contra-almirante Julio Soares de Moura Neto, comandante do 6º Distrito Naval (organização criada em 1945, à qual se subordinam a Base Fluvial de Ladário e a Flotilha de Mato Grosso). Moura Neto, hoje almirante-de-esquadra e comandante da Marinha, já conhecia bem o navio, que comandou no início da década de 1980, assim como sua potencialidade para se adequar aos novos tempos.
A modernização começou em outubro daquele ano e foi realizada inteiramente em Ladário. O projeto, embora realizado por engenheiros de fora da Marinha, contou com apoio do AMRJ numa época em que, coincidentemente, o diretor de Engenharia Naval era o vice-almirante Armando de Senna Bittencourt, sobrinho-neto de um dos “pais” do Parnaíba, Júlio Regis Bittencourt.
Os trabalhos duraram cerca de um ano e meio, destacando-se a troca das caldeiras e máquinas a vapor por dois motores diesel de 925HP cada, instalação de novos geradores diesel, reconstrução da casaria de popa com a instalação de um convoo e consequente retirada dos canhões antiaéreos 40mm/L60. Estes foram substituídos pela geração seguinte da arma, os Bofors 40mm/L70 transferidos da fragata Liberal quando esta passou pelo programa Modfrag e instalados próximos à chaminé.
Radares Furuno 3600 e Decca, novos sistemas de comunicação, novo sistema de governo elétrico-hidráulico (com joystick no passadiço), entre outros itens, completaram a modernização. Em 6 de novembro de 1999, no 62º aniversário de sua incorporação, o Parnaíba iniciou um novo ciclo de vida, com capacidade para operação plena com helicópteros, autonomia ampliada para duas semanas e melhor cobertura antiaérea. O navio renasceu, com muito mais flexibilidade.
Desde então, o monitor participa periodicamente de Operações Ribeirinhas como a RIBEIREX Pantanal, Operações Conjuntas como a ÁGATA, envolvendo Exército, Força Aérea e agências governamentais como a Polícia Federal e Receita Federal, Operações Multinacionais cada vez mais complexas como a ACRUX, junto às marinhas da Argentina, Paraguai e Uruguai, entre outras, em cenários típicos do século XXI.
O navio também voltou a navegar em água salgada na COREMIL-07 (Comissão de Representação Militar) quando, no final de 2007, visitou Porto Alegre para participar das comemorações do Bicentenário de Nascimento do Almirante Tamandaré. Toda essa atividade resulta em “dias de mar” entre os mais elevados dos navios da Marinha. Nada mau para um octogenário!
Principais características do Parnaíba, após a modernização:
- Comprimento x boca x calado: 55m x 10,2m x 1,5m
- Deslocamento máximo: 720t
- Propulsão: dois motores diesel Cummins-Wärstila CW-6-170 de 925HP cada, acoplados a dois eixos, acionando hélices de passo fixo protegidos por túneis
- Velocidade máxima: 12 nós
- Autonomia: 16 dias
- Armamento: 1 canhão de 76mmL/50, dois canhões de 40mmL/70, seis metralhadoras de 20mm e dois canhões de 47mm para salvas (a blindagem permanece a mesma)
- Convoo para operação de helicópteros leves
- Tripulação: 73 militares
Na última parte desta série: o Parnaíba nos dias de hoje
VEJA TAMBÉM:
Parabéns ao Poder Naval.
saga do Monitor Parnaíba. Parabéns ao Sr. Fernando Nunão De Martini. Parabéns ao Poder Naval e a MB.
Fernandinho, esta primeira foto do NTrFlu Paraguassú, vi no creéito DHPDM 1982, mas repare o prefixo PXPG, que eu saiba nos anos 60 os PX viraram PW, esta foto não seria nos early 70´s naum ?
Não seria possível, pensando no futuro, substituí-los por embarcações da classe Macaé? Se sim, quais ajustes estruturais isso demandaria? Ou compensaria iniciar um projeto do zero?
Att
MO, pode ser, eventualmente posso ter me enganado e digitado número errado na hora de salvar o nome do arquivo – veja que não coloquei a data na legenda da foto. Tenho anotado em separado detalhes de cada foto, posso checar depois. Mas em alguns aspectos, Ladário era um mundo à parte nos anos 60, 70 e até 80. Repare na tipologia do indicativo, por exemplo.
Sim, tbm, mas o Paraguassú sempre ou quase sempre foi assim pelo espaço fisico destinado ao indicativo, Entendi o “mundo a parte”!, mas o PXPG me deixou encucado, acho que nesta época já era PWPG
PMaffi88,
Compensa um projeto do zero. O formato do casco e o calado da classe Macaé são otimizados para navegar no mar, não em rios.
Por exemplo, a classe Macaé tem casco de fundo abaulado, o Parnaíba e outros navios projetados desde o início para navegar em rios têm fundo chato. O calado da classe Macaé supera 2,5m, enquanto o do Parnaíba é de 1,5m.
Nas partes anteriores da matéria você pode conferir como é importante o projeto levar em conta isso e mais outros itens, como a proteção dos hélices etc.
Nunão 1 de dezembro de 2017 at 9:44
Muito obrigado pelos esclarecimentos e pela referência.
Aproveitando o ensejo, gostaria também de saber se há um ‘Prosuper’ fluvial? E quais são as opções mais bem equipadas nessa categoria, à nível mundial, disponíveis para venda ou que possam servir de inspiração para um futuro projeto?
Sds
Paulo Maffi, infelizmente o que sei é que há muitas outras prioridades na frente. Salvo mudança de rumo, as flotilhas fluviais terão que ficar ainda, um bom tempo, na perspectiva de dar baixa em pequenos navios mais velhos (como a classe Piratini) com reposição apenas em parte por lanchas e embarcações miúdas. Os navios de maior porte, como o Parnaíba no MS e as classes Pedro Teixeira e Roraima no AM ainda têm muito tempo de serviço pela frente. Há um projeto de navios-patrulha de 200t adequados à navegação fluvial (desde que em canais não excessivamente rasos) e costeira que… Read more »
Nunão, mais uma vez obrigado! É triste ver essa penúria – sem desmerecer os meios de superfície fluvial em atividade e a equipe envolvida. Mas, o que incomoda é o tempo que as coisas levam para sair do estado de inércia e seguir um ritmo de renovação.
Também achei interessante o projeto de parceria com os Colombianos, que ao meu ver, conjuntamente com os peruanos, são os que mais buscam soluções nesse T. O.
Sds
Como funciona o carregamento do canhão de 76mm da proa? Não caberia uma peça mais moderna no seu lugar numa futura modernização?
Jonas Rafael, na próxima parte (a final) vamos mostrar fotos do canhão em operação e abordar esse assunto sobre alguma outra peça ser mais adequada.
Aguardarei ansioso então Nunão. Abc
Falar que estas reportagens são um SHOW é chover no molhado, parabéns e muito obrigado por elas. Será que existe alguma foto do Monitor Paraguassú em que apareça o indicativo de costado U16 pois já pesquisei em várias fontes e não encontro.
Nunca tinha visto uma foto do Guarani com sua configuração antiga. Era lindo! Deveria existir modelos em plástico dessa bela embarcação para os entusiastas montarem.