O Parnaíba com a configuração de armamento que ostentou entre 1959 e 1997: canhão principal de 76mm/L50 no convés de proa, dois canhões de 40mm/L60 sobre a casaria de popa e seis metralhadoras de 20mm. Na outra imagem, o navio recebe óleo ‘bunker’ do Potengi

O Parnaíba com a configuração de armamento que ostentou entre 1959 e 1997: canhão principal de 76mm/L50 no convés de proa, dois canhões de 40mm/L60 sobre a casaria de popa e seis metralhadoras de 20mm – fotos DPHDM (exceto quando indicado)

Do pós-guerra à grande modernização de 1997

Por Fernando “Nunão” De Martini (adaptação e atualização da matéria publicada na revista Forças de Defesa número 8, em 2013)

A história do monitor Parnaíba após a Segunda Guerra Mundial é uma longa narrativa de gerações sucessivas de tripulantes, servindo nas duras condições da Fronteira Oeste, adaptando-se aos cenários da Guerra Fria, às operações conjuntas e combinadas, envolvendo as três Forças Armadas e os países vizinhos, e chegando ao combate às novas ameaças dos ilícitos transnacionais como o tráfico e o contrabando, entre outros. São décadas demais para tratar em detalhes nesta penúltima parte da matéria comemorativa dos 80 anos do navio, mas que podemos resumir a partir de alguns marcos, que representam gradativas mudanças nas operações fluviais.

Em 1948, o monitor Pernambuco teve sua merecida baixa após 38 anos de serviço, deixando a Flotilha com os dois monitores que continuaram navegando juntos pelas duas décadas seguintes, marcando presença no Rio Paraguai. A Primeira Companhia Regional de Fuzileiros Navais, criada em Ladário em 1932, também foi evoluindo juntamente com as doutrinas de Operações Ribeirinhas, tanto para casos de conflito externo quanto para manutenção da ordem interna, realizando exercícios de desembarque apoiados pelos monitores.

Falando em artilharia, em 1959 esta foi padronizada em relação aos principais meios distritais da Marinha: naquela década, as novas corvetas da classe “Imperial Marinheiro” entravam em operação e recebiam canhões de 76mm L/50 dos estoques da Diretoria de Armamento, numa época em que vários navios como os caça-submarinos construídos nos EUA na Segunda Guerra Mundial, e repassados ao Brasil durante o conflito, davam baixa e eram desarmados, ampliando a disponibilidade desses canhões.

Tanto o Parnaíba quanto o Paraguassu trocaram suas já desgastadas e imprecisas armas de 120mm pelos menos poderosos, porém mais efetivos, canhões americanos de 76mm, com maior cadência de tiro, precisão e farta munição.

Monitores Parnaíba e Paraguassu atracando no porto de Assunção (Paraguai) no início da década de 1950. Reparar no reparo de canhão de 120mm com proteção balística no convés de proa e nas quatro metralhadoras de 20mm instaladas nas extensões do tijupá. Os dois pequenos canhões nas asas do passadiço (também chamadas de lais) são de 47mm, que foram reaproveitados, ainda à época de incorporação do navio, de contratorpedeiros desativados da Esquadra de 1910. Ainda eram empregados em exercícios na época. Hoje, essas relíquias ainda ocupam essas posições, embora sem os escudos balísticos, mas são empregados apenas para salvas cerimoniais, sendo conservados com bastante carinho

O armamento antiaéreo do Parnaíba também foi aprimorado, com dois canhões Bofors 40mm L/60 instalados sobre a casaria de popa, o que resultou em mudança de posição das duas metralhadoras de 20mm ali localizadas. Vale dizer que essas armas também podiam engajar alvos de superfície. Essa foi a sua configuração de armamento por quatro décadas.

Monitor Parnaíba em foto de 1985. Pode-se ver com clareza o canhão de 76mm que substituiu a antiga peça de 120mm e também a posição dos dois canhões de 40mm/L60 instalados sobre a casaria de popa no lugar de duas metralhadoras de 20mm, que passaram para o convés de popa.

Em 1971, o monitor Paraguassu deixou o serviço, sendo sucedido em 1972 por outro navio de mesmo nome e que acompanha o Parnaíba até hoje nas diversas comissões no Rio Paraguai, numa mostra da evolução rumo a uma maior interação com os Fuzileiros: o navio-transporte fluvial Paraguassu. Capaz de transportar uma tropa de 178 homens para desembarques apoiados pela artilharia do monitor, o novo Paraguassu passou a operar juntamente com novas embarcações de desembarque de viatura e pessoal (EDVP), ampliando a flexibilidade nas operações.

Já o velho monitor Paraguassu, desativado e preservado em Ladário, acabou sofrendo um incêndio no cais e precisou ser encalhado na margem oposta, onde permanece até hoje servindo de base para equipamentos de sinalização. Seu velho casco rebitado, cuja quilha foi batida em 1890, fica bem visível na época da seca.

Imagem de 2012 do antigo monitor Paraguassu encalhado na margem oposta da Base Fluvial de Ladário, com sinalização náutica presa sobre sua chaminé – Foto Fernando ‘Nunão’ De Martini

Navio Transporte Fluvial Paraguassu, substituto do monitor de mesmo nome desativado em 1971, em vistas de perfil e proa. Desde 1972 esse navio acompanha o Parnaíba em frequentes operações ribeirinhas, em conjunto com embarcações de desembarque de viaturas e pessoal

Já na década de 1980, a instalação de ar condicionado melhorou a habitabilidade do Parnaíba, também aprimorada pela transformação do paiol de mantimentos de ré (abaixo da linha d’água) em alojamento, diminuindo a lotação da coberta sob o convés de proa. Em 1983, começaram em Ladário as obras para instalação de uma unidade aeronaval, que veio na forma do 1º Destacamento Aéreo Embarcado (1º DAE), operando helicópteros UH-12 Esquilo a partir de 1990. A unidade foi rebatizada em 1995 como Esquadrão HU-4. Com sua chegada, o Parnaíba passou a operar em conjunto com helicópteros, mas sem as vantagens de possuir um convoo, como já ocorria desde 1973 com os novos navios-patrulha fluviais da classe “Pedro Teixeira”, de porte pouco maior que o do monitor, e que operavam na Amazônia.

Modificações menores e atualização de equipamentos diversos ocorreram durante os períodos de manutenção, mas isso não escondia o fato do monitor possuir uma propulsão totalmente ultrapassada. Que o digam as gerações de veteranos, muitos ainda residentes em Ladário, que não se esquecem das altíssimas temperaturas da praça de caldeiras (agravadas pelas altas temperaturas do ambiente), que tornavam o monitoramento dos mostradores e operação das máquinas uma tarefa desgastante.

Parnaíba e Potengi em transferência de óleo Bunker

A autonomia do navio, queimando o pesado óleo “bunker”, era muito inferior à atingida pelos navios-patrulha fluviais mais novos, com propulsão diesel. Planos para substituir o monitor já existiam desde o final da década de 1960. Um substituto foi projetado em meados da década de 1980: este seria um navio-patrulha fluvial dotado de convoo, semelhante ao Itaipu recém-construído no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) para o Paraguai e baseado na classe “Roraima” da Marinha do Brasil, de 365 toneladas (mas sem convoo). Porém, a iniciativa não vingou. No seu lugar, veio um estudo para mudar a propulsão do monitor, ordenado em 1993 pelo então ministro da Marinha, almirante de esquadra Ivan da Silveira Serpa.

Ladário, 27 de dezembro de 1997: o contrato para as obras de modernização do Parnaíba, junto ao Consórcio SCL/PEN, foi assinado pelo então contra-almirante Julio Soares de Moura Neto, comandante do 6º Distrito Naval (organização criada em 1945, à qual se subordinam a Base Fluvial de Ladário e a Flotilha de Mato Grosso). Moura Neto, hoje almirante-de-esquadra e comandante da Marinha, já conhecia bem o navio, que comandou no início da década de 1980, assim como sua potencialidade para se adequar aos novos tempos.

À direita na foto, o contra-almirante Julio Soares de Moura Neto, então comandante do 6º DN e que comandou o Parnaíba na década de 1980, em visita à praça de caldeiras do navio em 1997. Cerca de quinze anos depois, já almirante de esquadra e comandante da Marinha, Moura Neto prefaciou livro sobre os 75 anos do Parnaíba, escrito pelo autor desta série de matérias – foto acervo do Parnaíba

A modernização começou em outubro daquele ano e foi realizada inteiramente em Ladário. O projeto, embora realizado por engenheiros de fora da Marinha, contou com apoio do AMRJ numa época em que, coincidentemente, o diretor de Engenharia Naval era o vice-almirante Armando de Senna Bittencourt, sobrinho-neto de um dos “pais” do Parnaíba, Júlio Regis Bittencourt.

Os trabalhos duraram cerca de um ano e meio, destacando-se a troca das caldeiras e máquinas a vapor por dois motores diesel de 925HP cada, instalação de novos geradores diesel, reconstrução da casaria de popa com a instalação de um convoo e consequente retirada dos canhões antiaéreos 40mm/L60. Estes foram substituídos pela geração seguinte da arma, os Bofors 40mm/L70 transferidos da fragata Liberal quando esta passou pelo programa Modfrag e instalados próximos à chaminé.

Instalação de canhão de 40 mm que veio da fragata Liberal após o ModFrag – foto acervo do Parnaíba

Radares Furuno 3600 e Decca, novos sistemas de comunicação, novo sistema de governo elétrico-hidráulico (com joystick no passadiço), entre outros itens, completaram a modernização. Em 6 de novembro de 1999, no 62º aniversário de sua incorporação, o Parnaíba iniciou um novo ciclo de vida, com capacidade para operação plena com helicópteros, autonomia ampliada para duas semanas e melhor cobertura antiaérea. O navio renasceu, com muito mais flexibilidade.

Instalação de novo motor no Monitor Parnaíba – foto acervo do Parnaíba

Desde então, o monitor participa periodicamente de Operações Ribeirinhas como a RIBEIREX Pantanal, Operações Conjuntas como a ÁGATA, envolvendo Exército, Força Aérea e agências governamentais como a Polícia Federal e Receita Federal, Operações Multinacionais cada vez mais complexas como a ACRUX, junto às marinhas da Argentina, Paraguai e Uruguai, entre outras, em cenários típicos do século XXI.

O navio também voltou a navegar em água salgada na COREMIL-07 (Comissão de Representação Militar) quando, no final de 2007, visitou Porto Alegre para participar das comemorações do Bicentenário de Nascimento do Almirante Tamandaré. Toda essa atividade resulta em “dias de mar” entre os mais elevados dos navios da Marinha. Nada mau para um octogenário!

Modernizado entre 1997 e 1999, o Monitor Parnaíba recebeu um convoo para operar helicóptero leve, como principal alteração visível externamente. Na imagem, é possível ver também a nova posição da bateria secundária de 40mm, agora formada por dois reparos Bofors 40mmL70, dos dois lados da chaminé. As posições das metralhadoras de 20mm não foram alteradas em relação ao padrão anterior à modernização – foto acervo do Parnaíba

Principais características do Parnaíba, após a modernização:

  • Comprimento x boca x calado: 55m x 10,2m x 1,5m
  • Deslocamento máximo: 720t
  • Propulsão: dois motores diesel Cummins-Wärstila CW-6-170 de 925HP cada, acoplados a dois eixos, acionando hélices de passo fixo protegidos por túneis
  • Velocidade máxima: 12 nós
  • Autonomia: 16 dias
  • Armamento: 1 canhão de 76mmL/50, dois canhões de 40mmL/70, seis metralhadoras de 20mm e dois canhões de 47mm para salvas (a blindagem permanece a mesma)
  • Convoo para operação de helicópteros leves
  • Tripulação: 73 militares
Monitor Parnaíba fotografado durante ‘saída tipo’ com veteranos em 2012, quando das comemorações de 75 anos de incorporação – foto Alexandre Galante

Na última parte desta série: o Parnaíba nos dias de hoje

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